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Apresentaremos, na figura 11, duas tabelas com os resultados da pesquisa, que serão discutidos a seguir. A primeira delas apresenta os resultados relativos ao Corpus Geral, sendo dividida da seguinte forma: na primeira coluna estão listados os colocados, na segunda estão sinalizados os colocados que apresentam natureza concreta, e na terceira aqueles que possuem natureza abstrata, sendo esses últimos possíveis instanciações da Metáfora do Canal, como podemos observar na figura 11:

COLOCADO NATUREZA CONCRETA NATUREZA ABSTRATA Enviar carta X Enviar mensagem X X Enviar e-mail X Enviar recado X Enviar ofício X Enviar relatório X Transmitir mensagem X Transmitir informação X Transmitir conhecimento X Transmitir ideia X Transmitir notícia X Transmitir instrução X Mandar recado X Mandar bilhete X Mandar telegram X Mandar correspondência X

Mandar relatório X Mandar mensagem X Receber carta X Receber mensagem X X Receber notícia X Receber instrução X Receber lição X Levar carta X Levar recado X X Levar mensagem X X

Figura11. Resultado dos colocados do Corpus Geral

O verbo enviar selecionou, no corpus, seis complementos verbais, sendo que quatro deles possuem natureza concreta (carta, e-mail, ofício, relatório), um possui natureza abstrata (recado) e um complemento pode apresentar tanto natureza concreta, como abstrata (mensagem), dependendo apenas do contexto comunicativo.

Já o verbo transmitir selecionou seis complementos, todos de natureza abstrata (mensagem, informação, conhecimento, ideia, notícia, instrução). Grande parte desses complementos já são considerados, por si só, elementos abstratos, independente do verbo que os selecione, como os termos “informação, conhecimento, ideia e instrução” O elemento

mensagem, como já visto, pode se referir à mensagem de texto, exercendo a função de gênero

discursivo (concreto), ou apresentar-se como sinônimo de ideia (abstrato); nesse contexto, enquanto complemento do verbo transmitir, esse termo assume o sentido de um elemento abstrato. Do mesmo modo, o complemento notícia, considerado um gênero discursivo característico do contexto jornalístico, enquanto complemento do verbo transmitir, assume a função de um “relato de acontecimentos” relacionado ao contexto oral de comunicação. Nota- se, portanto, que o verbo transmitir tende a selecionar apenas elementos abstratos, e mesmo quando seleciona elementos de natureza concreta, torna-os abstratos, dentro do contexto comunicativo.

O verbo mandar selecionou seis complementos no corpus, todos de natureza concreta (recado, bilhete, telegrama, correspondência, relatório, mensagem). Já o verbo receber selecionou cinco objetos diretos, sendo três de natureza abstrata (notícia, instrução, lição), um de natureza concreta (carta) e um limítrofe, pois apresenta tanto natureza abstrata, como concreta (mensagem), dependendo apenas do contexto comunicativo. E o verbo levar selecionou, no corpus, três complementos; um de natureza concreta (carta), um de natureza abstrata (recado, mensagem) e um que pode apresentar natureza concreta ou abstrata (recado).

Desse modo, os dados indicam que, no contexto geral de comunicação, o verbo

transmitir seria uma manifestação da Teoria da Metáfora do Canal, uma vez que seleciona

apenas elementos de natureza abstrata, ou torna-os abstratos, no contexto comunicativo. Esse verbo traz, de sua origem, segundo o dicionário Houaiss (2001), a noção de deslocamento de um elemento no espaço físico, porém, ao longo do tempo, esse sentido parece estar se perdendo, e o verbo passou a fazer referência apenas à transferência metafórica de elementos abstratos. Dizemos, assim, que o verbo transmitir foi recrutado pela Teoria da Metáfora do Canal para ser usado, no contexto comunicativo, para fazer alusão à transferência de conteúdos abstratos.

