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34. Jeronimo Gomes de Freitas e Sebastiana de Natividade

3.4 Considerações Finais

A Cidade do Natal, em sua estrutura teve como marcadores espaciais, elementos religiosos, as cruzes norte e sul, que definiam o início e o fim do sítio urbano. Nesta pesquisa, foi possível perceber que os moradores da cidade estavam tão envoltos com os aspectos religiosos, na prática e utilização dos espaços religiosos, que passavam a nomear as toponímias urbanas, conforme a utilização desses espaços. Nesse sentido, para além das cruzes, as igrejas foram equipamentos urbanos essenciais para a formação

328 Cartas e provisões do Senado da Câmara. Fundo documental do IHGRN. Caixa 01 de Cartas e provisões do Senado da Câmara. Livro 5, (1708-1713) fl. 47.

329 Cartas e provisões do Senado da Câmara. Fundo documental do IHGRN. Caixa 01 de Cartas e provisões do Senado da Câmara. Livro 6, (1702-1707) fl. 47.

122 urbana, modelando e nomeando os caminhos da cidade, exemplo: a rua detrás de Matriz, caminho que vai para a igreja do Rosário, Caminho de Santo Antônio. Esses nomes foram utilizados para identificar a localização dos requerimentos de chãos de terra na urbe.

Sobre os padres requerentes de chãos de terra, por meio do mapeamento de seus pedidos, averiguou-se que com exceção de apenas um religioso, os padres fizeram as solicitações de chãos de terra, próximos às igrejas, principalmente no vértice entre a igreja matriz Nossa Senhora da Apresentação e o rio de beber água, muitas vezes formando uma rede de vizinhança entre si. Constatou-se também a presença de um núcleo familiar ligado a um religioso que se sobressaiu entre os ocupantes/moradores da cidade, os Rodrigues de Sá. Foi possível verificar que muitos dos indivíduos ligados por laços familiares a esse grupo fizeram requerimentos de chãos de terra para ocupar as principais vias da cidade, promovendo uma espécie de rede de vizinhança.

Portanto, pode-se comprovar, a partir dos estudos sobre os requerimentos de terra analisados neste capítulo, como a vinculação entre Igreja e Estado foi capaz de gerir as bases que estruturaram a Cidade do Natal colonial, a partir dos equipamentos urbanos com significados religiosos, e por meio da prática e utilização desses ambientes pelos vassalos del’rei que residiram na urbe. E por meio da ocupação dos chãos de terra e formação das redes de vizinhança, os padres, funcionavam como mais um veio da igreja em prol do sucesso da empreitada ultramarina.

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Capítulo IV

Ocupação feminina: as mulheres requerentes de terra da cidade do Natal (1700- 1785)

“Faz duas parábolas Cristo no Evangelho, uma de um pastor que perdeu uma ovelha, e a foi buscar e trazer dos matos aos ombros, outra de uma mulher que perdeu uma dracma, ou moeda de prata, e acendeu uma candeia para a buscar, e a buscou e achou em sua casa. Esta ovelha e esta moeda perdidas e achadas, são as almas desencaminhadas e erradas que se convertem e encaminham a Deus; quem buscou e achou a ovelha na primeira parábola, e quem buscou e achou a moeda na segunda, são os ministros evangélicos, que trazem e reduzem a Deus estas almas. Pois, se em uma e outra parábola significam estas duas pessoas os ministros evangélicos que trazem almas a Deus, por que na primeira introduziu Cristo um homem, que é o pastor, e na segunda uma mulher, que é a que acendeu a candeia? Para nos ensinar Cristo que assim homens como mulheres todos podem salvar almas: os homens no campo com o cajado, e as mulheres em casa com a candeia; os homens no campo, entrando pelos matos com as armas, e as mulheres em casa, alumiando e ensinando a doutrina330.”

O padre Antônio Vieira, religioso jesuíta, que pregou seus sermões no Brasil no século XVII, foi um grande disseminador das ideias da Igreja de como a sociedade cristã deveria ser organizada, estabelecendo claramente o papel que cada indivíduo deveria exercer. Na epígrafe acima, um trecho do sermão intitulado Sermão do Espírito Santo, que foi proferido no Maranhão em 1657, Vieira reafirmava, por meio de parábolas, que o papel da mulher era em casa, no mundo particular, e que aos homens fora destinado por Deus o campo, ou seja, o espaço público. Segundo Antônio Soares Marques, em seu estudo A mulher nos sermões do padre Antônio Vieira, para o jesuíta

“as mulheres eram mais pecadoras que os homens”331, pois herdaram de Eva as

desgraças e misérias. Antônio Vieira utilizava o antagonismo entre Eva, a mulher que levou o primeiro homem ao pecado e, assim, à perda do acesso ao paraíso, e Maria, a virgem concebida sem pecado, a mãe virtuosa. Todavia, as mulheres deveriam seguir o exemplo casto de Maria e renegar sua natureza obtusa e pecaminosa, propensa ao

330 Padre Antônio Vieira, Sermão do Espírito Santo. Disponível em: http://tupi.fflch.usp.br/sites/tupi.fflch.usp.br/files/SERM%C3%83O%20DO%20ESP%C3%8DRITO%20 SANTO.pdf. Acesso em 07/06/2017.

