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Feira dominical do Nordeste de Amaralina, Salvador/Bahia: uma análise sobre a territorialidade de um espaço do circuito inferior

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REGINA CÉLIA SANTOS ROCHA

FEIRA DOMINICAL DO NORDESTE DE AMARALINA, SALVADOR/BAHIA: UMA ANÁLISE SOBRE A TERRITORIALIDADE DE UM ESPAÇO DO CIRCUITO

INFERIOR

SALVADOR 2016

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FEIRA DOMINICAL DO NORDESTE DE AMARALINA, SALVADOR/BAHIA: UMA ANÁLISE SOBRE A TERRITORIALIDADE DE UM ESPAÇO DO CIRCUITO

INFERIOR

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia - UFBA, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Alcides dos Santos Caldas

SALVADOR 2016

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FEIRA DOMINICAL DO NORDESTE DE AMARALINA, SALVADOR/BAHIA: UMA ANÁLISE SOBRE A TERRITORIALIDADE DE UM ESPAÇO DO CIRCUITO

INFERIOR

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Geografia, pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia, da Universidade Federal da Bahia.

________________________________________________ ALCIDES DOS SANTOS CALDAS- Orientador

Doutor em Geografia, Universidade de Santiago de Compostela Universidade Federal da Bahia

________________________________________________ GILMAR MASCARENHAS DE JESUS

Doutor em Geografia (Geografia Humana), Universidade de São Paulo Universidade Estadual do Rio de Janeiro

________________________________________________ JOSÉ ANTONIO LOBO DOS SANTOS

Doutor em Geografia (Geografia Humana), Universidade de São Paulo Universidade Federal da Bahia

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anjos, sem amor eu nada seria. (Camões, Monte Castelo). Acredito, sem nenhuma ambiguidade, que a vida é um ciclo e que não estamos sós no Universo. Creio também na existência do invisível que nos auxilia nos momentos mais difíceis. Assim sendo, agradeço ao Universo, que conspirou ao meu favor, a Deus, aos meus Ancestrais, e a minha Equipe Espiritual, que colocaram anjos em forma de pessoas, coisas e fatos, que contribuíram direta e ou indiretamente para a realização deste trabalho.

Durante três anos destinados aos estudos para a seleção do Mestrado, pensei várias vezes em desistir, devido à minha falta de habilidade para a escrita acadêmica. No entanto, através do Programa ACORDABAHIA e das minhas amigas Margarete N. Oliveira e Nadja C. de J. Miranda, fui enxergando o caminho das pedras e crendo nas probabilidades. Muito obrigada! Vocês foram essenciais para o meu aprimoramento.

Devo mencionar, que, ao adentrar no Mestrado na Universidade Federal da Bahia, contei com a colaboração de Itanajara e Dirce, sempre me apoiando e incentivando. Ouço a voz do meu querido Itanajara dizendo: “força menina, não vá desistir, você lutou tanto para entrar”. E dos professores Angelo Serpa e Cristovão Brito: “não existem fatos isolados e lembre-se: todo trabalho é coletivo”. Essas, entre outras frases escutadas, tiveram relevância, fazendo com que meus sentidos ficassem em alerta, em busca da disciplina necessária para a efetivação da escrita.

Contudo, sem dúvida, os feirantes são a mola propulsora de todo o movimento. Sem eles não haveria o que contar. Possivelmente não encontraria todas essas pessoas e todo esse aprendizado. As prosas, as jocosidades, a alegria existente na feira, apesar do trabalho intenso desses agentes sociais, me fizeram “enxergar” o indissociável. A esses aguerridos trabalhadores, minhas saudações e meu estimado apreço.

Seguem meus demais agradecimentos.

Aos entrevistados e participantes, por cederem seu tempo não exigindo nada em troca. À professora doutora Denise S. Magalhães, por dedicar seu precioso tempo na correção dos mapas. A todos os professores das disciplinas cursadas, que colaboraram para o meu aprendizado.

Aos colegas Silvia, Breno e Flávio, pelas deliciosas conversas pós-aula, em que nossos medos eram sempre transformados em brincadeiras para com o outro, ocasionando gostosas

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A Claudio Nascimento, amigo-irmão e seus familiares, que, por diversas vezes, cederam sua residência no Nordeste de Amaralina para reuniões, leituras e discussão do trabalho.

Ao sr. Frediano e família, que me receberam como filha em Amargosa, mesmo sem me conhecerem. Ao professor Ivan, aos Baganeiros, aos motoristas de caminhão e a todo o pessoal de Corta Mão pelas entrevistas e acolhida.

A Heibe Santana, Maíra Nascimento e Amanda Reis pela arte da transformação de desenhos e rabiscos em mapas, gráfico e textos.

A Maria de Lourdes C. Filha, coirmã, por entender o quanto era necessário o meu isolamento.

Aos meus familiares e amigos, que tão bem compreenderam minha ausência.

Aos colegas de trabalho e aos meus alunos do Georgina Ramos e do Monsenhor Barbosa, pela força e conforto nas horas de impaciência e mau humor.

Não poderia deixar de lado a Secretaria de Educação do Estado da Bahia, por me conceder licença para estudo durante o período de um ano.

A tod@s, meus sinceros agradecimentos.

Porém, uma gratidão especial ao professor Dr. Alcides dos Santos Caldas, meu orientador, por sua generosidade em me aceitar como orientanda e a sua paciência na forma de me conduzir, mostrando-me o caminho a percorrer, mesmo nas horas em que eu evidenciava desânimo. Com maestria, foi imprimindo estratégias que proporcionaram o desenvolvimento da pesquisa.

Por fim, meu eterno agradecimento aos meus pais Alfredo Francisco Rocha (in memória) e Matilde Maria Santos, por me darem à vida.

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Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, se não fora (Mario Quintana, A presença das estrelas)

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Esta dissertação apresenta análise sobre a feira que ocorre aos domingos no bairro Nordeste de Amaralina - Salvador-BA. Tem como fio condutor a teoria de Milton Santos, apresentada em Os Dois Circuitos da Economia Urbana nos Países Subdesenvolvidos, dando ênfase ao Circuito Inferior. Busca-se compreender a apropriação do espaço por seus agentes sociais, bem como, suas articulações de produção, circulação e consumo das mercadorias comercializadas. Através da proposta dos Circuitos dos Fluxos Socioespaciais, defendida por Rosalvo Carneiro, apresenta-se a ação, a razão comunicativa e a linguagem oral, como estratégias de vendas. A metodologia apresentada privilegia a abordagem qualitativa, com destaque para a dialética, visto que a Feira apresenta particularidades e contradições que a diferenciam das outras feiras livres em bairros denominados periféricos do município de Salvador. Citamos como exemplo, sua “ruralidade” dentro de um espaço urbano. Além disso, busca-se no materialismo histórico a edificação da mesma ao longo dos tempos em um espaço e durante um tempo determinado. O período analisado foi entre 2014 e 2016, contudo se investigou a origem da Feira, que advém da década de 1970, a sua permanência e expansão nos dias atuais. Para tal procedimento, foram utilizadas fontes secundárias e visitas a órgãos públicos, aplicação de questionários semiestruturados, depoimentos de feirantes, consumidores, moradores antigos e o trabalho de campo serviram de baliza para o aprofundamento e concretização da pesquisa, proporcionando maior entendimento sobre as interações espaciais que incidem no espaço estudado. A investigação apontou a Feira como possível fruto da expansão urbana do município de Salvador e abrigo de feirantes em geral, com poucos recursos financeiros, oriundos de vários municípios baianos e de diferentes bairros da capital do Estado. Esses agentes, ao se agruparem aos vendedores do bairro, agregam no local dinamicidade econômica, transformando-o em múltiplos territórios apoiados no consumo característico do Circuito Inferior da economia urbana.

Palavras-chave: Feira Dominical do Nordeste de Amaralina. Economia Urbana. Circuito

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This dissertation presents an analysis about the market place that takes place at Nordeste de Amaralina, a neighborhood in Salvador, Bahia, on Sundays. The starting point for this research is Milton Santos's theory discussed in Os Dois Circuitos da Economia Urbana nos Países Subdesenvolvidos (The Two Circuits of Urban Economy in Underdeveloped Countries), focusing on the notion of Lower Circuit. Our objective is to understand the appropriation of the space by its social agents and how the production, circulation and consumption of traded goods are articulated. Based on the idea of Sociospatial Flow Circuits, defended by Rosalvo Carneiro, the action, the communicative reason and the oral language are presented as sales strategies.

