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5. ANÁLISE DOS COLOCADOS DO CORPUS GERAL

5.1 Verbo Enviar

O verbo enviar deriva do Latim inviare e significa “pôr a caminho”. Como a etimologia da palavra sugere, o verbo enviar pressupõe um objeto concreto, que é deslocado de um ponto a outro, de uma origem a um destino. Podemos dizer, dessa forma, que enviamos um presente, uma encomenda, um objeto, etc., e dizemos isso de maneira literal, visto que, de fato, o objeto percorre um espaço físico, sendo deslocado de um ponto a outro.

Nesse contexto, o verbo enviar se apresenta em sua função prototípica, pois possui um significado mais concreto, ligado à ideia de transferência física de um elemento. O mesmo pode ocorrer, no âmbito da comunicação, quando se declara, por exemplo, que um bilhete foi

enviado. Nesse caso, o bilhete exerce a função de um trajetor que é deslocado no espaço físico

até a sua meta; há, portanto, a noção de transferência física de um objeto, mais precisamente, a transferência de um suporte (bilhete) que “carrega” uma mensagem (palavras).

No Corpus Geral de Língua Portuguesa, o verbo enviar apresenta alguns complementos verbais relacionados à comunicação, tais como carta, mensagem, e-mail, recado, ofício e

relatório, cada qual funcionando como um recipiente de ideias ou informações. A seguir

observaremos cada um desses complementos, a fim de observar quais deles recrutam os elementos do frame da Metáfora do Canal6.

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Como visto no capítulo 2.2, no frame da Metáfora do Canal há um emissor que exerce a tarefa de colocar as ideias dentro das palavras (recipiente) e as enviar, através de um canal de comunicação, para o receptor, que tem função de retirar das palavras as ideias.

Tratando, primeiramente, do complemento carta, é relevante salientarmos que esse complemento, nas práticas discursivas cotidianas, exerce a função de gênero discursivo7, trazendo, dessa forma, uma concretude textual; ao mesmo tempo em que funciona como um suporte que “carrega” uma mensagem. Esse suporte é literalmente levado de um ponto a outro, ou seja, não há uma projeção metafórica, mas uma declaração literal do que, de fato, ocorre. Retiramos dois exemplos do Corpus Geral de Língua Portuguesa, para apresentar como essas construções são evidenciadas na linguagem:

(i) “Deverão enviar uma carta escrita de próprio punho (...)” ;

(ii) “De acordo com Paula, seu ex-marido chegou a lhe enviar uma carta da prisão, para explicar que, como ela era menor de 19 (...)”.

O que ocorre nesses enunciados é uma transferência física do elemento carta, que é conduzido de um remetente a um destinatário. Nesse sentido, a noção de transferência física e concreta permanece nesse contexto da comunicação escrita. Por essa razão, não podemos afirmar que a construção “enviar carta” é representativa da Metáfora do Canal, visto que, na realidade, não há metáfora em tal construção, mas tão somente uma descrição literal.

Diferentemente do que ocorre, por exemplo, com o segundo colocado mais recorrente dentro do Corpus Geral, que é o colocado “enviar mensagem”. Nesse caso, o complemento verbal mensagem pode apresentar dois significados diferentes, dependendo do contexto de uso. O primeiro deles, de acordo com o dicionário Houaiss, refere-se à mensagem como um “ensinamento transmitido à humanidade”; dizemos, por exemplo, que transmitimos

mensagens de amor, de paz etc. Nesse caso, o termo mensagem não apresenta concretude

textual, pois não se trata de um gênero discursivo, nem tão pouco de um suporte físico de ideias. Por esse complemento não ser concreto, em sua natureza, houve uma extensão metafórica do verbo “enviar”, que passou a representar também uma noção transferencial de elementos abstratos. Tem-se aqui uma realização da Teoria da Metáfora do Canal, em que as palavras funcionam como suportes de ideias, e são transferidas de um emissor a um receptor

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Na literatura, gênero discursivo é definido como um tipo relativamente estável de enunciado (BAKHTIN, 1979, p. 279). Neste trabalho, por razões operacionais, consideramos que o gênero discursivo, além de ser estável, apresenta certa materialidade linguística textual. E essa definição é importante porque estamos, para nível de análise, contrastando os elementos que apresentam natureza concreta daqueles que manifestam natureza abstrata; considerando, assim, que os gêneros discursivos, - como bilhete, carta, bula de remédio, poema,

contrato, etc., - por apresentarem materialidade textual (natureza “concreta”) não seriam manifestações da

Metáfora do Canal. Ao contrário desses gêneros, tipos de comunicação como ideia, informação, ou até mesmo

mensagem (em “passar uma mensagem de paz”), por não apresentarem tal concretude, não são, no contexto desta

pesquisa, tratados como gêneros discursivos. Voltaremos a esse tema mais adiante, pois essa materialidade é colocada em xeque no contexto da comunicação virtual. Ademais, é relevante salientar que, neste trabalho, estamos tratando apenas dos gêneros escritos, não abordamos os gêneros orais.

por meio de um canal de comunicação. Podemos observar de que forma essa construção se manifesta na linguagem, a partir dos exemplos a seguir:

(iii) “Vamos instalar potentes alto-falantes sob as asas dum Paquera e, através deles, enviar mensagens de exortação para que os subversivos se entreguem.”; (iv) “Dez bandeiras chegam para dizer tudo. Até enviar mensagens de amor. Foi assim

que pesquei a tua mãe”.