Apresentaremos, adiante, os resultados da pesquisa relativos ao Corpus da Web. A tabela segue o mesmo padrão daquela apresentada anteriormente, sendo os colocados apresentados na primeira coluna, os elementos de natureza concreta marcados na segunda, e os de natureza abstrata na terceira, conforme podemos observar a partir da Figura 12:

COLOCADOS NATUREZA CONCRETA NATUREZA ABSTRATA Enviar comentário X Enviar e-mail X Enviar mensagem X Enviar SMS X Enviar foto X Enviar carta X Transmitir mensagem X

Transmitir informação X Transmitir conhecimento X Transmitir ideia X Transmitir sentimento X Transmitir ensinamento X Mandar e-mail X Mandar mensagem X Mandar SMS X Mandar recado X X Mandar foto X Mandar carta X Receber notificação X Receber mensagem X Receber carta X Receber SMS X Receber instrução X Postar comentário X Postar foto X Postar video X Postar link X Postar mensagem X Postar anúncio X Postar tutorial X Postar bobagem X Postar tweet X Publicar comentário X

Publicar mensagem X Publicar foto X Publicar texto X Publicar carta X Publicar anúncio X Publicar link X Publicar post X

Figura 12. Resultado dos colocados do Corpus da Web

O verbo enviar selecionou, no Corpus da Web, seis complementos, todos de natureza concreta (comentário, e-mail, mensagem, SMS, foto, carta). Já o verbo transmitir selecionou seis complementos de natureza abstrata (mensagem, informação, conhecimento, ideia,

sentimento, ensinamento).

O verbo mandar selecionou seis complementos, sendo cinco de natureza concreta (e-

mail, mensagem, SMS, foto, carta) e um que apresenta tanto natureza concreta, como abstrata

(recado). O verbo receber selecionou cinco objetos diretos, quatro de natureza concreta (notificação, mensagem, carta, SMS) e um de natureza abstrata (instrução).

O verbo postar selecionou, no corpus, nove complementos, todos de natureza concreta (comentário, foto, vídeo, link, mensagem, anúncio, tutorial, bobagem, tweet). Do mesmo modo, o verbo publicar selecionou oito complementos, todos também apresentando natureza concreta (comentário, mensagem, foto, texto, carta, anúncio, link, post).

Podemos notar, a princípio, que os verbos do Corpus da Web tendem a selecionar elementos de natureza concreta, com exceção apenas do verbo transmitir que, como já vimos, foi recrutado pela Metáfora do Canal e, por isso, refere-se à transferência metafórica de elementos abstratos. Contudo, é importante salientar que todos os enunciados analisados com o verbo transmitir, mesmo sendo extraídos do Corpus da Web, não fazem referência à comunicação no meio virtual, como podemos observar a seguir:

(xiii) “Cada grupo é animado dum único propósito primordial, o de transmitir sua mensagem ao alcoólico que ainda sofre”;

(xiv) “Tendo experimentado um Despertar Espiritual graças a esses Passos, procuramos transmitir essa mensagem e praticar estes princípios em todas as atividades”.

(xv) “Ela pode nos transmitir informações úteis e interessantes que ampliam os conhecimentos sobre a diversidade culturais existentes”;

(xvi) “Entendemos que tem importante participação ao transmitir informações e posicionamentos”.

(xvii) “E o celular é isso, é uma forma de transmitir conhecimento”;

(xviii) “O nosso presente para você, nada mais é, transmitir conhecimento sobre o que é este dia”.

(xix) “Tentou transmitir a ideia de que tudo se encontrava a 100 % para o início(...)”; (xx) “Pretende transmitir a ideia que só o preconceito e o dogmatismo estão na

base (...)”.

(xxi) “Quem produz qualquer tipo de arte pode transmitir sentimentos até então ocultos”;

(xxii) “Você consegue com exímia perspicácia transmitir sentimentos através das palavras”.

(xxiii) “As outras escolas Hinayana, entretanto, continuaram a transmitir os ensinamentos oralmente”;

(xxiv) “Assim, para transmitir seus ensinamentos ao nosso mundo ele escreveu um livro”.

A partir dos enunciados analisados, podemos concluir que esse verbo não reflete a comunicação virtual, uma vez que, mesmo sendo veiculado na mesma, não representa o processo interativo mediado pela internet, mas aborda, tão somente, a comunicação, em seu sentido mais geral. O mesmo ocorre com o colocado “mandar recado”, no exemplo 13:

(xxv) “Os MC'S usam o funk para mandar recado para o governante ver o que acontece realmente em aquele local”.