The methodology presented focuses on a qualitative approach, highlighting the dialectic, since the market place has its own peculiarities and contradictions which set it apart from other market places in peripheral neighborhoods of Salvador. We cite as an example, its “rurality” within an urban space. In addition, we part from historical materialism to observe the market's edification throughout time in a particular space and also in a specific point in time.

Although the study was carried on from 2014 to 2016, we also investigated the origin of the market place, which dates back to the 1970s, as well as its permanence and expansion nowadays. For such a procedure, secondary sources and visits to government agencies were necessary. We also applied semi-structured questionnaires, collected testimonials from stallholders, consumers, older residents of the area and conducted field work for the further development and implementation of the research, which provided a greater understanding of the spatial interactions which affect the space studied. The investigation pointed the market place as a possible result of urban expansion of Salvador and as a shelter for marketers with limited financial resources from several municipalities in Bahia and different neighborhoods of the state capital. By joining the local tradesmen, these agents add economic dynamism to the neighborhood, turning it into multiple territories supported by the characteristic consumption of the Lower Circuit in the urban economy.

Key Words: Sunday Market-Place in Nordeste de Amaralina. Urban Economy. Lower

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Figura 2 – Utensílios utilizados para a venda das mercadorias na FDNA 37

Figura 3 – Exemplo de vendas com cartão de crédito na barraca na feira móvel

no bairro do Imbuí, Salvador, Bahia 38

Figura 4 – Instrumento utilizado para pesar os produtos na FDNA utilizado para

pesar os produtos na FDNA 40

Figura 5 – Fluxograma da fase 1 42

Figura 6 – Croqui do Circuito da Feira Dominical do Nordeste de Amaralina 43

Figura 7 – Fluxograma da fase 2 45

Figura 8 – Fluxograma da fase 3 46

Figura 9 – Fluxograma da fase 4 47

Figura 10 – Planta do Circuito da Feira 48

Figura 11 – Localização da área da feira 49

Figura 12 – Feira móvel, instalada no bairro do Candeal, Salvador, Bahia 55

Figura 13 – Feira móvel, instalada no bairro do Imbuí, Salvador, Bahia 56

Figura 14– Registro fotográfico da Feira Dominical do Nordeste de Amaralina,

Salvador, Bahia 57

Figura 15 – Espacialização das feiras livres em Salvador 2015 59

Figura 16 – Feira realizada na Ladeira da Praça, Nordeste de Amaralina, Salvador,

Bahia 62

Figura 17 – Feira realizada no bairro do Vale das Pedrinhas, Salvador, Bahia 62

Figura 18 – Mercadorias dispostas na calçada em rua do Nordeste de Amaralina,

obstruindo a passagem dos moradores 63

Figura 19 – O bairro do Nordeste de Amaralina, Salvador, Bahia, margeado pelos

altos prédios de bairros considerados nobres 68

Figura 20 – Cachos de bananas verdes, principal produto vendido e exposto na

FDNA 76

Figura 21 – Mercadorias vendidas diretamente ao solo sobre lonas, na FDNA 79

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Figura 24 – Residência dos feirantes da FDNA, por municípios baianos 96

Figura 25 – Residência dos feirantes da FDNA, por bairros de Salvador 97

Figura 26 – Replantio da banana, em Corta Mão, Amargosa, Bahia 99

Figura 27 – Sede do distrito de Corta Mão, Amargosa, Bahia 100

Figura 28 – Quintal em Corta Mão, Amargosa, Bahia com plantação de bananeira 101

Figura 29 – Cacau principal produto de Corta Mão, Amargosa, Bahia 101

Figura 30 – Mercado Municipal de Amargosa 103

Figura 31 – Estocagem de bananas em Corta Mão, Amargosa, Bahia para

posterior comercialização na FDNA 105

Figura 32 – Baganeiros carregando caminhão para embarque 106

Figura 33 – Baganeiros comprando no Mercado Municipal de Amargosa 107

Figura 34 – Ruas e transversais da Feira de São Joaquim, Salvador, Bahia 109

Figura 35 – Venda de mercadorias obtidas na Feira de São Joaquim, na FDNA 110

Figura 36 – Artigos diversos encontrados na FDNA, em 2016 112

Figura 37 – Bar do Careca em uma das transversais do circuito da FDNA 114

Figura 38 – Apresentação do Projeto Música na Feira, na FDNA 115

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Tempo de comercialização dos feirantes da parte Alta da FDNA 76

Gráfico 2 – Tempo de comercialização dos feirantes da parte Intermediária da

FDNA 77

Gráfico 3 – Tempo de comercialização dos feirantes da parte Baixa da FDNA 77

Gráfico 4 – Local de aquisição das mercadorias pelos feirantes da parte Alta da

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Intermediária da FDNA 80

Gráfico 7 – Principais produtos comercializados pelos feirantes da parte

Intermediária da FDNA 81

Gráfico 8 – Local de aquisição das mercadorias pelos feirantes da parte Baixa da

FDNA 81

Gráfico 9 – Principais produtos comercializados pelos feirantes da parte Baixa da

FDNA 82

Gráfico 10 – Escolaridade dos feirantes da parte Alta da FDNA 84

Gráfico 11 – Escolaridade dos feirantes da parte Intermediária da FDNA 85

Gráfico 12 – Escolaridade dos feirantes da parte Baixa da FDNA 85

Gráfico 13 – Faixa etária dos feirantes da parte Alta da FDNA 86

Gráfico 14 – Faixa etária dos feirantes da parte Intermediária da FDNA 86

Gráfico 15 – Faixa etária dos feirantes da parte Baixa da FDNA 86

Gráfico 16 – Local de residência dos consumidores da FDNA 89

Gráfico 17 – Renda (em salários mínimos. R$ 788,00 reais) dos consumidores da

FDNA 90

Gráfico 18– Faixa etária dos consumidores da FDNA 90

Gráfico 19 – Escolaridade dos consumidores da FDNA 90

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Características dos dois circuitos da economia urbana nos países

subdesenvolvidos 30

Quadro 2 – Elementos dos circuitos de fluxos socioespaciais superiores hegemônicos, não-hegemônicos e superior secundário 33

(14)

Quadro 5 – Relação de feiras livres na parte oeste de Salvador 58

Quadro 6 – Relação de outras áreas com concentração de feiras livres 58

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 17

2 CAMINHOS DA PESQUISA 22

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3 CONTEXTO HISTÓRICO DAS FEIRAS LIVRES NO BRASIL E

EM SALVADOR 50

3.1 ORIGEM DAS FEIRAS LIVRES NO BRASIL E EM SALVADOR 50

3.2 ESPACIALIZAÇÃO DAS FEIRAS LIVRES EM SALVADOR 55

3.2.1 Regulamento das feiras livres do Município do Salvador 60 3.3 O PAPEL DOS FEIRANTES NA CONSTRUÇÃO DOS ESPAÇOS DAS

FEIRAS LIVRES 64

4 A FEIRA DOMINICAL DO NORDESTE DE AMARALINA 67

4.1 LOCALIZAÇÃO E CONTEXTO SOCIOECONÔMICO DO BAIRRO

NORDESTE DE AMARALINA 67

4.2 ORIGEM DA FEIRA DOMINICAL DE AMARALINA 73

4.2.1 Trajetória da Feira contada pelos feirantes antigos e moradores 73

4.2.2 Estrutura espacial da Feira 75

4.2.3 Perfil dos feirantes 84

4.2.4 Perfil dos consumidores 88

4.2.5 Conflitos existentes no Circuito da Feira 91

4.3 ARTICULAÇÕES TERRITORIAIS 94

4.4 AMARGOSA E O DISTRITO DE CORTA MÃO 98

4.4.2 Os Baganeiros de Corta Mão e formas de comercialização 104

4.5 CENTRAL DE ABASTECIMENTO DA BAHIA – CEASA-BA 107

4.6 A FEIRA DE SÃO JOAQUIM 108

4.7 EXPANSÃO E PERMANÊNCIA DA FDNA 110

4.8 A FDNA COMO POTENCIAL ÁREA DE LAZER 113

4.9 OUTRAS FEIRAS NA CIDADE DE SALVADOR 115

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 118

(16)