331Soares, Antônio Marques. A mulher nos sermões do padre António Vieira, Universidade Católica Portuguesa, Mathesis, Viseu, 1993. P. 123. Ver em:

124 pecado e às vaidades. Logo, as mulheres deveriam ser conduzidas pelos homens e protegidas de sua própria natureza inconstante. Portanto, o religioso defendeu em seus discursos o papel submisso, recatado e avesso ao espaço público, que as mulheres do mundo cristão deveriam desempenhar.

Dessa forma, a Igreja instrumentalizou a conduta portuguesa em relação às mulheres, tanto no reino, quanto nas conquistas ultramarinas. O controle patriarcal exercido na vida das mulheres neste período relegava a elas “um papel secundário ou quase invisível no meio social332”. Luciano Figueiredo alega que no processo de colonização portuguesa, as camadas femininas foram sistematicamente excluídas da participação no setor público que garantisse reconhecimento social, “impedidas de exercer funções políticas nas Câmaras Municipais, de participar das atividades eclesiais, ou de ter acesso aos cargos da administração colonial”333. Por conseguinte, a Coroa

portuguesa comungava com os ideais promulgados pelo padre Antônio Vieira, em que as mulheres não pertenceriam ao mundo, mas ao âmbito particular.

Contribuindo para essa perspectiva, Mary Del Priore afirma que a condição feminina fabricava-se marcada pelo caráter exploratório da empresa portuguesa no Brasil. As relações entre mulheres e homens estavam submetidas ao modelo escravagista e à tradição androgênica da cultura ibérica, que estimulava o setor masculino – padres, governantes, cientistas – a estabelecer um papel identificado com o esforço da colonização para todas as mulheres indiscriminadamente334. Portanto, às mulheres era relegado um padrão comportamental que foi instrumentalizado por comportamentos importados da metrópole, pelo discurso religioso, responsável pela conduta moral e virtuosidade da mulher que dialogava entre a castidade e o pecado, e pelo discurso médico que “assegurava cientificamente que a função natural da mulher era a procriação”335.

Era nesse sentido que a Cora portuguesa enfatizava a importância da participação feminina nas áreas de conquista: a mulher era essencial para que o projeto colonizador obtivesse êxito, pois era por meio da difusão do casamento entre brancos e

332 CASTILHO, Maria Augusta. SILVA, Letícia Ferreira da. Brasil colonial: As mulheres e o imaginário social. https://revistas.pucsp.br//index.php/cordis/article/viewFile/21942/16123 acesso em 30/03/2017. 333 FIGUEIREDO, Luciano. O avesso da Memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no século XVIII, ed. Rio de Janeiro: José Olímpio,1999, p.187.

334 PRIORE, Mary Del. Ao sul do corpo: a condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil colônia, USP, São Paulo, 1990,p.17.

335 PRIORE, Mary Del. Ao sul do corpo: a condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil colônia, USP, São Paulo, 1990,p.23.

125 negros ou indígenas. Entre os colonos portugueses e mulheres brancas que “alcançava- se a estabilização da população, a qual teria sob o casamento todas as energias individuais ou coletivas canalizadas na esfera doméstica, desviadas da contestação e de reivindicações sociais”336. Era, pois, no matrimônio assegurado em bases legais da

Igreja, que a Coroa impetrava o controle social na colônia – uma família estruturada, legalmente organizada, possuía obrigações morais que impunham uma disciplina moral e social. A empresa colonizadora utilizava a estrutura familiar como mecanismo de dominação não apenas de seus súditos, mas com o propósito de um verdadeiro estabelecimento do sistema colonial. A família, esse grupo parental com peso decisivo para a vida de seus membros para Michel Bertrand era, pois, como “um vasto sistema de relações construídas segundo a lógica de linhagem e de parentesco que se impõe como um dos marcos dentro dos quais se desenrolam as relações sociais de uma

sociedade do Antigo Regime”337.

Para além de estabelecer um controle social e uma organização moral da sociedade, o casamento, na sociedade colonial, era considerado como mecanismo de consolidação de redes de poder entre as famílias mais importantes da colônia. Sobre as redes Bertrand afirma que a construção das redes associadas à micro história possibilitou a análise comportamental e social dos grupos membros das elites locais não somente no âmbito administrativo, mas essa nova orientação da investigação conduziu a entender e situar as estratégias pessoais ditadas por ambições sociais, profissionais, econômicas dos membros do corpo e seu contexto sócio-relacional e antes de tudo familiar. Portanto, a rede “em primeiro lugar permite a uma estrutura construída pela

existência de laços e de relações entre indivíduos”338 a existência prévia da rede serviu

como apoio para as relações entre membros da rede e pode configurar um sistema de intercâmbios de bens e serviços.

