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Filiando-nos aos postulados propostos por Reddy (1979), que, por sua vez, encontram eco em alguns dos pressupostos da Linguística Cognitiva como um todo (FERRARI, 2014), acreditamos que a rede lexical acionada para se falar sobre um dado fenômeno revela as conceptualizações que constroem, sociocognitivamente, esse fenômeno. Nessa perspectiva, o presente estudo teve como objetivo investigar as formas linguísticas (emergentes ou não) empregadas para se falar sobre a comunicação digital, e a maneira com que elas se inscrevem no frame da Metáfora do Canal, ou, de alguma forma, o transformam.

Para explorar esse objetivo, foram elaboradas três perguntas de pesquisa para nortear a investigação:

1- Como se configura o frame de comunicação digital?

2- A comunicação digital gera um reenquadramento do frame convencionalizado de comunicação, que tem como base a Metáfora do Canal?

3- Que novos termos são empregados para tratar da comunicação no contexto digital?

Para buscar reponder à primeira pergunta de pesquisa, fez-se necessário observar, primeiramente, o frame já convencionalizado da Metáfora do Canal (REDDY, 1979) para, a partir dele, investigar o possível novo frame, ainda em emergência, da comunicação digital. Observamos, assim, as proximidades e distanciamentos entre esses dois frames, fazendo um cotejo entre eles.

Segundo a Teoria da Metáfora do Canal, a comunicação é compreendida como um processo no qual “o falante coloca ideias (objetos) dentro de palavras (recipientes) e as envia (através de um canal) para o ouvinte, que retira as ideias-objetos das palavras-recipientes”. (LAKOFF; JOHNSON, 2002 [1980], p.54). Essa teoria pressupõe, assim, um emissor que envia, através de expressões linguísticas, as suas ideias para um receptor, o qual, na maioria das vezes, já é predeterminado; além disso, a palavra percorre um trajeto até chegar ao seu destino. Nesse sentido, comunicar nada mais é do que transportar as ideias da mente de um falante para a de outro.

A comunicação digital, por sua vez, pressupõe uma comunicação de um emissor para muitos receptores. Os verbos postar e publicar, como já visto, foram recrutados para esse

contexto comunicativo e representam, assim, a maneira como as pessoas falam sobre a comunicação veiculada pela internet. Nesse sentido, quando dizemos que “publicamos uma mensagem”, por exemplo, o sentido atribuído a esse enunciado é de “tornar a mensagem de conhecimento público”, do mesmo modo, “postar uma mensagem” refere-se ao ato de afixar a

mensagem numa plataforma digital também para que se torne pública.

Além disso, nesse tipo de comunicação, as ideias não estão necessariamente contidas em expressões linguísticas, mas podem estar em fotos e vídeos, por exemplo, uma vez que, no contexto digital, a imagem é usualmente empregada como “contêiner” de ideias e informações. A mensagem também não percorre, necessariamente, uma trajetória até chegar ao seu destinatário; ao contrário disso, ela é “colocada/posta” na plataforma digital e ali fica disponível para qualquer receptor ter acesso. Nesse sentido, como visto no capítulo anterior, o

frame de comunicação digital pode ser estruturado da seguinte forma:

IDEIAS (OU SIGNIFICADOS) → OBJETOS EXPRESSÕES LINGUÍSTICAS/ IMAGENS → RECIPIENTES

COMUNICAR → ENVIAR/COMPARTILHAR PUBLICAR/POSTAR

A partir dessa explanação a respeito da configuração do frame de comunicação digital, podemos nos dirigir à segunda pergunta de pesquisa: “A comunicação digital gera um reenquadramento do frame convencionalizado de comunicação, que tem como base a Metáfora do Canal?”. Fundamentados na análise dos dados, constatamos que o frame da Metáfora do Canal estrutura também a maneira como as pessoas conceptualizam a comunicação digital; entretanto, alguns elementos desse frame sofrem alterações relacionadas ao novo contexto comunicativo.

Como vimos anteriormente, a imagem passa a exercer a função de “contêiner” de ideias; a mensagem não percorre, necessariamente, um trajeto até chegar ao seu destino, mas é, comumente, “colocada” numa espécie de mural para que muitos receptores lhe tenham acesso (por meio de “visualizações”). Além disso, não há mais controle a respeito de quais e quantos receptores podem acessar o conteúdo exposto, uma vez que, no meio digital, milhares de pessoas podem ter acesso, em tempo real, às mensagens compartilhadas na internet.

Nesse sentido, podemos concluir que não parece haver, necessariamente, um “conflito de enquadramentos” (REDDY, 1979) ou um reenquadramento do frame já convencionalizado de comunicação, mas apenas uma mudança de alguns elementos desse frame como uma forma de adaptação ao novo contexto comunicativo. Ademais, ainda que as pessoas pensem e falem sobre a comunicação digital tendo como base a Metáfora do Canal, utilizam, para isso, novas palavras e expressões, como, por exemplo, postar, publicar, post, tweet, notificação,

link e e-mail. E assim chegamos à terceira pergunta de pesquisa: “Que novos termos são

empregados para tratar da comunicação no contexto digital?”.