DA FDNA

APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS

CONSUMIDORES DA FDNA 130

APÊNDICE C – ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM O

DELEGADO DA 28ª DT 132

APÊNDICE D – ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM OS

AGENTES SOCIAIS ORIUNDOS DE AMARGOSA 133

APÊNDICE E – ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM OS

FEIRANTES DE CORTA MÃO 134

APÊNDICE F – ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM OS

AGRICULTORES DE CORTA MÃO 135

APÊNDICE G – ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM OS

CAMINHONEIROS DE AMARGOSA 136

APÊNDICE H - QUADROS DESCRITIVO DO PERFIL DOS

ENTREVISTADOS 137

ANEXOS 149

ANEXO A - ESPAÇOS TERRITORIALIZADOS PELOS

FEIRANTES AOS DOMINGOS: IMAGENS 150

ANEXO B – RELATO DOS APLICADORES DE QUESTIONÁRIOS

(17)

1 INTRODUÇÃO

Nesta dissertação, busca-se analisar e interpretar a feira livre que ocorre aos domingos no bairro Nordeste de Amaralina, Salvador-BA, e os fenômenos geográficos que lá sucedem, estabelecendo correlações entre sua espacialização, sua territorialidade, seus circuitos da economia e seus fluxos socioespaciais.

Apesar de ter sido registrada a existência de três feiras fixas durante toda a semana, atuando concomitantemente com mercadinhos e um mercado de hortifrutigranjeiros, apelidada pelos moradores locais de Ceasinha, a feira Dominical do Nordeste de Amaralina desempenha importante papel no bairro1 e nas localidades adjacentes. Isso acontece pela sua

tradição de cerca de quarenta anos e pelo fato das suas atividades comerciais derivarem de feirantes oriundos da zona rural do Estado da Bahia e de outros bairros de Salvador, integrados aos feirantes locais, que criam um aspecto de ruralidade em um espaço urbano.

Vale destacar que o bairro Nordeste de Amaralina se desenvolveu a partir de loteamentos de antigas fazendas, na metade do Século XX, quando lotes foram arrendados a antigos trabalhadores das fazendas, pescadores e outras famílias. Sua configuração atual, possivelmente, seja resultado dos impactos do fenômeno da urbanização iniciados a partir da década de 1950, e o seu adensamento tenha ocorrido com os movimentos migratórios de famílias advindas do interior do Estado, em especial do Recôncavo Baiano.

A cidade de Salvador, no período, recebia multidão de rurais com poucos recursos financeiros, ocupando áreas que ficaram conhecidas como invasões. Um desses espaços foi o bairro Nordeste de Amaralina. Desse modo, supõe-se que a feira Dominical do Nordeste de Amaralina tenha se originado a partir do contexto da expansão urbana de Salvador, em que pessoas oriundas da zona rural buscavam alternativas para sua sobrevivência.

Outros fatores de relevância são: a sua atual expansão territorial, o aumento significativo de feirantes e clientes procedentes de outros bairros, além do preço das suas mercadorias, considerado pelos consumidores como principal elemento de atração da Feira.

Vinculada a esses elementos, destacamos a sua localização geográfica. O Nordeste de Amaralina limita-se com os seguintes bairros: Amaralina, Pituba, Itaigara, Rio Vermelho, Candeal e Brotas. É servido por várias linhas de transporte coletivo, que saem da Cidade Baixa e da Cidade Alta, fazendo percursos por bairros localizados na parte Oeste, Centro e Sul de Salvador. Esses fatores promovem maior articulação e acesso à feira, contribuindo para um maior fluxo de pessoas.

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Aos domingos, os comerciantes locais e não locais se aglutinam na parte mais alta da Rua do Norte, estendendo-se por cerca de 500 metros em forma linear, mais algumas transversais, até alcançar o fim de linha2 – ou parada terminal – do transporte coletivo do

Nordeste de Amaralina. Promovem, assim, modificação em toda a rotina do lugar e da população onde a feira se instala: o fluxo de veículos é interrompido e todo o cotidiano é alterado com a presença da feira e dos comerciantes. Há tanto vendedores locais quanto de outros bairros e, até mesmo, de outros municípios baianos, os quais se deslocam por centenas de quilômetros, todos os fins de semana, trazendo mercadorias em caminhões próprios ou alugados, para a venda a varejo.

Entretanto, durante a semana, o local onde se estabelece o circuito da feira dominical possui outra dinâmica, com serviços diversos: clínicas médicas e dentárias, escola da rede particular, mercados de pequeno porte, farmácias, lojas de confecções e de calçados, delicatessen, bares, entre outros. É um espaço com ritmo intenso e contínuo de transeuntes, veículos e transportes coletivos, revelando formas e funções diversificadas.

O interesse em analisar essa feira surgiu da inquietação por compreender sua atividade e execução, visto que residi no bairro por muitos anos e, desde minha infância, intrigava-me o vai e vem de pessoas e caminhões, a expansão da feira aos domingos, as mudanças, as permanências e a transformação da configuração socioespacial no fim de linha do Nordeste de Amaralina. Os feirantes, ao se instalarem aos domingos, durante algumas horas, reconfiguram todo o espaço, formando novas territorialidades, recriando um ambiente interiorano dentro de um espaço urbano, transformando o local em uma grande feira livre.

Vale ressaltar que a temática foi parcialmente apresentada em forma de monografia, no curso de Pós-Graduação Latu Senso, Especialização em Cultura Africana e Afro-Brasileira, na Faculdades Olga Metting, em 2007. O texto se intitula Feira dominical do Nordeste de Amaralina em Salvador-BA: a produção espacial de um comércio informal e a sua relação com os afrodescendentes. Os objetivos, naquele momento, foram: a) compreender como os afrodescendentes especializam e constroem territórios de resistência do meio urbano e b) analisar a feira como área de encontros, trocas e transmissão da cultura de base africana. No entanto, a pesquisa exploratória revelou a carência de estudos sobre a feira e a sua dinâmica, o que aguçou ainda mais meu interesse por esse evento, fazendo surgir algumas indagações, tais como: qual a origem dessa feira? Qual a procedência dos feirantes? Que motivos levam esses vendedores a migrarem de seus municípios e ou bairros para esse espaço

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aos domingos? Quem os abastece? Qual a articulação dessa feira com outros bairros de Salvador e demais municípios baianos?

Esses, entre outros questionamentos, foram aprofundados com a leitura da obra O Espaço Divido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos, de Milton Santos (2004). O autor fala da existência de dois circuitos da economia: um Circuito Superior, em que prevalecem empresas de grande porte, fruto da modernização tecnológica, em geral voltadas para o cenário nacional e internacional, e um Circuito Inferior formado de atividades de pequena dimensão e voltado principalmente às populações pobres, bem enraizado no cenário local (SANTOS, 2004, p. 22). Contudo, ambos os circuitos possuem relações de reciprocidades.

A Feira Dominical do Nordeste de Amaralina é um espaço público, apropriado aos domingos por uma população, em geral, com poucos recursos financeiros3, que, ao

territorializar o espaço, o torna um grande mercado a céu aberto, não seguindo a lógica capitalista unifuncional e hegemônica (HAESBAERT, 2004, p. 2). Além disso, a Feira torna-se um lugar de encontro, da “prosa”, das brincadeiras, dos conflitos e das contradições, onde é comum o uso de expressões para designar estruturas e processos vivenciados no cotidiano, como “Olha a laranja de Alagoinhas, se você morrer a mulher é minha” 4.

Acredita-se que negligenciar esse espaço e sua importância é abdicar da formulação de seus fundamentos geográficos não hegemônicos. É deixar esse elemento contemporâneo, que precisa ser analisado e contextualizado, à margem de grandes possibilidades de investigação e interpretação geográficas.

Nesse contexto, o espaço em que a Feira se localiza se torna um importante objeto de pesquisa em Geografia, pois abre possibilidades para a retomada da discussão sobre o Circuito Inferior da economia no espaço urbano dos países subdesenvolvidos, proposto por Milton Santos na década de 1970. Para tanto, buscamos dialogar com a proposta de Rosalvo Nobre Carneiro sobre os Circuitos de Fluxos Socioespacias (2006), que tem por base a teoria da Ação Comunicativa, de Jurgen Habermas (2012).

