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O chat e os arquivos de log: Um caso à parte

2. A mediação no processo de aprendizagem

3.2. O chat em contextos educacionais

3.2.1. O chat e os arquivos de log: Um caso à parte

Como vimos anteriormente, as vantagens do chat educacional são grandes, porém o foco de muitos trabalhos (Abreu, 2001, Mazzillo, 2004, Marcuschi, 2004) tem se voltado ou para as características da ferramenta ou do gênero textual em si ou, ainda, para o seu uso em aulas virtuais. O resultado de cada bate-papo (AL), ao nosso ver, é uma fonte muito promissora para o trabalho com a língua escrita, os gêneros textuais e o processo mediado de escrita e reescrita.

Em softwares destinados ao bate-papo eletrônico, toda conversa realizada é

automaticamente salva em um arquivo de texto chamado arquivo de log files, onde aparecem os usuários envolvidos na conversa, a hora e dia da conversa, os turnos de cada participante, etc. Não estão incluídos nestes arquivos os recursos como imagens ou sons, emoticons ou ações realizadas pelos usuários (beijos virtuais, chacoalhamento da janela do software...). As salas de bate-papo não possuem este recurso, sendo preciso que seja selecionada toda a conversa manualmente para depois salvá-la em um arquivo, algo que geralmente não acontece.

A estrutura dos AL assemelha-se ao gênero textual entrevista, definido por Hoffnagel (In.: Dionísio, A. P. et al, 2004) como “[...] uma constelação de eventos possíveis que se

realizam como gêneros (ou sub-gêneros) diversos que parecem [...] ter em comum uma forma característica, que se apresenta numa estrutura marcada por perguntas e respostas”. Ou a

estrutura de uma conversação face-a-face, definida por Marcuschi (1986, p 15) como “[...]

sendo uma interação verbal centrada, que se desenvolve durante o tempo em que dois ou mais interlocutores voltam sua atenção visual e cognitiva para uma tarefa comum”, havendo

controle de turnos, sobreposições de falas, reparações, correções perguntas e respostas. Todos esses elementos possuem suas características bem definidas dentro do chat, sendo portanto, a nosso ver, não uma transmutação de um gênero textual oral - a conversação face-a-face - mas um gênero que possui características semelhantes, diferindo na forma como estas se apresentam no momento da realização da interação.

Marcuschi (1986, p. 75) afirma que na “[...] conversação, o tópico, em geral, é

desenvolvido por pelo menos duas pessoas. Mas nem por isso ela é um texto falado com papéis divididos. A condição inicial, tanto para textos escritos quanto para monólogos e conversações, é que um ato de fala deve ter alguma relação com o ato seguinte e, quando for o

caso, com o anterior.” Considerando que no chat a característica estrutural da interação é a

mesma, percebemos a semelhança entre a conversação face-a-face e o bate-papo virtual.

Ao nos aprofundarmos um pouco na análise do chat, veremos que não existe uma sobreposição de falas, a exemplo da conversação, mas um modo de digitação que simula esta sobreposição. Geralmente a digitação em chats busca um modo de conversar que não torne a leitura extensa e cansativa para os interactantes, evitando, assim, o desinteresse pelo tópico. As correções dizem respeito muito mais à grafia do que propriamente sobre o que se queria dizer, o que não constitui um problema já que pelo contexto da interação torna-se fácil entender a palavra digitada errada (‘com fizaram o trabhlo’ em uma conversa cujo assunto seja uma pesquisa entre colegas de classe é facilmente entendida como ‘como fizeram o trabalho’). As perguntas são muito mais objetivas, buscando introduzir um novo tópico conversacional ao invés de complementar o discurso do outro para a manutenção do mesmo tópico, ou seja, depois de discutidos alguns assuntos, novas perguntas são feitas a fim de manter a conversação virtual. É interessante notar que o que chamamos de ‘silêncio constrangedor’, i. e., aquela pausa grande entre os interactantes durante a conversação face-a-face é evitada em chats. Isto por que a não participação ativa na interação virtual gera desinteresse nos participantes e, por conseguinte, o chat acaba.