Nesse contexto, o complemento recado revela natureza abstrata, porém também não representa a comunicação digital, visto que esse complemento faz menção a uma “ideia” contida no “contêiner letra de funk”, que é transmitida ao receptor por meio de um canal de comunicação oral; sendo assim, a comunicação não ocorre por intermédio da internet. Diferentemente do que acontece no enunciado 14, também extraído do Corpus da Web, em que o colocado “mandar recado” refere-se a uma mensagem de texto veiculada pela rede social; nesse contexto, o complemento recado revela natureza concreta, e podemos dizer que é representativo da comunicação digital:

(xxvi) “(...) “saber que nada estava o impedindo de procurá-la, ou de ao menos mandar um recado no Orkut, ou no MSN”;

Outro colocado extraído do Corpus da Web que também não reflete a comunicação digital é “receber instrução”. Esse colocado é descrito como de natureza abstrata e, como podemos notar nos exemplos 15 e 16, não configura uma interação mediada pela internet:

(xxvii) “(...) de forma que o motorista possa receber instruções pelo seu painel”;

(xxviii)“Todas as forças armadas e de segurança devem receber instruções claras de que a tortura e outros maus tratos(...)”.

Com base nisso, podemos constatar que a maioria dos colocados analisados no Corpus da Web revela natureza concreta, mas, ainda aqueles que apresentam natureza abstrata, distanciam-se da comunicação digital, uma vez que, mesmo contidos no Corpus da Web, não refletem o processo de interação mediado pela internet.

Acreditamos que isso ocorra pelo fato de a comunicação virtual ser, sobretudo, escrita, apoiando-se, assim, em elementos que apresentam materialidade textual, como os gêneros discursivos. Esse tipo de comunicação afasta-se, desse modo, da teoria da Metáfora do Canal, uma vez que traz para a comunicação certa concretude, ainda que apenas virtual.

Nesse novo modelo de comunicação, expressões como “ele disse/ele falou” são substituídas por “ele postou/ ele publicou”. Dizemos, assim, que os verbos postar e publicar foram recrutados para o contexto de comunicação virtual, com o sentido de “compartilhamento de mensagens em mídias sociais”, representando, desta forma, a maneira como pensamos e falamos sobre o processo comunicativo nesse novo contexto de comunicação, em que o “tornar público” passou a ser algo muito comum. Nessa perspectiva, utilizaremos esses verbos para analisar o frame de comunicação digital, comparando-o ao

frame da Metáfora do Canal.

Em primeiro lugar, na Teoria da Metáfora do Canal há um emissor que envia uma mensagem para um receptor específico, enquanto na comunicação digital as mensagens são afixadas em determinado lugar para serem vistas por muitos receptores. Nesse sentido, a primeira mudança diz respeito à trajetória pressuposta na teoria da Metáfora do Canal que, no contexto digital, passa a não ser mais necessária, uma vez que as mensagens podem ser apenas “colocadas em murais”.

Além disso, os verbos postar e publicar pressupõem muitos receptores. Quando se

posta/publica uma mensagem numa rede social, por exemplo, o intuito é que essa mensagem

se torne de conhecimento público. Um exemplo disso é o fato de não ser comum o emprego desses verbos quando nos referimos a mensagens privadas; nesse caso, empregamos os verbos “enviar, mandar etc.”. Do mesmo modo, ao nos referirmos ao compartilhamento de uma

mensagem numa mídia social, não usamos verbos como “enviar/mandar”, mas empregamos o

postar ou o publicar.

Os exemplos a seguir, retirados dos dados analisados, mostram que os verbos postar e

publicar são empregados para se referir à comunicação no contexto das mídias sociais

digitais. A mensagem pode ser postada/publicada no Blog, Instagram, Youtube, Twitter etc. (como se fossem murais de aviso), no contexto comunicativo público, para muitos receptores terem acesso, como podemos observar a partir dos enunciados a seguir:

1. “Qualquer comentário é só postar lá no blog (...)”; 2. “Evito postar fotos no Instagram de biquíni ou decote”;

3. “Para isso, nada melhor que fazer um vídeo e postar no Youtube, genial, não? Hahahaha assista!”.

4. “É rápido, em menos de 3 minutos você consegue postar seu link e ajuda a ampliar a rede de informações”;

5. “Muitas mulheres, indignadas, começaram a postar mensagens no próprio Twitter”; 6. “Quantas pessoas milhares aprendendo a lidar com Voip e postar anúncios na

internet”;

7. “Espero que tenham gostado:) em breve irei postar o tutorial aqui e no Youtube. Beijinhooooooo!”;

8. “(...) escreva sua própria resenha, não venha postar bobagens aqui no meu blog”; 9. “Desde então, as coisas ficaram ainda mais estranhas quando ela começou

a postar tweets e vídeos exibindo um comportamento cada vez mais preocupante”. 10. “Meu blog não é lata de lixo para publicar comentário grosseiro e cafajeste como o

seu”;

11. “Papa Francisco voltou a publicar mensagens no Twitter”.