Diante disso, buscamos responder à questão: quais as estratégias e articulações desses agentes sociais para reconfigurar esse espaço formando novas territorialidades?

Por conseguinte, considerando que a produção e a organização do espaço são feitas a partir das relações sociais vigentes e construídas ao longo do tempo em cada local e período histórico, para responder a esse problema propomos as seguintes questões norteadoras:

3 Conforme é possível depreender dos dados dispostos na Tabela 1, nas páginas subsequentes. 4Frase proferida por feirante, obtida durante o trabalho de campo, em junho de 2015.

(20)

 qual a origem da feira Dominical do Nordeste de Amaralina como espaço do Circuito Inferior e de fluxos socioespaciais?

 Qual o papel dos feirantes na construção da territorialidade desse espaço?  Qual a importância dessa feira para a comunidade do Nordeste de Amaralina e

adjacências?

É nossa proposta identificar a origem e analisar o processo de territorialidade da Feira Dominical do Nordeste de Amaralina (FDNA), a partir de sua espacialidade com o Circuito Inferior e seus fluxos socioespaciais, buscando compreender suas contradições e particularidades. Os objetivos específicos são: a) identificar a origem de ocupação dessa feira e a procedência dos seus agentes sociais; b) analisar sua articulação espacial, comercial e seus significados econômicos; c) compreender a permanência da feira e sua articulação com os moradores e as áreas circunvizinhas e d) realizar o mapeamento da área de estudo e da origem dos feirantes e seus produtos.

Para tanto, a metodologia desta investigação privilegia a abordagem qualitativa, com ênfase na dialética e no materialismo histórico.

Como dados primários da pesquisa, que ora se apresenta, usaram-se: observações; conversas informais com os feirantes, moradores antigos do bairro e do circuito da feira, consumidores, caminhoneiros e transeuntes (denominados, aqui, de agentes sociais); aplicações de cinquenta e quatro questionários com os feirantes e sessenta e três questionários com os consumidores, além de dez entrevistas com moradores antigos e consumidores presentes na feira; registros fotográficos e mapeamento da área.

Ainda foram utilizados os seguintes dados secundários: pesquisa bibliográfica, visita a órgãos públicos (Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia-CONDER; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE; Fundação Mario Leal Ferreira-FMLF; Fundação Gregório de Matos-FGM; Secretaria Municipal de Ordem Pública-SEMOP, entre outros).

O levantamento bibliográfico baseou-se em leituras relacionadas ao entendimento acerca da feira livre, suas inter-relações socioeconômicas e espaciais, formando um conjunto indissociável. Para os procedimentos metodológicos e aprimoramento técnico, foram efetuadas leituras específicas sobre: entrevistas e aplicações de questionários, análise do discurso e trabalho de campo em Geografia. Essas leituras foram de suma importância para a realização do trabalho de campo, pois se buscou o aperfeiçoamento para as abordagens aos agentes sociais.

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Além da Introdução, em que foram abordados a relevância da pesquisa, a metodologia, as questões norteadoras e os objetivos geral e específicos, das Considerações finais – em que os principais pontos estão sintetizados – e dos Apêndices– que apresentam os questionários aplicados e as fichas guias utilizadas nas entrevistas – esta dissertação está estruturada em três capítulos, conforme se explica a seguir.

O capítulo Caminhos da pesquisa trata de referencial teórico, com destaque para as principais dissertações utilizadas, e discute os dois circuitos da economia urbana e os circuitos de fluxos socioespacias nos países subdesenvolvidos e nas feiras livres em Salvador- BA, tomando por base as obras de Milton Santos (2004) e de Rosalvo Carneiro (2014). Apresenta, também, os aspectos metodológicos com exposição do trabalho de campo e sua aplicação.

No capítulo Contextualização histórica das feiras livres na cidade de Salvador, discute-se a origem das feiras livres no Brasil e em Salvador - BA, o papel dos feirantes para a sua construção e a espacialização das feiras livres em Salvador - BA. Por fim, no quarto capítulo, A Feira Dominical do Nordeste de Amaralina: circuitos da produção, comercialização e distribuição, busca-se a origem da FNDA, através do trabalho de campo. Analisa-se a Feira do Nordeste de Amaralina como circuito de produção, distribuição e abastecimento de mercadorias no Circuito Inferior, que compreende as atividades de fabricação tradicionais, como o artesanato, assim como os transportes tradicionais e a prestação de serviços (SANTOS, 2004, p.24), conforme será explicado mais adiante.

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2 CAMINHOS DA PESQUISA

Ao buscar aprofundamento para a pesquisa, foi notada a ausência de publicações bibliográficas sobre a Feira Dominical do Nordeste de Amaralina. Alguns blogs de moradores locais e os jornais A Tarde, Correio da Bahia e Tribuna da Bahia noticiam sobre a Feira, enfatizando os feirantes que migram do interior para comercializar seus produtos, ressaltando seus preços baixos, destacando-a como um local onde tudo se encontra. Na Dissertação de Mestrado de Souza (2008), há referência sobre a grande feira que acontece no bairro durante os finais de semana, movimentando o local e atraindo visitantes dos bairros vizinhos.

Contudo, esses textos não discutem as relações de produção, circulação, distribuição, abastecimento de mercadorias, interações sociais existentes com as áreas circunvizinhas e a produção e organização do espaço pelos agentes sociais que nela atuam. Os órgãos públicos municipais de Salvador visitados também não apresentaram informações relevantes que permitissem uma análise com maior profundidade. Assim sendo, trilhamos por caminhos em busca da concretização dos nossos objetivos.

2.1 REFERENCIAL TEÓRICO

Conforme mencionado, a Feira, objeto de estudo, carece de informações bibliográficas para possibilitar sua análise como um local de interações sociais e econômicas, onde seus agentes, em conjunto com suas atividades comerciais, operem no processo de construção/produção de um espaço. Sendo assim, para a materialização deste trabalho, buscamos, através do levantamento bibliográfico, o estudo das várias feiras brasileiras. Busca-se a construção do referencial teórico Busca-sem, no entanto, deixar de pontuar as particularidades do local estudado através do trabalho de campo.

A escolha do material de consulta teve como premissa as abordagens que mais se aproximassem do tema e do método de análise. Os autores pesquisados, através da etnografia, do materialismo histórico e da dialética, enfatizam a vida cotidiana de homens e mulheres que, através das suas práticas e experiências do trabalho no comércio varejista em feiras livres, constroem e desconstroem espaços, voltados para a sua sobrevivência.

Todos os trabalhos destacados retratam a feira como local de ponto de encontro, de persistência e resistência de uma população pobre, com poucos recursos financeiros, que buscam a sua subsistência através do comércio em feiras livres. Ainda, enfatizam as articulações e interações espaciais e as redes de comercialização. Portanto, interagem com o nosso estudo, que tem como principal viés a Teoria do Circuito Inferior da economia urbana

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nos países subdesenvolvidos e a proposta de Circuito Inferior dos Fluxos Socioespaciais. Para a consolidação dos nossos estudos destacamos os trabalhos de alguns autores. Vejamos.

Mott (1975), em sua tese de Doutorado – apresentada ao Departamento de Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), intitulada A Feira de Brejo Grande: estudo de uma instituição econômica num Município sergipano do Baixo São Francisco – discute o papel dos feirantes e suas estratégias de comercialização, confrontando com a pobreza do local e seus sistemas produtivos. O autor revela a feira sob a perspectiva antropológica, utilizando, porém, outras ciências, como a História e a Geografia, para explicar a origem das feiras e seus sistemas de circulação.

As questões levantadas pelo autor fornecem elementos para a reflexão sobre o processo de formação da feira em estudo, pois são apresentadas características semelhantes, apesar da diferença espacial e temporal. Nota-se no trabalho a preocupação do autor com as interações socioespaciais, contribuindo para a nossa pesquisa, visto que trabalhamos com circuitos e fluxos socioespaciais.

Na dissertação de Mestrado, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPG), na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cujo título é Lugar da feira livre na grande cidade capitalista: conflito, mudança e permanência (Rio de Janeiro. (1964-1989), através do materialismo-histórico-dialético e da abordagem dos circuitos da economia nos países subdesenvolvidos, Jesus (1991) procura compreender e dimensionar o processo de reestruturação das feiras livres, a sua articulação com o sistema de abastecimento e o advento dos supermercados e do automobilismo na cidade do Rio de Janeiro. As questões levantadas sobre o impacto da modernidade e a permanência das feiras livres nos mostram a condição desvantajosa em que se encontram as atividades comerciais do Circuito Inferior, porém resistindo com seu espetáculo diário pelas ruas da cidade.