Como visto no capítulo anterior, os verbos postar e publicar foram recrutados para o contexto digital de comunicação, apresentando o sentido de “compartilhamento de mensagens em mídias sociais”. Esses verbos representam a comunicação veiculada pela internet, visto que as pessoas, para fazer referência à interação no meio digital, vem usando expressões como “ele postou/ele publicou”, em vez de “ele falou/ele disse”.

Os termos post e tweet também foram recrutados para esse novo contexto de comunicação, referindo-se às publicações realizadas em páginas da web, sendo que, no caso do tweet, as publicações são realizadas, especificamente, na rede social Twitter. Esses termos foram selecionados, no Corpus da Web, como complementos dos verbos postar e publicar, respectivamente, e funcionam como recipientes das ideias e informações, sendo “afixados” nas mídias sociais para tornarem-se de conhecimento público.

O termo notificação, também muito empregado no contexto digital, refere-se às mensagens informativas veiculadas nas mídias sociais para informar os usuários a respeito das atualizações realizadas nessas esferas virtuais. Da mesma forma, o complemento link se refere aos elementos de hipermídia compartilhados nas páginas da web, e o termo e-mail ao canal comunicativo (correio eletrônico) pelo qual a mensagem é veiculada, ou à própria mensagem, enquanto gênero discursivo digital.

Os termos acima citados, assim como outros (curtir, compartilhar, etc.), foram recrutados para o contexto digital de comunicação para fazerem menção às formas de interação típicas desse meio, representando, assim, a maneira como falamos sobre o processo comunicativo digital. Podemos concluir, a partir dessa pesquisa, portanto, que, ainda que os falantes conceptualizem a comunicação digital com base no frame da Metáfora do Canal, utilizam alguns novos termos e expressões para falar sobre ela. Além disso, como o frame da Metáfora do Canal parece estar sendo atualizado e adaptado ao novo contexto de comunicação, podemos levantar a hipótese de que, à medida que a comunicação digital for se consolidando, sua conceptualização pode distanciar-se ainda mais do frame da Metáfora do

Canal, podendo, até mesmo, apresentar um reenquadramento desse frame consolidado de comunicação.

O presente estudo apresenta algumas limitações, entre elas, o fato de o Corpus do Português, website utilizado para a seleção dos dados, apesar de ter um número bastante significativo de colocados, não ser tão abrangente quanto, por exemplo, um corpus na língua inglesa, como o “Cobuild” e outros, que têm um número significativamente maior de textos compilados. Há um consenso de que, na linguística de corpus, quantidade (ou seja, o tamanho e a abrangência dos corpora) importa (GRANATH, 2007). Além disso, a presente pesquisa foi pautada nas duas interfaces do site: o Corpus Geral, que foi atualizado em 2004-06 e o Corpus da Web, atualizado em 2015-16. Nesse sentido, pode-se conjecturar que, se essa pesquisa fosse realizada com um corpus, principalmente da web, mais atualizado, que incluísse as novas tecnologias digitais, como os novos aplicativos (WhatsApp, Instagram, por exemplo), os resultados poderiam ser, se não diferentes, ainda mais marcantes no que diz respeito às divergências entre a Metáfora do Canal na comunicação tradicional e na comunicação digital. Essa seria, portanto, uma hipótese a ser explorada em pesquisas futuras.

Concluindo, para esta dissertação, é relevante ter em mente que a tecnologia e a comunicação digital estão se desenvolvendo muito rapidamente, e essa rapidez resulta em mudanças comportamentais e linguísticas. Nesse sentido:

A impossibilidade de quantificar, numerar, classificar ou até mesmo conhecer profundamente as consequências ou influências da inserção das tecnologias contemporâneas na sociedade torna-se um dilema na medida em que, sendo impossível esta classificação, não se pode prever o rumo que tomará a humanidade num futuro muito próximo. Não se trata de conhecer ou estudar as possíveis transformações coletivas mundiais para daqui a 100 anos, mas para amanhã, ou para hoje, porque, com a velocidade vertiginosa da evolução das tecnologias no mundo atual, o futuro passou a ser o momento presente. (LIMA, 2001)

Sendo assim, bastam alguns meses para que determinada tecnologia seja considerada ultrapassada. Caminhamos hoje por constantes transições que transformam a sociedade e, para compreender esse processo, é preciso não só observar as mudanças da própria sociedade - sejam essas no seu modo de agir, pensar e interagir - mas também a evolução dos dispositivos que fizeram parte dessas modificações ou até mesmo as promoveram. Entende-se, portanto, que as transformações sociais estão diretamente relacionadas às transformações tecnológicas que a sociedade se apropria para se desenvolver e se manter. Novas práticas sociais e novos modos de interação são seguidos e, ao mesmo tempo, amparados, por novas conceptualizações, que, ao emergirem, se ancoram em outras já existentes - como a Metáfora

do Canal - deixando claras marcas na linguagem. Acreditamos, portanto, que esta pesquisa tenha contribuído para a compreensão de uma dessas importantes conceptualizações, ou seja, a maneira como as pessoas pensam e falam sobre a comunicação no contexto digital.

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