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A nossa experiência no desenvolvimento deste trabalho nos propiciou o entendimento de diversos fatores que contribuem e/ou impedem o trabalho com gêneros textuais e o processo de retextualização e reescrita na escola. A contribuição das diferentes linhas teóricas adotadas na pesquisa reforça a necessidade de assumirmos um posicionamento pluridisciplinar coerente em relação às teorias adotadas no processo de ensino-aprendizagem de línguas. As respostas às perguntas formuladas no inicio da nossa pesquisa tiveram o suporte necessário nas diversas análises realizadas ao longo do nosso trabalho.

A primeira pergunta formulada neste trabalho foi: Como transformar a produção escrita dos alunos nos bate-papos eletrônicos (os arquivos de log) em instrumento para o ensino de gêneros textuais através das marcas lingüísticas presentes e pertinentes aos gêneros entrevista e artigo de opinião? Nossa resposta a este primeiro questionamento é que a utilização de um gênero textual virtual nos permitiu, de fato, trabalhar com o processo de retextualização em outros gêneros e, assim, pudemos encontrar as respostas da nossa primeira pergunta nas seguintes considerações: o chat como instrumento de trabalho na produção textual coletiva provou ser bastante eficaz, já que atividades de escrita individuais são, de certo modo, vistas como cansativas ou difíceis de serem feitas por alguns alunos. Isto se deve não somente pelo caráter de novidade que este exerce durante as aulas, mas também como algo que vai além da sala de aula, não estando limitado a horários e livros-texto. Além disso, o processo de reescrita dos arquivos de log em outros dois gêneros, ao nosso ver, mostrou-se uma atividade pedagógica muito rica de material lingüístico que pode ser explorado na sala de aula.

Ao optarmos pelos gêneros entrevista e artigo de opinião para a realização da reescrita pensamos que a organização do chat e os argumentos presentes durante o bate-papo fossem elementos mais fáceis para proceder a retextualização do arquivo de log para os dois gêneros escolhidos. No entanto, ao longo de nossa pesquisa, pudemos notar que outros elementos, não só relacionados à teoria dos gêneros, podem ser contemplados. A análise de marcas da oralidade, a metalinguagem, a pragmática e a sociolingüística são áreas de estudo que, sem dúvida, encontram um grande suporte de trabalho dentro da escola por meio da análise dos AL.

As dificuldades encontradas no processo de retextualização (Marcuschi, 2004) do gênero chat para os gêneros entrevista e artigo de opinião dizem respeito muito mais ao uso de mecanismo lingüísticos específicos de reconstrução textual do que propriamente à transformação de um gênero em outro. Acreditamos que isto ocorra em função da experiência de mundo que possuem os alunos e da falta de experiência destes como produtores textuais.

A primeira observação que fazemos a respeito de tais pontos diz respeito ao uso das estratégias comunicativas apontadas por Canale (1983), já que verificamos que o uso da estratégia discursiva predominou sobre as outras, pois o conteúdo dos textos produzidos pelos alunos no ato da reescrita foi perfeitamente compreensível. No entanto, o uso deficiente dos mecanismos textualizadores (Bronckart, 1999) foi responsável pelas falhas no emprego das competências gramaticais, sociolingüísticas e estratégicas durante a produção textual.

Em segundo lugar, consideramos que o não emprego de tais competências deve-se, também, à falta de monitoração (Meurer, 1997). Notamos que os sujeitos envolvidos nesta pesquisa não dispunham de nenhuma experiência anterior de revisão sobre suas produções textuais no tocante à metalinguagem. Isto nos fica mais evidente através das observações a respeito da reescrita do gênero artigo de opinião, nas quais constatamos que a aglomeração de argumentos e sentenças desconexas contribuíram para a produção de um texto truncado e difícil de ler, mesmo tendo havido a mediação no processo de reescrita (Vygotsky, 1998).

Além disso, pudemos notar que as estratégias que deveriam fazer parte do processo de retextualização foram empregadas de modo satisfatório apenas no que se refere à mediação. As intervenções dos pares de trabalho dos alunos envolvidos na pesquisa demonstraram que estas foram essenciais para as alterações realizadas nos textos. Os alunos produtores incluíram as observações feitas pelos seus pares nos textos reescritos, e por isto podemos afirmar que a monitoração sobre o texto do outro exerceu um papel de maior influência na reescrita, muito mais relevante do que a própria automonitoração.

Contudo, percebemos que mesmo sendo responsável pelas mudanças no texto do outro, tal monitoração influiu mais fortemente na infra-estrutura geral dos textos (Bronckart, 1999). O uso de mecanismos textualizadores não foi devidamente observado nem pelo autor dos textos reescritos, nem pelos pares de trabalho. Assim, inferimos que uma ação mais efetiva do professor deva estar presente também no processo de mediação. Esta ação encontra respaldo na EAM de Feuerstein (Gomes, 2002), pois se faz necessária a intervenção de um ser humano formado (em termos interpessoais e profissionais) e bem intencionado, agindo na ZDP (Vygotsky, 1998) do aprendiz.

Neste sentido, a resposta para a segunda pergunta da nossa pesquisa, que consiste em investigar formas de valermo-nos da experiência de ensino mediado para propiciar o processo de retextualização, resultando em um texto que obedeça às regras da norma escrita formal, pode ser expressa como sendo a ação, em conjunto, de professor e alunos em busca da resolução de problemas. O professor, então, seria o principal responsável pela intervenção na ZDP dos alunos através de atividades de linguagem que buscassem incorporar o conhecimento

prévio dos alunos ao dado novo, proposto pelo professor. Este dado novo seria o texto, com suas características organizacionais e funcionais, subsidiando a associação de tais características para a compreensão de novos textos, realizados através dos gêneros. Instrumentos de trabalho diversificados e análise de gênero seriam alternativas promissoras para atividades de linguagem.