No segundo contexto observado, o termo mensagem se refere a um gênero discursivo, à “mensagem de texto”; podemos concluir, então, que mensagem apresenta o significado de “uma comunicação, oral ou escrita, que transmite informação, ordem, felicitação, louvor etc” (DICIONÁRIO HOUAISS, 2001). Dessa forma, não se pode falar em concretude física, mas numa concretude textual, proporcionada pelo gênero. Dois exemplos foram retirados do Corpus do Português para ilustrar esse uso:

(v) “O Global Satellite Communicator GSC da Magellan consegue armazenar até 100 mensagens electrónicas e enviar mensagens com até 2000 caracteres.”;

(vi) “Sistema de telecomunicações que permite a utilização duma rede de computadores para enviar mensagens a outros utilizadores”.

Observando esses enunciados, podemos perceber que o termo mensagem, enquanto gênero discursivo, não pode ser considerado característico da Metáfora do Canal; por outro lado, quando esse termo se refere a uma ideia/ensinamento, conforme nos exemplos (iii) e (iv), traz consigo a noção de “transferência abstrata”, caracterizando-se assim como instanciação da Metáfora do Canal.

O termo e-mail8 é empregado tanto para fazer menção ao canal comunicativo (correio eletrônico), como à mensagem veiculada por ele, que é chamada de gênero discursivo (MARCUSCHI, 2010, p.85). No corpus, enquanto complemento do verbo enviar, e-mail refere-se à mensagem de texto veiculada pelo correio eletrônico, sendo, portanto, um gênero discursivo característico do contexto virtual de comunicação. Desta maneira, o termo e-mail apresenta natureza concreta e, por isso, não é considerado uma manifestação da Metáfora do Canal, como podemos observar a partir dos exemplos a seguir:

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Há falta de consenso a respeito da categorização do termo “e-mail”. Alguns autores o definem como gênero discursivo, enquanto outros o definem como um suporte para outros gêneros (carta, convite, anúncio). Assumimos, neste trabalho, o entendimento de Marcurchi (2010, p.92), de que o e-mail é um gênero eletrônico escrito, com características típicas de memorando, bilhete, carta, conversa face a face e telefônica, cuja representação adquire ora a forma de monólogo ora de diálogo, e que se distingue de outros tipos de mensagens devido a características bastante peculiares de seu meio de transmissão, em especial a velocidade e a assincronia na comunicação entre usuários de computadores.

(vii) “(...) fabricar aparelhos de US$ 250 que permitirão aos consumidores navegar na Web, além de enviar e receber e-mail”;

(viii) “Repare-se que é muito mais fácil e barato enviar um email do que enviar uma carta (...)”.

Já o complemento recado assemelha-se, em parte, ao complemento mensagem, pois também apresenta significados diferentes, dependendo do contexto de uso. Esse termo pode se referir a um gênero discursivo, sendo sinônimo de bilhete, apresentando, assim, um caráter mais concreto, uma vez que funciona como suporte físico de ideias; ou, por outro lado, recado pode apresentar um sentido semelhante ao de mensagem, sendo, assim, mais abstrato e, portanto, estaria atualizando a Metáfora do Canal. No Corpus do Português, encontramos apenas ocorrências do segundo caso, como veremos a seguir:

(ix) “Agora, o jantar está requentado, mas nem por isso o socialista deixará de enviar os seus recados.”;

(x) “Administração Interna a continuar o processo de modernização e mudança e aproveitou para enviar um recado ao Governo”.

Nos exemplos supracitados, podemos observar que o termo recado não faz referência a um suporte físico, conforme seria, por exemplo, em um enunciado como: “ela deixou um recado para você em cima da mesa”. Nesse caso, sabemos que se trata de um papel contendo alguma informação que foi colocado em um determinado local, enquanto nos exemplos (ix) e (x), a palavra recado se refere a uma mensagem, sem o apoio do suporte físico. É relevante destacarmos também que o emprego do verbo influi sobre o significado desse termo. Numa pesquisa no Corpus do Português, observamos que com verbos como “deixar” e “entregar”, o termo recado é, na maioria dos enunciados, empregado com o significado mais concreto, enquanto que com verbos como “enviar”, é empregado de modo mais abstrato.

O complemento verbal ofício é um gênero discursivo e, por essa razão, apresenta uma concretude textual que o distancia da Metáfora do Canal, como podemos verificar nos exemplos a seguir:

(xi) “A Acrimesp vai enviar um ofício ao governador Mário Covas exigindo o afastamento imediato do Alto Comando da Polícia”;

(xii) “Sete dias antes de enviar o ofício, Mendonça recebeu um comunicado do diretor da Negocial José Luiz da Cunha (...)”.

Nesses exemplos, podemos observar que o elemento ofício é, de fato, deslocado de um ponto a outro e, por isso, o enunciado não tem natureza metafórica, mas literal. O mesmo

ocorre com o complemento relatório que, assim como o ofício, é um gênero discursivo e, por isso, apresenta concretude textual, além de funcionar como suporte físico de informações.

(xiii) " Vamos fazer um relatório para enviar ao Ministério Público a respeito do que estamos presenciando";

(xiv) “ Os técnicos vão tentar localizar a proprietária e enviar um relatório sobre as reais condições da edificação para pedir providências”.

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