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3 CONTEXTO HISTÓRICO DAS FEIRAS LIVRES NO BRASIL E EM SALVADOR

3.2 ESPACIALIZAÇÃO DAS FEIRAS LIVRES EM SALVADOR

3.2.1 Regulamento das feiras livres do Município do Salvador

Segundo a revista O Gigante Invisível, na década de 60 do século passado, a emergência e a expansão da rede de autos serviços e a implantação da CEASA provocaram significativas mudanças na estrutura do abastecimento na cidade de Salvador. Entre as principais mudanças está a conversão de algumas feiras fixas em feiras móveis.

Atualmente, conforme já citado, e segundo dados fornecidos pela SEMOP, em fevereiro de 2014, existem trinta e três feiras livres em Salvador, entre fixas e móveis. Elas devem seguir Regulamento instituído pela Prefeitura Municipal de Salvador. Essas normas foram estabelecidas segundo Decreto n.º 11.611 de 26 de maio de 1997, página 2, na gestão do Prefeito Antônio Imbassahy. O documento está estruturado em cinco capítulos, assim dispostos:

Capítulo I - Da finalidade, definições e competência. Capítulo II - Do licenciamento.

Capítulo III - Do funcionamento e padronização das feiras livres. Capítulo IV - Das obrigações.

Capítulo V - Das proibições, infrações e penalidades.

Nesses capítulos estão distribuídos vinte e cinco artigos que instituem padrões a serem seguidos pelos feirantes.

Vejamos o Artigo 1º, o Art. 2º e o Art. 3°que falam sobre a finalidade, define o que são feiras livres e sua competência:

Art. 1° - As Feiras Livres têm por finalidade a comercialização no varejo de gêneros alimentícios de primeira necessidade, produtos hortifrutigranjeiros, de horticultura, pomicultura, floricultura, salgados em geral, roupas feitas, armarinhos, louças e alumínios, artigos caseiros e de limpeza, manufaturados e semi-manufaturados de uso doméstico e passam a ser regidas pelo presente Regulamento.

Art. 2º - São consideradas feiras livres aquelas realizadas em logradouros públicos da Cidade, classificadas de acordo com sua especificidade, como feiras móveis, feiras fixas ou feiras eventuais.

§ 1º - São denominadas feiras móveis aquelas realizadas sempre em espaço abertos, no mesmo local, em apenas um dia da semana.

§ 2º - Feiras livres fixas são aquelas cuja realização ocorre sempre no mesmo local, em espaço aberto ou fechado, em todos ou vários dias da semana.

§ 3° - São consideradas feiras livres eventuais aquelas que acontecem em ocasiões esporádicas em locais predeterminados, com duração variável.

Art. 3° Compete à Secretaria Municipal de Serviços Públicos - SESP a criação e extinção de feiras livres, a designação dos dias e locais de funcionamento, bem como seu remanejamento, em atendimento ao interesse público.

Parágrafo único - A criação de novas feiras livres fica condicionado ao interesse da Administração e estará subordinada ao a ocorrência de um ou mais fatores, dentre os seguintes:

I - densidade razoável da população; II - localização viável;

III - interesse da população local;

IV - interesse dos órgãos representativos da classe, devidamente reconhecidos pelo Executivo.

Embora exista a regulamentação definindo o que são feiras fixas e móveis, designando dias para funcionamento e a quem cabe a criação e extinção de feiras livres, nos bairros periféricos15 e ou mais afastados isso não ocorre. Os comerciantes atuam diariamente, vendendo seus produtos, em especial os hortifrutigranjeiros. No nosso referencial, o Nordeste de Amaralina e suas localidades, os vendedores se espalham por vários pontos do bairro durante toda a semana, formando várias feiras, com mão de obra familiar, não especializada, não assalariada e trabalho intensivo.

Ainda de acordo com o Regulamento, Capítulo II, § 3°: “O feirante não poderá ser autorizado para comercializar em mais de um circuito da feira livre móvel ou fixa que funcione no mesmo dia.” Fato não que não acontece nas feiras livres do referido bairro.