De fato, se considerarmos que parte de nossa pesquisa se deu através de análise de textos, inferimos que a observação de modelos e marcas lingüístico-discursivas é essencial para a produção de gêneros. Não estamos afirmando que apenas uma simples cópia dos modelos sirva ao propósito da produção textual. Ao contrário, é preciso que todos os elementos constitutivos dos textos analisados sejam considerados como relevantes no momento da análise, ou seja, que haja a transposição didática (Chevallard, 1991). Caso isto não aconteça, correremos o risco de perpetuarmos o processo de ensino-aprendizagem baseado em produções insignificantes, inseridas em apenas um tipo de realidade social: a escola. Ora, se os gêneros são responsáveis por dizer o mundo e representá-lo de alguma maneira (Marcuschi, 2004), não é possível que concebamos o seu estudo e sua prática na escola como algo distante de uma realidade social maior. Assim, cremos ter respondido à última pergunta expressa no início de nosso trabalho, ou seja, como levar os alunos a perceberem as características formais dos gêneros entrevista e artigo de opinião e aplicá-las no processo de retextualização para um melhor domínio das regras da escrita de gêneros mais formais.

Esperamos ter contribuído, ainda que modestamente, para a melhoria do processo ensino-aprendizagem, ao verificarmos que a mediação no processo de (re)construção do conhecimento foi fator determinante nas produções textuais dos alunos. Isto no leva a afirmar que nenhum tipo de atividade educacional pode negligenciar o trabalho coletivo como elemento co-responsável pelo crescimento pessoal e cognitivo dos alunos. Além disso, acreditamos que a aplicação de tecnologias no âmbito escolar é um fator de motivação e interesse dos aprendizes. A internet propicia uma motivação que não é encontrada em livros- texto e atividades descontextualizadas, permitindo que o professor possa, não somente explorar suas potencialidades, mas também definir novos rumos na sua prática pedagógica, como, por exemplo, o uso de blogs para o estudo/produção das formas de expressão pessoal através da linguagem no ambiente virtual, uma maneira a mais de vir a conhecer os alunos e fazê-los se conhecer melhor. O pensamento crítico conjunto entre professores e alunos pode auxiliar no desenvolvimento das concepções sobre letramento, alfabético ou digital, e na construção de novas formas de pensar o mundo através dos recursos disponíveis na rede pelo estudo dos gêneros textuais.

As nossas perspectivas sobre a utilização da tecnologia em ambientes educacionais, em particular no ensino-aprendizagem de línguas, não chega a ser infinita, mas nos indicam caminhos alternativos. Através da análise e reescrita dos arquivos de log, outras áreas da lingüística podem começar a fazer parte do dia-a-dia da sala de aula. Fonética e fonologia podem ser mais relevantemente trabalhadas ao serem comparadas as abreviações usadas nos

chats com a forma escrita das palavras. Isso evitaria, por exemplo, que o professor marcasse de

vermelho a frase “pq ñ foi” em uma resenha crítica sobre o Romantismo sem nenhum tipo de feedback, apenas indicando o erro. O feedback para o aluno poderia ser um comentário convidando-o a refletir sobre a razão de não se escrever assim em uma resenha, que existem regras que não podem ser desobedecidas em função da proposta do texto, dos interlocutores envolvidos e do próprio gênero.

O funcionamento de uma conversa pode ser contrastado com formas de diálogos encontrados em romances e, a partir de então, uma reflexão sobre contextos discursivos, relações entre língua falada e língua escrita, registros formais e informais de instâncias discursivas, entre outros pontos. O ensino de língua deve ir mais além do ensino da gramática normativa, enfatizando, por exemplo, a estilística, por meio do reconhecimento das formas encontradas nos AL e dos contextos de produção.

Além disso, a reflexão dos alunos sobre como deve ser visto o ato de escrever encontra subsídios na reescrita dos AL. A partir do momento que alunos e professores passam a compreender que a escrita vai além de morfologia e sintaxe. Incorporando a Semântica, a Pragmática e a Sociolingüística, por exemplo, uma maior percepção acerca dos fenômenos da linguagem começa a ser incorporada nas práticas pedagógicas, e, por conseguinte, respostas mais positivas dos comportamentos e participação dos alunos durante as atividades podem ser observadas.

Esperamos que o nosso trabalho suscite o interesse por novos estudos acerca da aplicação dos arquivos de log em aulas de língua estrangeira, assim como, em aulas de língua materna, já que nossas considerações teóricas podem ser aplicadas ao ensino-aprendizagem de línguas com um todo.

Por fim, gostaríamos de mencionar que o nosso posicionamento sobre o ensino- aprendizado de uma língua está pautado no “[...] princípio de que são os usos que fundam a

língua e não o contrário” , pois “[...] defend(emos) a idéia de que falar ou escrever bem não é ser capaz de adequar-se ás regras da língua, mas é usar adequadamente a língua para produzir o efeito de sentido pretendido numa dada situação.” (Marcuschi, 2004, p. 9)

também, um domínio dos mecanismos responsáveis pelo estabelecimento de elos discursivos dentro dos textos, falados ou escritos, que são realizados por meio dos gêneros. Nossa pequena ressalva não implica em insistirmos no ensino normativo de uma língua, mas apenas no fato de que, infelizmente, somos ainda julgados pela sociedade pelo domínio (ou falta dele) que temos da língua-padrão.

7. Bibliografia