Paim (2005), PPG em História, em sua dissertação de Mestrado, defendida na Universidade Federal da Bahia (UFBA), de título Do Sete a São Joaquim: o cotidiano de “mulheres de saia” e homens em feiras soteropolitanas (1964 - 1973), trata do cotidiano de homens e mulheres na feira de São Joaquim e das reminiscências da feira de Água de Meninos. Enfatiza a espontaneidade do surgimento das feiras em Salvador, sua informalidade, resistência e persistência dos feirantes pobres com poucos recursos financeiros.

Também pela UFBA, pelo PPG em Geografia, a dissertação de Mestrado de Porto (2005), Configurações sócio-espaciais e inserção das feiras livres de Itapetinga - BA e arredores no circuito inferior da economia, discute a configuração espacial e a produção das principais feiras livres de cinco municípios da Região Sudeste do Estado da Bahia

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(Maiquinique, Macarani, Itarantim, Itororó e Itapetinga). Parte do entendimento de que as feiras constituem uma das manifestações do circuito inferior da economia urbana dos países subdesenvolvidos.

A dissertação Vidas nas fronteiras: Práticas Sociais e Experiências de Feirantes no Recôncavo Sul da Bahia. Santo Antônio de Jesus 1948-1971 (HAMILTON, 2007), defendida no PPG Cultura, Memória e Desenvolvimento Regional, na Universidade do Estado do (UNEB), analisa o cotidiano dos feirantes, dando relevância às suas experiências, rompendo com as tendências e generalizações que criam a imagem fixa de um homem rural como um sujeito que não possui capacidade e habilidades para lidar com o “moderno”.

Ressurreição (2009), PPG em Geografia UFBA, na dissertação Interações e as redes entre o comércio de hortaliças do centro de abastecimento e os supermercados da cidade de Feira de Santana – BA, enfatiza as interações espaciais e as redes de comercialização promovidas pelo Centro de Abastecimento de Feira de Santana (CAF) e os supermercados da cidade, analisa e amplia os conhecimentos acerca da organização do espaço da cidade.

Esses trabalhos tornam-se relevantes, pois trazem à luz agentes sociais não hegemônicos que representam e reproduzem espaços de resistência e persistência ao atual modelo de desenvolvimento. São homens e mulheres que lutam pela sua sobrevivência sem, no entanto, renunciar ao chamado mundo moderno.

Tais pesquisas são essenciais para a compreensão da FDNA. Retratam cotidianos de espaços territorializados ao longo da história, tornando-se ponto de encontro de fluxos socioeconômicos e de pessoas que buscam alternativas através do comércio com características do Circuito Inferior. Geralmente são pessoas que compõem uma parcela da população com baixo poder aquisitivo, embora encontrem-se pessoas de classe de renda diferenciadas.

Uma vez que a ideia central deste estudo é o Circuito Inferior da economia urbana, foram utilizadas, como referência, as obras O Espaço Dividido: Os Dois Circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos, de Milton Santos (2004), e Circuito Inferior e Fluxos Socioespaciais: A Feira Livre de Pau dos Ferros - RN, de Rosalvo Carneiro (2014).

De acordo com Santos (2004, p. 22), o Circuito Superior originou-se diretamente da modernização tecnológica, de essência hierárquica, com grande influência do capital externo, consumo ligado ao poder de compra, sendo seletivo. O Circuito Inferior, formado por atividades de pequena dimensão e de interesse principalmente das populações pobres, mantém relações bem enraizadas e privilegiadas com a sua região. Apesar dos dois circuitos

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apresentarem características bem distintas, há complementaridade entre eles, pois o Circuito Inferior deriva indiretamente das inovações tecnológicas.

Já para Carneiro (2014, p. 36), cada circuito, inferior ou superior, produz e se reproduz materialmente e simbolicamente em um dado espaço e como espaço. Logo, há uma relação intrínseca entre espaço público, espaço privado, circuitos espaciais da produção e circuitos de fluxos sociais.

O autor, ao propor a reconstrução da teoria dos dois circuitos, toma por base a Teoria da Ação Comunicativa, de Jurgen Habermas, que pressupõe uma diferenciação entre os mundos objetivo, social e subjetivo. Essa diferenciação, segundo Habermas (apud PINTO, 1995), é o que distingue o pensamento moderno do modo de pensar mítico. Ao contrário do último, o primeiro assume que as interpretações variam com relação à realidade social e natural, e que as crenças e valores variam em relação ao mundo objetivo e social (PINTO, 1995, p. 80).

De acordo com Prof.ª Maria Adélia Aparecida de Souza, a proposta de fluxos socioeconômicos não contrapõe a teoria dos circuitos inferiores da economia urbana, pois a essência do conceito prevalece. Maria Adélia afirma que “[...] fluxos e circuitos são dois conceitos trabalhados por Milton Santos [...]. Ambos indicam movimentos que caracterizam a indissociabilidade entre sistemas de objetos e ações, ou seja, a constituição do espaço geográfico.” (CARNEIRO, 2014, p.22).

Contudo, os espaços não apresentam homogeneidade, diferenciando-se de acordo com as intencionalidades e as técnicas desenvolvidas ao longo do tempo e do espaço em que incidem. De acordo com as ações que ocorrem em tempo real, os objetos podem adquirir novos significados, formando novas configurações territoriais. Nesse contexto, o local onde se localiza a Feira Dominical do Nordeste de Amaralina é resultante desse movimento, sendo que cada elemento que a compõe é uma síntese do espaço vivenciado.

Não podemos deixar de pontuar os estudos referentes ao espaço e à territorialidade que estão no cerne da pesquisa. Para tanto, seguiremos os passos de Milton Santos (2006) e Haesbaert (2004), pois a realização da sociedade humana se dá sobre uma base material: o espaço e o seu uso: “O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas e objetos de ações” (SANTOS, 2006, p. 51).

Nesse sentido, o espaço é dialético e está em constante transformação, é uno e múltiplo (SANTOS, 2006, p. 105). É o local onde se materializa a ação humana e as suas relações sociais.

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Nessa perspectiva, ao analisarmos o espaço estudado, concordamos com Haesbaert (2004). Para o autor (2004, p.1), “o território nasce com dupla conotação, a material e a simbólica”. As duas conotações estão associadas ao poder concreto de dominação e ao poder no sentido mais simbólico de apropriação. O autor afirma que Lefebvre distingue apropriação de dominação. A apropriação está vinculada ao simbólico, ao vivido, enquanto a dominação é o processo mais concreto de possessão e vinculado ao valor de troca.

Ao seguir o raciocínio de Lefebvre (1986), segundo o qual o território é sempre múltiplo, “diverso e complexo”, não abraçando a proposta da lógica capitalista unifuncional e hegemônica, Haesbaert (2004) diz que o território é um espaço de poder que vai do jurídico-político até a apropriação mais simbólica e ou cultural-simbólica.

Portanto, com base nessas obras, e nas demais informações secundárias, ao se analisar a FDNA, nota-se a organização do seu espaço como fruto de uma seletividade de objetos e ações, destinadas a uma população com baixos recursos financeiros que se apropriam de um espaço público aos domingos, formando uma nova territorialidade e dando novo significado ao lugar. Buscou-se, assim, compreender a feira dominical por meio dos circuitos econômicos e fluxos socioespaciais.

2.1.1 Circuito inferior da economia urbana e os circuitos de fluxos socioespacias

Com o advento das revoluções industriais, do desenvolvimento do meio técnico científico e a difusão dos meios de comunicação e de transportes, ocorreu intenso desenvolvimento na configuração territorial, em várias partes do mundo, tanto material quanto não material (bens e serviços), provocando mudanças na estrutura de produção e circulação, a exemplo de maior produtividade e da divisão do trabalho, assim como a inserção de novas fontes de energia. Entretanto, essas transformações não ocorreram em todos os espaços de forma igualitária, devido a processos históricos e geográficos de cada território.

