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Nas conquistas portuguesas, durante o período colonial propriamente dito, as questões sobre as possessões de terra estavam vinculadas diretamente à Coroa portuguesa. E assim como no Reino, se davam por meio do aforamento, também conhecido por enfiteuse, ou em aprazamento, que remete a “um direito real, ou seja, um direito exercido diretamente sobre coisa a ele aderente ou inerente em oposição a um

direito pessoal, exercido sobre o sujeito de uma obrigação.”124 Nesse sentido aquele que

prática o aforamento é o enfiteuta. No entanto, a prática do aforamento por enfiteuse, era comum para terras no campo e o emprazamento se dava por até três gerações do primeiro enfiteuta. Já os aforamentos realizados pelas câmaras municipais, possuíam um prazo menor, devendo o requerente dos chãos de terra pagar o foro anual.

A historiadora Gabriela Fernandes de Siqueira, em seu estudo Por uma cidade Nova: apropriação e uso do solo urbano no terceiro bairro de Natal (1901-1929), afirma que o vocábulo enfiteuse tem origem grega, mas suas diretrizes são provenientes do Direito Romano. “No Direito Romano, a enfiteuse desenvolveu-se com base no instituto do arrendamento público, quando ao invés de temporário, o contrato passou a

admitir a perpetuidade.”125 Siqueira admite que, em Roma, a enfiteuse foi inicialmente

aplicada às terras públicas devido a interesses na exploração de terras estatais. Durante o período medieval a natureza da enfiteuse se transformou profundamente. “Foi nesse

124 SIQUEIRA, Gabriela Fernandes de. Por uma "cidade nova": apropriação e uso do solo urbano no terceiro bairro de Natal (1901-1929). 2014. 526 f. Dissertação (Mestrado em História e Espaços) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2014.p.197. https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/16986

Acesso em: 20/07/2015. 125 Ibidem, p.198.

61 período que a propriedade passou a ser dividida em domínios superpostos, fazendo com que seu caráter unitário desaparecesse. O domínio passou a ser direto, também

denominado de domínio do senhorio, ou útil quando fosse do enfiteuta.”126 Essa

sobreposição de domínios articulava outras condições como a sublocação dessas terras, podendo o enfiteuta possuir seus próprios subenfiteutas. Essas noções de propriedade do direito romano modificadas no período medieval foram determinantes na concepção do Direito português, que fundamentou por meio das Ordenações do Reino, as noções de propriedade de terras no Brasil colonial, chegando a influenciar o código civil de 1916. Siqueira aponta ainda que no período colonial o instituto do aforamento foi aplicado e regulamentado pelas câmaras das vilas e cidades.

Como visto no capítulo I, o Senado da Câmara exercia o controle sobre o rossio da cidade, que correspondia aos “terrenos que eram atribuídos pela Coroa a res pública, a fim de construir o patrimônio da câmara. Esta podia dividi-los em chãos (lotes) e concedê-los, mediantes o pagamento dos foros anuais, aos moradores que pediam para edificar suas casas”127. O rossio era, portanto, espaço central da vila, “delimitado a

partir de um centro geométrico, que era situado, idealmente, sobre o pelourinho”128.

Desta feita, se as terras estavam atreladas ao Senado da Câmara da cidade, era sua a responsabilidade sobre a distribuição e arrendamento dos lotes de terra (chãos ou datas) no rossio, ou seja, na gleba sob sua jurisdição.

Assim, o chão de terra era doado ao foreiro129 ou suplicante dos chãos de terra

junto ao Senado da Câmara. O dito foreiro recebia o lote de terra, com a condição de pagar o foro anual130 e construir as casas em tempo determinado para tal. Caso não cumprisse com suas obrigações, as terras eram consideradas devolutas e poderiam voltar à custódia do Senado, para doação ou arrendamento de outrem. Neste trabalho, utilizar- se-á os termos suplicantes de chãos de terra ou requerentes de chãos de terra para referir-se a pessoa que pediu terras no sítio urbano da cidade do Natal. As justificativas em detrimento de alcançar o chão de terra na cidade de São Paulo baseavam-se “na

126 Ibidem, p.198.

127 FONSECA, Cláudia Damasceno. Arrais e vilas Del´’rei: espaço e poder nas Minas setecentistas, Belo Horizonte, Ed UFMG, 2011,p.30.

128 Ibidem, p.30.

129 Segundo o dicionário de língua portuguesa e latina Raphael Bluteau, foreiro significa coisa ou pessoa que paga o foro. Bluteau, Raphael. Vocabulário português e latino, vol.4. 171. http://dicionarios.bbm.usp.br/pt-br/dicionario/1/foreiro acesso em 02/04/2017.

130 FONSECA, Claudia Damasceno. Arrais e Vilas D’el Rei: Espaço e poder nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: UFMG, 2011, p.30.

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necessidade, na pobreza, no morar na vila, na troca de serviços com a câmara etc.”131

Foi observado que para a cidade do Natal essas mesmas justificativas não variaram tanto.

O Alferes Roque da Costa Gomes, em 1734, enviou ao Senado da Câmara do Natal uma petição por um chão de terra na cidade, informando em seu pedido que “queria fazer suas casas nesta cidade para morar e que não tinha chãos em que as pudesse fazer”132. O caso do dito alferes é o mais comum dentre as justificativas

apresentadas pelos requerentes de terra da cidade do Natal. Entre as 189, ou seja, 98,01%, das 202 petições, realizadas ao Senado da Câmara possuíam a mesma condição.

Compreende-se, portanto, que o enfiteuta, suplicante de terras ou requerente de chãos e/ou datas de terra, inseridas no rossio da cidade da cidade do Natal, estava interessado em ocupar esse espaço. A justificativa em querer construir casas, remete a tentativa de fixação desse sujeito ao escopo urbano. Ao fixar-se na urbe, esse individuo criava redes, movimentava a economia, transformava o território, agindo como o principal agente transformador do lugar. É por essa razão que o controle e domínio do espaço urbano colonial tanto interessou a seus contemporâneos, como afirma a historiadora Maria Fernanda Bicalho: “o controle e a regulamentação do espaço urbano constituíam um indiscutível mecanismo de poder, ferrenhamente disputado pelos

representantes dos poderes locais e metropolitanos”133. Portanto, entende-se que foi por

meio de suas instituições, mas, principalmente por meio de seus súditos que a Coroa portuguesa conseguiu manter o domínio sob suas conquistas.

2.2 Percebendo os espaços: os requerentes de chãos de terra da Natal setecentista e