Rodrigo Ricupero, em seu estudo sobre a formação da elite colonial, afirma que o casamento entre a elite colonial de meados do século XVI era utilizado como uma estratégia de ascensão ou consolidação social. No caso, as redes familiares possuíam três consequências primordiais: “a transmissão e o controle de determinados cargos por certas famílias, o aumento do poder e prestígio que isso acarretava para determinadas

336 Ibidem.

337 BERTRAND, Michel. De la família a la red de sociabilidad, Páginas, revista digital de la escuela de historia – unr/año 4 – nº 6 /Rosario 2012, p.61. Acesso em:

http://revistapaginas.unr.edu.ar/index.php/RevPaginas/article/view/94 338 Ibidem.

126 famílias e o parentesco com detentores de cargos e as possibilidades que isso oferecia”339.

No entanto, o casamento não era o único caminho possível para as mulheres coloniais, notadamente àquelas que não eram as filhas dos “nobres da terra340”, ou

reinóis – a essas estava fadado seguirem a vida religiosa ou permanecerem solteiras na falta de pretendentes adequados, entre outras razões.

Contudo, as mulheres em busca de sobrevivência exerciam diferentes atividades que não estavam diretamente relacionadas ao âmbito doméstico, atividades lícitas341 a saber: costureiras, doceiras, fiadeiras, rendeiras, parteiras; na prestação de serviços domésticos como cozinheira, lavadeira, criada; em serviços no pequeno comércio, tais quais vendeiras e quitandeiras. Existiam também as atividades ilícitas como a feitiçaria e o meretrício. Algumas dessas mulheres que pertenciam a diferentes categorias sociais conseguiam formas de assegurar para si algum tipo de independência ou resistência ao sistema androcêntrico ao qual estavam submetidas.

Nesse sentido, investigar-se-á neste capítulo, as mulheres requerentes de chãos de terra na cidade do Natal, seu perfil e as justificativas para as mesmas solicitarem as terras. No quadro abaixo, pode-se observar todas as 25 mulheres requerentes de terra da cidade do Natal entre 1700-1785, período em que se desenvolve essa pesquisa. Para tanto, utilizando do método onomástico, realizou-se um quadro (07), onde se pode visualizar os nomes, a condição jurídica e o ano do requerimento dos chãos de terra realizados pelas mulheres na Cidade do Natal.

339 RICUPERO, Rodrigo. A formação da elite colonial, Brasil c.1530-1630, São Paulo: Alameda, 2009. p.167.

340 Segundo João Fragoso as famílias senhoriais do Rio de Janeiro arrogavam-se o titulo de nobreza justificando serem descendentes de conquistadores ou dos primeiros povoadores, de um grupo de pessoas (ou de uma raça) que á custa de suas fazendas, guerrearam e submeteram terras e outros povos (gentio da terra e os inimigos europeus). FRAGOSO, João. A formação da elite colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite senhorial (séculos XVI e XVII), In: João Fragoso, Maria Fernanda Batista Bicalho e Maria de Fátima Gouveia (Orgs). O Antigo Regime nos trópicos a dinâmica imperial portuguesa séculos XVI- XVIII, Rio de Janeiro: civilização brasileira, 2001. P.52.

341 Luciano Figueiredo afirma existir no período colonial ocupações femininas lícitas e ilícitas, essas atividades proviam as mulheres de subsistência, no primeiro caso, as atividades ligadas ao exercício mecânico: costura, tecelagem, entre outras; atividades ligadas ao serviço doméstico: cozinheiras, lavadeiras entre outras; e atividades ligadas ao comércio: as vendeiras e quituteiras. As atividades ilícitas estavam relacionadas à prostituição e as feitiçarias. (FIGUEIREDO, Luciano. O avesso da memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no século XVIII, Rio de Janeiro: José Olímpio, 1999. P.186-189.)

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QUADRO 7: Mulheres requerentes de terra entre 1700-1785

Nome

Perfil

Ano

1. Maria Rodrigues de Sá Dona 1718

2. Teodósia da Encarnação Dona 1718/1731

3. Luzia da Lima Forra 1719

4. Teresa Lopes de Jesus Viúva 1731

5. Paula Pereira de Abreu Viúva 1735

6. Joana Freitas da Fonseca Viúva 1736

7. Ângela de Oliveira e Melo Dona 1738

8. Damasia de Oliveira - 1742

9. Rosaura da Silva de