De acordo com Castells (1999, p.71):

[...] um grande aumento repentino e inesperado de aplicações tecnológicas transformou os processos de produção e distribuição, criou uma enxurrada de novos produtos e mudou de maneira decisiva a localização das riquezas e do poder no mundo, que, de repente, ficaram ao alcance dos países e elites capazes de comandar o novo tecnológico.

O autor prossegue afirmando que o lado escuro dessa aventura tecnológica é que ela estava irremediavelmente ligada a ambições imperialista e conflitos interimperialistas.

Para melhor entendimento sobre as transformações ocorridas no espaço geográfico, Santos (2004, p.33) delimita essas mudanças em três períodos históricos: um que começa no fim do século XV e início do século XVI e que vai até a revolução industrial; o segundo, que

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se situa entre meados de século XVIII e meados do século XX; e o período atual que se inicia depois da Segunda Guerra Mundial.

Santos (2004, p.34) explica que, no primeiro período, devido ao domínio dos países colonizadores, delineia-se a divisão internacional do trabalho. Os países colonizados têm suas riquezas exploradas e suas cidades eram essencialmente administrativas e comerciais, com escassez de consumidores, ao lado de um campo com uma população com baixo poder aquisitivo.

No segundo período, com a modernização dos transportes, as cidades que possuem situações privilegiadas beneficiam-se, acentuando a internacionalização do trabalho baseado no “pacto colonial”. Conforme Braudel:

Em todo o lugar onde se moderniza, a vida mercantil fica às voltas com uma poderosa divisão do trabalho. Não que seja uma força por si só. É a amplitude crescente do mercado, o volume da troca [...], que impulsiona, conferindo-lhe suas dimensões. Afinal de contas, o motor é o próprio ímpeto da vida econômica e é dele que reservando a uns o progresso mais animado, deixa a outros as tarefas subalternas, tende a criar as grandes desigualdades sociais. (BRAUDEL, 1966, p. 331)

Assim sendo, a modernização dos meios de transportes conferiu ao espaço geográfico novas formas de dominação, divisão do trabalho e ampliação na ocupação de novos espaços e dinâmicas produtivas.

O terceiro período caracteriza-se pela revolução do consumo, pela importância que as economias de escala assumem, o que é consequência de uma tecnologia renovada, das evoluções demográficas e urbanas que vêm se juntar com a internacionalização do trabalho no plano industrial.

A partir da Segunda Guerra Mundial, os países subdesenvolvidos passam pelo processo de modernização tecnológica, pela industrialização e urbanização, provocando mudanças na sua organização espacial, transformações essas essenciais para os países desenvolvidos. Entretanto, esse fenômeno comandado pelas grandes indústrias não ocorreu de forma homogênea, acentuando as diferenças de renda já existentes na sociedade e seguindo tendência à hierarquização das atividades socioespaciais. Em concordância com Santos e Corrêa (2010, p. 72), essa modernização teve o papel de dividir a vida econômica desses países em dois circuitos de produção, distribuição e circulação: o Circuito Superior e o Circuito Inferior.

Na década de 1970, Milton Santos lança a teoria dos circuitos da economia urbana, com a obra O Espaço Dividido: Os Dois Circuitos da Economia Urbana dos Países Subdesenvolvidos. O autor busca um novo paradigma para a abordagem teórica da

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urbanização desses países, afirmando que os estudos realizados até o período, por diversos autores, não levavam em conta as diferenciações. Essa definição tomou por base as grandes contradições socioespaciais existentes na organização e reorganização nas cidades dos países em desenvolvimento. De acordo com Santos:

Os componentes do espaço são os mesmos em todo o mundo, e formam um continuum no tempo, mas variam quantitativa e qualitativamente segundo o lugar, do mesmo modo que variam as combinações entre eles e seu processo de fusão. (SANTOS, 2004, p. 20)

Assim sendo, os elementos históricos, políticos, sociais, econômicos e culturais interferem diretamente na organização e composição do espaço.

Dessa forma, ao aduzir sobre os dois circuitos da economia urbana, devem-se levar em conta as disparidades nos diferentes espaços geográficos e suas manifestações decorrentes de um processo temporal e espacial. A existência de uma seletividade econômica e social em um determinado espaço é que vai determinar a produção, a circulação e o consumo. Contudo, o aparelho econômico (SANTOS, 2004, p.21) procura se adaptar às realidades sociais, através das modernizações. Essas correspondem a um conjunto de elementos econômicos, sociais, políticos, morais e técnicos que formam um sistema em um determinado período histórico homogêneo com poder de dispersão, criando centros de poder e zonas subordinadas que também aderem ao domínio modernizador.

Cada circuito possui características, formas de organização e comportamento diferenciados. Circuito Superior é dominante e modernizador, enquanto o Circuito Inferior é dependente, produto da modernização. Porém, a principal diferença encontra-se na tecnologia e organização empregadas nos dois circuitos.

Santos (2004, p. 42) chama atenção para os possíveis desvios, pois não há uma uniformidade de bens e serviços dentro dos países subdesenvolvidos. As camadas da população podem desenvolver suas atividades profissionais, de produção, circulação e de consumo fora do circuito ao qual pertencem, pois tanto o Circuito Superior, quanto o Inferior não são homogêneos e nem isolados, porém complementares.

Ambos circuitos são resultantes do progresso técnico, da sua apropriação e distribuição pelas pessoas em cada circuito. O autor cita o exemplo das classes médias que se dirigem tanto às categorias das classes abastadas quanto à categoria das classes menos favorecidas. Podemos dar como exemplo, a ida dessas pessoas tanto aos shoppings e aos grandes mercados quanto às feiras livres.

Em relação à população que compõe o Circuito Inferior, em geral estão ligadas, direta ou indiretamente, ao Circuito Superior pelo abastecimento e pela força do trabalho que é

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vendida com frequência e ou ocasionalmente aos setores da economia moderna. Também podemos tomar como referência as feiras livres, em que os comerciantes compram seus produtos em diferentes centros distribuidores e os vendem a diversos segmentos sociais.

Assim sendo, voltemos nossa atenção para as principais características dos dois circuitos da economia urbana nos países subdesenvolvidos, segundo Milton Santos.

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Quadro 1 - Características dos dois circuitos da economia urbana nos países subdesenvolvidos

CARACTERÍSTICAS CIRCUITO SUPERIOR CIRCUITO INFERIOR

Tecnologia capital intensivo trabalho intensivo

Organização burocrática primitiva

Capitais importantes reduzidos

Emprego reduzido volumoso

Assalariado dominante não obrigatório

Estoques grande quantidade/ ou alta

qualidade

pequena quantidade ou qualidade inferior

Preços fixos (em geral) submetidos à discussão entre

comprador e vendedor(haggling)

Crédito bancário institucional pessoal não institucional

Margem de lucro reduzida ou por unidade, mas importante

por volume de negócios

elevada por unidade, mas pequena em

relação

ao volume de negócios Relações com a clientela impessoais e ou com papéis diretas, personalizadas

Custos fixos importantes desprezíveis

Publicidade necessária nula

Reutilização de bens nula frequente

Overhead capital indispensável dispensável

Ajuda governamental importante nula ou quase nula

Dependência direta do exterior grande atividade voltada para o exterior

reduzida ou nula Fonte: SANTOS, 2004, p. 44.

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Ao analisar o Quadro 1, notam-se as diferenças existentes entre os dois circuitos da economia urbana, que seguem a lógica da tecnologia e organização contemporânea dos países subdesenvolvidos. Tomemos, por exemplo, a tecnologia que pode estar vinculada à reutilização de bens, emprego, overhead capital, capitais e dependência direta com o exterior. No Circuito Superior, essas características necessitam de alto nível tecnológico, capital intensivo e forte burocracia, enquanto que no Circuito Inferior essas mesmas características possuem caminhos opostos, ou seja, pouca ou nenhuma tecnologia, trabalho intensivo e em geral, sem burocracia.

Vejam-se outras variáveis ligadas à organização, tais como: relações com a clientela, crédito, margem de lucro, preços, custos fixos e publicidade. Essas atividades, no Circuito Superior, frequentemente, são controladas por grandes firmas, que dispõem de crédito bancário institucional, acúmulo de capital para continuação e renovação das suas atividades e geralmente atuam com preços fixos, utilizando a publicidade como forma de gerar novos conceitos, desejos e anseios, atraindo para si a clientela.

