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5. ANÁLISE DOS COLOCADOS DO CORPUS GERAL

5.3 Verbo Mandar

Segundo o dicionário Houaiss, o sentido etimológico do verbo mandar é o de “fazer algo ou alguém tomar certo rumo”. Nessa perspectiva, entende-se que esse verbo pressupõe trajetória - deslocamento de um trajetor no espaço físico. Por meio dos exemplos desse verbo com os seus complementos, poderemos observar se ele passou também a se referir à noção transferencial de elementos abstratos, sendo assim representante da teoria da Metáfora do Canal. O verbo mandar selecionou, no Corpus Geral do Português, os seguintes complementos: recado, bilhete, telegrama, correspondência, relatório e mensagem.

Tratando, primeiramente, de o complemento recado, é interessante ressaltar que, assim como foi mencionado anteriormente, esse complemento pode apresentar significados diferentes, dependendo do contexto de uso. O termo pode se referir, por exemplo, a um

gênero discursivo em sua concretude, funcionando como um suporte de ideias: quando um mensageiro leva um recado, em sua materialidade, para alguém, não podemos dizer que há Metáfora do Canal, visto que o recado foi, de fato, conduzido de um ponto a outro no espaço físico.

De maneira diferente do que ocorre quando o termo recado tem sentido de uma mensagem ou aviso verbal; nesse caso não há transporte físico de um elemento concreto, mas uma transferência de um elemento abstrato, em que as ideias são colocadas nas palavras e conduzidas metaforicamente até um destinatário. No Corpus Geral do Português, pudemos observar que, nos vinte e seis (26) exemplos analisados, o colocado “mandar recado” apresenta o sentido de uma mensagem abstrata, conforme podemos verificar a seguir:

(i) “Eu acho muito importante o ouvinte mandar o seu recado”;

(ii) “Fernando Henrique aproveitou uma rápida entrevista para mandar um recado aos sem-terra”.9

Nos dois exemplos selecionados, podemos fazer a substituição do termo recado pelo termo mensagem, sem alterar o sentido do enunciado, o que nos mostra que recado, nesse contexto, apresenta um significado abstrato. Diferentemente do que ocorre com o colocado “mandar bilhete”, que pressupõe o envio de um elemento concreto; nesse sentido, o complemento bilhete representa o suporte físico de ideias, suporte esse que é deslocado fisicamente de um espaço a outro. Nesse sentido, bilhete representa, por si só, um gênero discursivo em sua concretude textual e, enquanto objeto direto do verbo mandar, esse sentido é reforçado, conforme podemos observar adiante:

(iii) “(...) porque saiu do Rio sem me mandar ao menos um bilhete, uma palavra qualquer de despedida?”;

(iv) “Depois da triste ocorrência da noite de sábado, Lúcia bem quisera mandar um

bilhete a Elias”.

9

No enunciado (ii), o complemento “recado” parece apresentar um tom de ameaça velada, como podemos observar a partir do contexto expandido desse enunciado: “Fernando Henrique aproveitou uma rápida entrevista para mandar um recado aos sem-terra, que chegam à Esplanada dos Ministérios no dia 17. Segundo o presidente, se houver alguma manifestação que não seja pacífica, a Polícia Militar do Distrito Federal estará pronta para defender os interesses do povo. Ele disse que sem-terra não invade prédio. „Isso é próprio de quem quer tirar partido político, de quem não tem civilidade‟, disse.”

O verbo mandar também seleciona o termo telegrama, que exerce a função de gênero discursivo, não sendo, portanto, indicativo da Metáfora do Canal, como podemos verificar nos exemplos (v) e (vi):

(v) “Estava agora mesmo para te mandar um telegrama”;

(vi) “E não te esqueças de mandar um telegrama logo que chegar!”.

O complemento correspondência, assim como o bilhete, refere-se a um recipiente de ideias ou informações. Esse termo, segundo o dicionário Houaiss, significa “um conjunto de cartas, mensagens, telegramas etc. expedidos ou recebidos”, sendo, assim, de natureza concreta, conforme observa-se nos enunciados a seguir:

(vii) “Uma das nossas próximas iniciativas vai ser,

exatamente, mandar correspondência a todas as associações”;

(viii) “Tristão vinha de concluir a correspondência que vai mandar para o correio”.

O termo relatório, já analisado com o verbo enviar, também possui concretude textual, uma vez que se apresenta como um gênero discursivo. Nesse sentido, quando declaramos que “mandamos um relatório”, queremos dizer que ele, de fato, foi deslocado no espaço físico até chegar a um destino final. Isso pode ser verificado nos seguintes exemplos:

(ix) “Andou por algumas cidades para fazer relatórios e mandar para o núcleo do Projeto”;

(x) “(...) costumava mandar ao Administrador relatórios sobre os serviços prestados à agência”.

O complemento mensagem, como já descrevemos, pode apresentar dois sentidos diferentes, dependendo do contexto de uso. Mensagem pode significar “ideia/ensinamento”, ou então o gênero discursivo “mensagem de texto”. Pudemos verificar, através dos enunciados do Corpus Geral que, como complemento do verbo mandar, esse termo tende a assumir o segundo significado, como um gênero discursivo em sua concretude textual, conforme podemos observar nos exemplos a seguir:

(xi) “(...) morro seca de vontade de ligar, de mandar mensagem, de convidar pra sair”; (xii) “(...) tanto eu quanto ele ficamos quietos e nem nos comprimentamos, na hora

Interessante notar que esse foi o complemento com menor número de ocorrências com o verbo mandar; no Corpus Geral do Português encontramos apenas dois enunciados com esse colocado. Intuitivamente, sabemos que o colocado “mandar mensagem” é muito empregado, especialmente na comunicação oral, em construções como “eu te mandei uma mensagem mais cedo”, “pode deixar, eu vou te mandar uma mensagem quando eu chegar em casa”, “não esquece de me mandar uma mensagem mais tarde” etc. Mas, ainda que esse colocado seja muito comum na língua, a frequência foi mínima no contexto do Corpus. Acreditamos que isso ocorra pelo fato de o Corpus Geral do Português ser constituído por textos escritos e por textos que se assemelham ao português oral, mas que não são transcrições de interações orais verdadeiras; além do fato de os textos terem sido selecionados entre os anos de 1300-1900, sendo, por isso, anteriores ao crescimento do uso de mensagens de texto eletrônicas como forma de comunicação. Veremos adiante que o oposto ocorre no Corpus da Web que, provavelmente pelo fato de os textos terem sido selecionados mais recentemente, entre os anos de 2013-2014, apresenta um número consideravelmente maior desse colocado.

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