Mencionamos, por exemplo, um casal de irmãos moradores do Vale das Pedrinhas, oriundos de Santo Antônio de Jesus. Vendem no bairro há mais de trinta anos e trabalham de domingo a domingo. Durante a semana, sua barraca de frutas se encontra no cume de uma ladeira denominada pelos moradores locais de Ladeira da Praça16, porém, aos domingos, ele e a irmã se transferem para o Circuito da Feira, enquanto seu irmão, junto com a família,

negocia no sopé do mesmo declive, não se deslocando aos domingos. Ambos são moradores e vendedores antigos do bairro. Além deles, existem outros vendedores de frutas e verduras que comercializam em vários pontos do bairro e aos domingos se deslocam para o final de linha.

15 No nosso estudo periferia representa áreas com infra-estrutura e equipamentos de serviços deficientes. Locus de representação sócio-espacial da população de baixa renda, sem, contudo, estarem tão distantes do centro de Salvador (SERPA, 2001, p.36-37).

Figura 16 – Feira realizada na Ladeira da Praça, Nordeste de Amaralina, Salvador, Bahia

Fonte: ROCHA, 2016.

Aos sábados, nas imediações do Vale das Pedrinhas, encontramos outros comerciantes, vendendo frutas, verduras, folhas verdes, carnes verdes e salgadas, fato, mocotó, entre outros produtos. São várias feiras invisíveis ao poder público.

Figura 17 - Feira realizada no bairro do Vale das Pedrinhas, Salvador, Bahia

Fonte: ROCHA, 2016.

Dando prosseguimento à análise do Regulamento das Feiras Livres do Município, Capítulo III, o Art. 15 aborda que os equipamentos a serem utilizados deverão ser adquiridos pelos feirantes, obedecendo à padronização estabelecida pela Prefeitura Municipal do Salvador, cujo comprimento máximo de até 02 (dois) metros, ficando limitado a 01 (um metro) de largura, exceto para aqueles que operam com ramo de “armazém”, aos quais permitir-se-á o comprimento de até 04 (quatro) metros, não sendo possível, em hipótese

alguma, a ampliação das metragens fixadas pela SESP. No parágrafo 5° do mesmo Art., informa que os equipamentos não poderão ser armados junto aos muros e paredes dos prédios, devendo ser observada uma distância mínima de 80 (oitenta) centímetros do meio fio, devendo o passeio estar sempre desimpedido para o trânsito do público.

Essas, entre outras regras disciplinadoras, são utilizadas pela Prefeitura do Salvador, embora nem sempre acatadas pela maioria dos feirantes (figuras 5, 6 e 12), que vendem seus produtos ao longo da rua, construindo e desconstruindo territórios sem a rigidez imposta, “privatizando o espaço público através da ereção de barreiras simbólicas, por vezes invisíveis [...]” (SERPA, 2007, p.36).

Figura 18 – Mercadorias dispostas na calçada em rua do Nordeste de Amaralina, obstruindo a

passagem dos moradores

Fonte: ROCHA, 2016.

A moradora do Circuito da Feira fala que não é contra o evento que está iniciando aos sábados, porém reclama quanto a localização das mercadorias em cima do passeio:

Sete horas da noite, e você já viu, tudo tomado, minha porta mal deu para você ter acesso, porque eles colocam tudo em cima do passeio. A minha garagem, ninguém pode sair de carro. Dia de domingo o carro fica travado dentro da garagem, porque até que eles tirem tudo que estar na frente fica complicado.

Segundo o morador Sr. E.: “Eles defendem o espaço de todas as formas que tiver possibilidades de lutar, com todas as ferramentas que eles tiverem. Não tenha dúvidas sobre isso, que é assim mesmo que funciona”. O informante refere-se à territorialização do espaço pelos feirantes na FDNA.

Em nosso campo de observação, as feiras livres se apresentam como espaços dinâmicos, fruto das relações de trabalho voltadas para o desafio e sobrevivência. Nesse sentido, concordamos com Milton Santos (2004), ao afirmar que o Circuito Inferior é o verdadeiro fornecedor de ocupação para a população pobre. Assentimos também com o que diz Rosalvo Carneiro (2014), pois, segundo ele, no circuito inferior informal, a sociedade não segue as leis e segue amplamente as normas sociais, ou seja, as normas criadas pela sua comunidade, as práticas do dia-a-dia, do bairro, da rua, do território.

3.3 O PAPEL DOS FEIRANTES NA CONSTRUÇÃO DOS ESPAÇOS DAS FEIRAS