No entanto, essas diferenças apresentadas não podem ser utilizadas isoladamente, pois, são complementares, fruto do processo da modernização nos países subdesenvolvidos, que,

segundo Santos (2004, p.37), só criam um número limitado de empregos.

Entretanto, na atualidade essa divisão dos dois circuitos da economia urbana se encontra mais flexível, devido às quebras de barreiras provocadas pelo fenômeno da globalização e o crescente desenvolvimento das tecnologias e das comunicações, gerando, em vários setores, uma interação mais intensa entre os dois circuitos. Como exemplo: a floricultura em Maracás, as uvas de Juazeiro, a cachaça de Abaíra-BA e as redes de dormir do Nordeste brasileiro.

Essa interação entre o Circuito Superior e o Circuito Inferior é decorrente das interações espaciais5 realizadas através dos movimentos de ir e vir de pessoas, mercadorias,

capitais e informações, que, segundo Ressurreição (2009, p.330), promovem materializações significativas no espaço geográfico, para a organização do mesmo.

Todos esses produtos fazem parte da agricultura e ou produção familiar, inseridos no Circuito Inferior, porém, através da valorização das potencialidades locais, da organização e da gestão territorial (CALDAS, 2005, p. 5), podem ser vendidas localmente e ou em mercados externos. Carneiro (2011, p.16) expõe que a fabricação de certas redes de dormir, produzidas no município de São Bento na Paraíba, podem ser vendidas localmente e ou destinadas aos

5 Interações espaciais constituem os meios pelos quais as formas espaciais se articulam entre si, realizando as funções que os processos espaciais lhes atribuíram (CORRÊA, 2016, p. 6).

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turistas ou hotéis de luxo. O mesmo fato ocorre com as flores de Maracás, as uvas de Juazeiro e a bebida de Abaíra comercializadas no local, regional, nacional e internacional.

Para o desenvolvimento dessas atividades comerciais, torna-se necessária uma organização mais moderna e a participação mais institucional, tais como: ajuda governamental, crédito bancário, utilização de cartão de crédito, emprego de certa burocracia, o que contradiz o quadro proposto por Milton Santos, como por exemplo, uma organização primitiva e crédito pessoal não institucional.

De acordo com Carneiro, existe uma configuração renovada do Circuito Inferior. Embora ressaltando a validade da teoria miltoniana dos dois circuitos da economia urbana nos países subdesenvolvidos para a organização e da produção do espaço nesses países, ele afirma que a mesma envelheceu e se desatualizou. Carneiro (2011), em seus estudos, propõe a reconstrução ou desmonte e recomposição da teoria dos dois circuitos da economia urbana, a fim de que atinja os objetivos aos quais se fixou. Toma por base a teoria da ação comunicativa de Jurgen Habermas.

Sobre a teoria de Habermas, Palermo (2013, p. 5), afirma que não há uma racionalidade instrumental da ação que seja controlada plenamente por instituições ou subsistemas. Para o autor (2013, p.8), Habermas em sua construção teórica valoriza muito a dimensão do mundo da vida, pois se trata de um recorte do mundo no qual se vivencia e se experimenta uma determinada situação social, abrindo possibilidades de realizações de situações contidas num contexto social. Santos (2006, p.223) diz que Habermas reconhece que a linguagem coordena a ação. Assim sendo:

[...] a relação face a face na feira livre é a marca central desta atividade e que o feirante bem como seu cliente, na maioria das vezes, tem que negociar o, preço do bem comercializado, utilizando-se, para tanto, do agir comunicativo, ou seja, um tipo de ação em que as pessoas orientam seus planos para um entendimento mútuo sobre algo em seus mundos. (CARNEIRO, 2014, p. 37)

Para Carneiro, o mundo sistêmico possui variáveis ligadas ao mercado/economia/ dinheiro e ao Estado/poder, enquanto que no mundo vivido, existe um grupo de variáveis vinculadas à cultura, à personalidade, à identidade e à sociedade, mediadas pela linguagem, compondo assim o circuito de fluxos socioespaciais superior e inferior.

Nos Quadros 2 e 3, apresentam-se, detalhadamente, as características relacionadas a cada um desses circuitos socioespaciais.

Quadro 2 – Elementos dos circuitos de fluxos socioespaciais superiores hegemônicos,

não-hegemônicos e superior secundário

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HEGEMÔNICO NÃOHEGEMÔNICO SECUNDÁRIO M U N D O S IS T Ê M IC O

Razão instrumental Amplamente orientada

para o sucesso Amplamente orientada para o sucesso Expressivas orientadas para a busca de sucesso Ação instrumental Amplamente voltadas

para o êxito Amplamente voltadas para oêxito Expressivas voltadas para o êxito Ação estratégica Amplamente voltadas

para a influenciação Amplamente voltadas para a influenciação Expressivas voltadas para a influenciação Tecnologia Capital intensivo Capital intensivo Trabalho intensivo

Inovação Alta Alta Em expansão

Emprego Reduzido Reduzido Volumoso-Permanente Trabalho assalariado Dominante Dominante Crescente

Crédito Bancário institucional Bancário institucional Bancário institucional Apoio estatal Importante Importante Importância crescente Organização Burocrática Burocrática Relativamente

burocrática Dependência direta do

exterior Grande atividade voltada para o exterior Grande atividade voltada para o exterior Relativamente alta

M U N D O V IV ID O

Cultura Utiliza pouco o acervo de padrões e interpretações

Utiliza pouco o acervo de padrões e interpretações

Utiliza relativamente o acervo de padrões de interpretações Personalidade Utiliza intensamente as

competências individuais Utiliza intensamente as competências individuais Utiliza relativamente ascompetências individuais

Sociedade Segue amplamente as leis

e cria normas sociais Segue amplamente as leis e cria normas sociais Segue relativamente as leis e as normas sociais Ação comunicativa Voltadas para o

entendimento mútuo inexpressivas Voltadas para o entendimento mútuo inexpressivas Relativamente voltadas para o entendimento mútuo

Razão comunicativa Pouco orientada para a busca do consenso

Pouco orientada para a busca do consenso

Orientada

relativamente para a busca de consenso Linguagem Baixa função de

entendimento,

coordenação das ações teleológicas e de socialização

Baixa função de

entendimento, coordenação das ações teleológicas e de socialização Relativamente função de entendimento, coordenaçãodas ações teleológicas e de socialização Circuito Espacial de

produção Mundial Internacional Internacional/Nacional Fonte: adaptado de CARNEIRO, 2011, p. 23.

Esses circuitos se dividem em: circuito superior secundário, chamado por Santos de circuito superior marginal (formado por empresas em geral de médio porte), circuito superior não-hegemônico (empresas de grande porte nacional e mesmo internacional) e no circuito superior hegemônico (empresas de atuação global). Enquanto que o circuito de fluxos inferiores está dividido em circuito informal (unidades de produção familiar ou doméstica,

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ambulantes, feirantes etc.) e um circuito inferior formal (microempresas, pequenas empresas em geral) o que revela a presença do Estado e a sua racionalização.

As variáveis do mundo sistêmico são orientadas por regras técnicas, em que a verticalidade do dinheiro e do poder as orienta para a obtenção de amplo sucesso e êxito para a influenciação, com forte atuação do Estado nas atividades do circuito. Já para as variáveis do mundo vivido, as ações comunicativas predominam, sendo amplamente voltadas para o entendimento mútuo entre os envolvidos.

Desta forma, no Circuito de fluxos socioespaciais superiores, as variáveis, razão instrumental, ação instrumental e ação estratégica têm por base a formalidade e o saber empírico, autorregulados pelo mercado econômico e pela burocracia, orientadas amplamente para o sucesso e para o êxito no circuito superior hegemônico e não hegemônico e expressiva no circuito superior secundário.

As demais variáveis do mundo sistêmico sugeridas por Carneiro, assemelham-se com as propostas lançadas por Milton Santos (Quadro 1).

De acordo com os estudos de Carneiro (2011), ao se comparar o circuito superior hegemônico e o circuito superior não hegemônico, representado por Santos como as empresas de grande porte, nacionais e multinacionais, observam-se características similares. No entanto, as diferenças são encontradas na forma de comando e pelo circuito espacial da produção em que atuam, o mundial e o internacional.