12. “Quando quero mostrar a nossa serra a minha maior dificuldade é escolher as fotos a publicar no nosso blog, porque são mais que muitas (...)”.

13. “Claro que o tema do solstício pode ser tema dum texto a publicar aqui no blog”; 14. “A intenção do blogueiro é escusa ao publicar esta carta, visto que quando ela foi

escrita, ñ era endereçada”.

15. “É com muita felicidade que o Blog tem o prazer de publicar esse post”.

16. “O Giglio pediu para a agência o arquivo em alta e a autorização pra publicar o anúncio no site dele”.

17. “Publicar o link da receita participadora nos comentários deste post”.

Outro aspecto que parece ter se distanciado do frame da Metáfora do Canal foi o “contêiner” em que as ideias são armazenadas. Segundo a teoria proposta por Reddy (1993), as palavras exerceriam a função de “contêiner”, diferentemente do que é apresentado no contexto digital, em que elementos como fotos e vídeos trazem a imagem como um novo recipiente de ideias e informações, como podemos notar a partir dos exemplos a seguir:

18. “(...) é ir até o canal do Google Chrome no Youtube e postar um vídeo sobre porque você quer um notebook e como você o usaria”;

19. “(...) então, o que a gente mais faz é postar foto no Twitter”.

20. “Algumas pessoas que realizaram esse sonho, resolveram tirar fotos e publicar na internet”;

Podemos declarar, nesse sentido, que alguns aspectos do frame da Metáfora do Canal ajustaram-se ao novo contexto comunicativo, como, por exemplo, a noção de emissor e receptor, de um recipiente contendo informações e da transmissão de ideias da mente de um falante para a de um ouvinte(s). Porém, alguns elementos desse frame tiveram que ser adaptados ao novo contexto comunicativo, sofrendo algumas modificações. Nesse sentido, como já vimos, as ideias são objetos armazenados não só em palavras, mas também em imagens; a comunicação não se trata exclusivamente de um envio para um receptor determinado, mas pode se referir também ao ato de afixar uma mensagem em determinado local para ser visualizada por muitos receptores que, na maioria das vezes, não são previamente definidos. E a mensagem não é uma ideia apenas, é uma imagem, um link, um post. A mensagem é a coisa em si, enquanto na teoria da Metáfora do Canal, ela é o que está por detrás.

Nesse sentido, enquanto a Metáfora do Canal se estrutura da seguinte forma:

IDEIAS (OU SIGNIFICADOS) → OBJETOS EXPRESSÕES LINGUÍSTICAS → RECIPIENTES COMUNICAR → ENVIAR

A comunicação digital pode ser estruturada da seguinte maneira:

IDEIAS (OU SIGNIFICADOS) → OBJETOS EXPRESSÕES LINGUÍSTICAS/ IMAGENS → RECIPIENTES

COMUNICAR → ENVIAR/COMPARTILHAR PUBLICAR/POSTAR

Os resultados encontrados no presente estudo sugerem que as pessoas conceptualizam e, naturalmente, falam sobre a comunicação virtual como um processo de compartilhamento de

ideias e informações. A base conceptual da Metáfora do Canal permanece nesse contexto comunicativo, mas há uma reformulação do seu frame para se adequar ao novo contexto comunicativo.

Além disso, essa nova esfera de comunicação tem se inscrito na língua como decorrência das novas práticas comunicativas que estão surgindo no contexto digital. Se antes empregávamos os termos “enviar, mandar” para falar sobre o processo comunicativo, hoje as pessoas falam sobre a comunicação na internet com o emprego de alguns outros termos, como “postar” e “publicar”, atualizando, assim, a teoria da Metáfora do Canal. Como Thurlow (apud Rajagopalan, 2013, p.45) assinala, “na medida em que as tecnologias de comunicação continuam a se desenvolver e se transformar, o mesmo acontecerá com as formas linguísticas e práticas comunicativas correspondentes”.

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