Em relação ao gênero entrevista como um dos modelos estruturais semelhantes ao chat, observamos dois aspectos em particular:

1. dependendo do intuito do chat, sempre existirá alguém que controlará as perguntas, i. e., no caso de uma aula via bate-papo eletrônico, o professor será ainda o principal responsável pela manutenção da conversa e dos tópicos; e

2. considerando a entrevista como um gênero textual que é normalmente editado, ou seja, somente as informações textuais são inseridas no texto final (excluindo-se pausas, correções, linguagem corporal), o bate-papo diferirá deste gênero já que no instante da interação não há como editar aquilo que já foi digitado.

Ao considerarmos o segundo ponto mencionado acima, podemos afirmar que os AL do

chat são fontes muito ricas para um trabalho com gêneros e o processo de transformação do

gênero e reescrita. Como toda a conversa pode ser automaticamente gravada, os alunos têm em mãos um texto repleto de pausas (emoticons sozinhos, sem frases, equivalem a um espaço em branco no AL), interrupções, correções, reduções de palavras que podem ser analisadas e editadas para a composição de uma entrevista, por exemplo. Além disso, a exposição das idéias

dos interactantes em uma aula virtual está fortemente marcada por argumentos acerca do tema escolhido para o debate/discussão, propiciando a exploração da escrita argumentativa, novamente através do trabalho com os gêneros. Nesse último caso, os artigos de opinião, os editoriais e até mesmo os textos propagandísticos podem ser a base para o trabalho da reescrita. Ao nos referirmos ao processo de transformação e reescrita através dos gêneros textuais, estamos enfatizando a exploração dos gêneros textuais em sala de aula em um primeiro momento e um posterior aproveitamento das discussões sobre um dado tema no chat. Os AL, então, seriam utilizados a fim de se proceder a transformação do gênero com vistas à produção de um outro gênero estudado em sala de aula. De uma outra maneira: ao trabalhar com o gênero entrevista na sala de aula em seus aspectos de forma e conteúdo, é possível propor um bate-papo inicial para serem discutidas as idéias presentes na entrevista e, posteriormente, uma análise dos AL do chat serviria para uma nova produção textual (uma outra entrevista, por exemplo) através da retextualização. A transformação, assim, seria baseada na forma da entrevista (perguntas e respostas, mudança de tópicos, composição gráfica, etc) e o conteúdo seria composto dos argumentos que foram a favor ou contra as idéias apresentadas na entrevista original.

Poderíamos ainda proceder de maneira inversa, ou seja, propor um tema para ser discutido no chat e durante as aulas presenciais fazer um estudo comparativo entre a organização textual do chat e a organização de um artigo de opinião. Por meio da comparação entre os AL e um artigo de opinião, pode-se observar que existem idéias persuasivas em ambos, porém no texto argumentativo as idéias já se encontram organizadas (no formato do gênero), ao contrário do chat, que precisará ser editado e reescrito para se constituir como um artigo de opinião (em termos de forma). É bom ressaltarmos que nossa ênfase nos argumentos presentes em artigos de opinião é somente por causa do seu objetivo de persuadir e provocar o pensamento crítico no leitor, de expor a opinião do autor sobre o assunto controverso. Não estamos afirmando que este, e somente este, gênero possua tal peculiaridade, pois um bilhete de uma esposa pedindo ao marido que traga o pão ao voltar do trabalho também contém um argumento.

No processo de escrita e reescrita é preciso que o professor saiba quais são os esquemas de processamento textual relacionados ao ato de escrever em um certo gênero que os alunos possuem. É necessário que o profissional detenha tal conhecimento a fim de evitar uma avaliação incorreta das produções do aluno ou reduzir a intervenção do trabalho realizado a comentários acerca da correta utilização das formas gramaticais. Trataremos dos modelos de

escrita no próximo item deste capítulo como também dos aspectos envolvidos no processo de reescrita mediada.