Para Carneiro (2011, p. 22), essas empresas não se diferenciam do ponto de vista das ações instrumentais e orientam-se por regras técnicas que se apoiam no saber empírico e em prognoses (conhecimento antecipado) sobre eventos observáveis, físicos ou sociais. Elas também têm o poder de colonizar o “mundo vivido de todos” (HABERMAS, 1990a apud CARNEIRO, 2011).

No entanto, ao se observar algumas feiras livres de Salvador, são verificadas características que não condizem com as variáveis apresentadas. Em geral, são espaços públicos, onde as técnicas e a organização não adotam os modelos hegemônicos e não hegemônicos descritos por Carneiro, conforme o Quadro 2. Grande parte dos seus agentes não seguem as leis normativas, a burocracia imposta pelo Estado e tendem a buscar ações amplamente voltadas para o consenso. A relação social existente entre feirantes e freguês restringe a formalidade existente no circuito superior.

Seguindo essa perspectiva, serão apresentadas no Quadro 3 características dos fluxos socioespaciais, que se enquadram com as feiras visitadas.

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Quadro 3 - Variáveis e características dos circuitos de fluxos socioespaciais inferiores formal e informal

VARIÁVEIS CIRCUITO INFERIOR

FORMAL INFORMAL M U N D O S IS T Ê M IC O

Razão instrumental Relativamente orientada para o sucesso

Pouco orientada para o sucesso Ação instrumental Relativamente voltadas para o

êxito Pouco voltada para o êxito Ação estratégica Relativamente voltadas para a

influenciação Pouco voltada para a influenciação Tecnologia Trabalho intensivo Trabalho intensivo

Inovação Baixa Pouca

Emprego Reduzido-Permanente Reduzido-Temporário Trabalho assalariado Variável Variável ou não obrigatório Crédito Bancário institucional ou pessoal Pessoal ou ausente

Apoio estatal Pouco expressiva Quase nula ou nula Organização Burocrática incipiente Não burocrática Dependência direta do

exterior Reduzida ou nula Nula

M U N D O V IV ID O

Cultura Utiliza expressivamente o acervo de padrões de interpretações

Utiliza amplamente o acervo de padrões de interpretações

Personalidade Utiliza pouco as competências

individuais Utiliza muito pouco as competências individuais Sociedade Segue pouco as leis e

amplamente as normas sociais Não segue as leis e segueamplamente as normas sociais Ação comunicativa Voltadas para o entendimento

mútuo Amplamente voltadas para oentendimento mútuo Razão comunicativa Orientada para a busca de

consenso Orientada amplamente para a busca de consenso

Linguagem

Elevada função de entendimento, coordenação das ações teleológicas de socialização

Ampla função de entendimento, coordenação das ações teleológicas e de socialização.

Circuito Espacial de produção Regional/Nacional/Internacional Local

Fonte: adaptado de CARNEIRO, 2014, p. 37.

Ao aderirmos às ideias de Carneiro, enfatizamos que, em nosso campo de observação, em sua maioria, as feiras livres de Salvador se encontram no Circuito Inferior da economia urbana e compõem os fluxos socioespacias inferior informal, visto que para a produção, circulação e distribuição das mercadorias é empregado um acervo de padrões e interpretações, tomando por base a experiência de vida dos próprios agentes sociais. As relações são

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realizadas face a face, ou seja, amplamente voltadas para o entendimento mútuo. Desse modo Leny Sato (2007) afirma que:

A feira livre deve ser compreendida, então, como um contínuo organizar, baseado em acordos e negociações, em cooperação e competição e na execução de regras tácitas. Isso garante a agilidade, a extrema adaptabilidade e a criatividade de formas de se fazer a feira. (SATO, 2007, p.99)

Assim sendo, a agilidade, adaptabilidade, criatividade e oralidade são elementos essenciais para a manutenção e permanências das feiras livres.

Em questionário aplicado com feirantes e consumidores na FDNA, pode se observar esses aspectos. Como exemplo, citamos a resposta dada pela informante 176 sobre a

importância da Feira. A senhora A. O. P. responde que a feira “Atrai barriga, ganha dinheiro. O cara chega limpo, compra uma abóbora, vende e sai com dinheiro no bolso”. A comerciante se refere à estratégia utilizada para a compra e venda de produtos pelos feirantes com pouco recurso financeiro e, com isso, à manutenção da sua sobrevivência. Nesse sentido, Santos (2004, p. 203), afirma que: “[...] esforço desesperado de subsistir, adaptando-se totalmente às condições, cuja causa deve ser procurada na organização da economia em todos os níveis.”.

Para o consumidor R. S. F. (informante 49), ao ser interrogado sobre que questões gostaria de levantar sobre a feira, argumenta que: “O déficit do poder público que não está dando infraestrutura necessária. A feira é feita pelos feirantes, por exemplo: o cavalete é uma porta”.

O consumidor está mencionando a ausência de barracas para a exposição dos produtos e o material adaptado pelo feirante para demonstrar suas mercadorias. Ou seja, no circuito inferior “nada se perde, nada se cria, tudo se transforma...” (LAVOISIER apud SANTOS, p.199).

O mesmo consumidor fala sobre a importância da Feira para ele: “A questão da sociabilidade que ela gera. Ela alimenta o lado mais humano das pessoas. Ela é mais impositiva da relação rua, a coisa mais próxima. Você pechincha e o cara fica bravo”.

A esse propósito, Santos (2004, p.250) afirma que: “A pechincha, quer dizer, a discussão que se estabelece entre o comprador e vendedor sobre o preço da mercadoria, é um dos aspectos mais característicos da formação dos preços no circuito inferior.”.

Esses, dentre outros aspectos voltados amplamente para um consenso, descritos pelos agentes sociais entrevistados, possibilitam a manutenção das feiras livres no circuito inferior da economia e no circuito de fluxos socioespaciais informal.

6 De modo a tornar as observações mais precisas e organizadas, os informantes da pesquisa de campo serão identificados, daqui por diante, pelas iniciais ou por números. A identificação completa dos sujeitos consta em apêndice.

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As figuras 1 e 2, abaixo, demonstram a reutilização de bens para a exposição das mercadorias e a organização não burocrática da FDNA.

Figura 1 – Utensílios utilizados para a venda das mercadorias na FDNA

Fonte: ROCHA, 2016.

Figura 2 - Utensílios utilizados para a venda das mercadorias na FDNA

Fonte: ROCHA, 2016.

Todavia, as organizações e comportamentos ocorrem de forma desigual nos diferentes espaços dos países subdesenvolvidos, visto que:

O espaço, uno e múltiplo, por suas diversas parcelas, e através do seu uso, é um conjunto de mercadorias, cujo valor individual é função do valor que a sociedade,

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em um dado momento, atribui a cada pedaço de matéria, isto é, a cada fração da paisagem (SANTOS, 2006, p. 105).

Assim sendo, podemos encontrar feiras livres em bairros não periféricos que apresentem outras formas de negociar suas mercadorias. Citamos por exemplo, entrega a domicílio, compras por encomendas e/ou realizadas online, vendas com cartão de crédito. Ressaltamos, assim, a inserção do Circuito Inferior em uma configuração renovada da economia urbana, como verificado em trabalho de campo na feira móvel no bairro do Imbuí.

Figura 3 – Exemplo de vendas com cartão de crédito na barraca na feira móvel no bairro do

Imbuí, Salvador, Bahia

Fonte: ROCHA, 2016.

No entanto, ressaltamos que o Circuito Inferior da economia urbana e os fluxos socioespacias inferior informal compõem uma estrutura de abrigo para a população com poucos recursos financeiros, tecnológicos, informacionais, com baixa escolaridade e pouca qualificação profissional. Esses circuitos apresentam como fator essencial o trabalho com intensa multiplicação de atividades laborais e com uma ampla função de entendimento, coordenação das ações teleológicas e de socialização (CARNEIRO, 2014). Esse fato é verificado na maioria das feiras livres, em que os agentes sociais, através de gestos e expressões próprias criam inter-relações entre os diversos sujeitos, formando as sociabilidades, tendo como premissa a linguagem oral fora dos padrões do sistema produtivo do capitalismo contemporâneo.

“Olha o ovo, olha o ovo, é promoção de ovo, é quarenta por dez”: esse é um chamado para a compra de ovos, com a utilização de um megafone. O produto é vendido em uma Kombi, que circula na Feira e nos bairros de Salvador. Ao lado do veículo, um vendedor

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