• Nenhum resultado encontrado

Observação Colaborativa

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi com a consciência das contradições entre o modelo tradicional de ensino e a proposta de inclusão, que entramos na escola para desenvolver a nossa pesquisa e com elas que nos deparamos ao conhecer a realidade da sala de aula e da atividade docente da professora com a qual construímos todo esse processo.

Conhecer as condições gerais, objetivas e materiais em que se encontrava a educação e especificamente a escola na qual desenvolvemos a nossa pesquisa, foi imprescindível para que pudéssemos analisar a atividade docente de Ana de forma contextualizada e situada historicamente, em consonância com o referencial teórico da PSH.

Encontramos uma escola, seus alunos e professores abandonados à própria sorte pelo Município de Maceió: a infraestrutura física inadequada e sofrendo com as intempéries do clima e da falta de manutenção – corredores e espaços coletivos pouco acessíveis, a começar pela porta de entrada; salas de aula quentes, mal iluminadas e com a estrutura comprometida, ameaçando a integridade física de alunos e professores; a falta de água constante. O ambiente desprovido de equipamentos para o desenvolvimento de jogos, brincadeiras e atividades físicas, pouco remetiam a imagens de um lugar destinado à educação de crianças.

Percebemos, entretanto, que o abandono não se restringia à escola, mas se estendia a toda a população, que vivia em um bairro sem os mínimos equipamentos sociais, de saúde, educação e lazer. As ruas sem calçamento provocavam transtornos para as crianças e suas famílias, que em dias de chuva, ou não conseguiam sair de casa, ou chegavam à escola e lá permaneciam com os pés molhados e as pernas cheias de respingos de lama.

Neste cenário, pudemos também encontrar poucas alternativas de materiais para a diversificação das atividades pedagógicas, o que forçava a professora a buscar materiais alternativos, fora do seu horário e local de trabalho. Se esta prática de Ana marcava o seu estilo - pelo compromisso que tinha com a aprendizagem dos alunos - e era visto, por ela própria, como um desafio que lhe conferia oportunidade de desenvolvimento profissional, por outro lado, forçava a corda já tensa da sobrecarga de trabalho e responsabilidades da professora. Com isso, ela acabava

responsabilizando-se individualmente por uma situação que deveria ser compartilhada pelo seu coletivo, pela gestão da escola e pelo poder público.

Além das questões estruturais e materiais da escola, percebemos também um abandono do seu contingente humano, traduzido pela falta de formação e de acompanhamento sistemático dos profissionais por parte dos gestores locais e da SEMED.

Sabemos que há iniciativas nos âmbitos Federal, Estadual e Municipal para a formação de professores visando a preparação para que estes aceitem o desafio de trabalhar na e para a diversidade. Vários documentos e programas, especialmente advindos da esfera Federal se propõem a esse objetivo, desde a Declaração de Salamanca, em 1994, como o Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade, o Projeto Educar na Diversidade, a Rede de Formação Continuada de Professores na Educação Especial, dentre outros. No entanto, compreendemos que estas iniciativas podem dar o pontapé inicial para a formação, mas não podem ser as únicas, como vem ocorrendo no município de Maceió. Ao não se aproximarem da realidade de cada escola, muitas vezes essas propostas tornam-se ineficientes, transformando-se em mais uma prescrição imputada de cima para baixo, sem considerar as verdadeiras necessidades formativas dos professores.

Dessa forma, a professora participante da nossa pesquisa, como pessoa situada e datada cultural e historicamente nesse contexto, apresentava em suas narrativas e atitudes todo esse embate de valores e dificuldades que permeiam o seu ofício de docente. Pudemos perceber também que as significações que Ana atribuía à inclusão e à pessoa com deficiência, constituídas por meio da sua história de vida, norteavam as ações de sua atividade docente. Dessa forma, apesar de termos registrado algumas narrativas baseadas em conceitos reducionistas da inclusão e da própria pessoa com deficiência, identificamos uma disponibilidade em viver a experiência da inclusão, mesclada a um senso muito forte de responsabilidade com a aprendizagem de todos os alunos, sem exceção.

Percebemos com isso, que, dialogando com as suas próprias experiências profissionais, mediadas pela sua autonomia formativa, Ana manteve-se mobilizada para transformar a realidade do seu ofício, contribuindo assim, para a renovação do seu gênero profissional a partir do que Gardou e Develay (2005) chamaram de “quebra do desencorajamento e profanação do imobilismo”.

Sua mobilização nos mostrou que ela acreditava nas possibilidades de aprendizagem de Caio e até superestimava as suas conquistas em alguns momentos. Baseada nisso, tentava montar propostas diferentes para tornar possível a sua participação nas atividades pedagógicas vivenciadas na sala de aula. Essas tentativas reforçam a ideia de Vigotski (1997), de que a deficiência em si não determina a limitação das funções e de que novos rearranjos sociais podem ser indicados para favorecer a aprendizagem, que não é necessariamente menor, mas ocorre de forma diferente. Entendemos ter sido exatamente essa compreensão de Ana, que nos permitiu o acesso para propor as modificações e adaptações da Consultoria Colaborativa.

Em todo o período da coleta dos dados, sentimo-nos parte de um processo que tinha como finalidade ampliar as possibilidades de aprendizagem e de participação de Caio nas atividades escolares. Esse processo, no entanto, incidiu no desenvolvimento de todos os que dele participaram: nosso, que aguçamos o nosso raciocínio clínico e a nossa capacidade de observação e análise; da professora Ana, que ampliou e diversificou o seu repertório de estratégias pedagógicas e dos outros alunos da turma, que também se beneficiaram com a diversificação das atividades e dos materiais didáticos.

Com isso, podemos afirmar que a Consultoria Colaborativa foi uma estratégia satisfatória de formação em serviço para a inclusão, pelo envolvimento concomitante da professora e da pesquisadora na resolução de problemas de aprendizagem e participação presentes no cotidiano de Caio na sala de aula, que demandou para ambas: análise, reflexão, uso da criatividade e aplicação, na prática, de conceitos teóricos prévios, além da busca de novos conhecimentos.

Assim, mesmo depois de finalizado esse processo de consultoria colaborativa, esperamos que os aspectos trabalhados possam ser recriados e ressignificados pela professora Ana em sua prática cotidiana, seja ela para alunos com ou sem deficiência.

Entretanto, uma observação que não podemos deixar de fazer acerca do processo de Consultoria Colaborativa como formação em serviço, é que este poderia ter sido estendido para os demais professores da escola. Se tivéssemos momentos dedicados à reflexão e à formação, que não aqueles fortuitos minutos do

recreio ou do vídeo, talvez tivéssemos conseguido ampliar a discussão sobre a inclusão na comunidade escolar.

Pensamos hoje, que o nosso trabalho deveria ter sido baseado na Consultoria Colaborativa com a professora Ana - uma vez que o aluno com deficiência estava matriculado em sua turma -, mas que poderíamos ter desenvolvido momentos coletivos de discussão acerca da atividade docente diante da inclusão, acrescentando, por exemplo, sessões de autoconfrontações cruzadas, ao menos com as outras duas professoras dos primeiros anos.

Quem sabe dessa forma alcançássemos um olhar mais apurado sobre como a inclusão é percebida por outros professores da escola, além do que pudemos ouvir nos relatos da professora Ana, ou mesmo, conseguíssemos uma análise e uma reflexão crítica da prática de outras professoras, envolvendo, com isso, o coletivo profissional na discussão acerca da atividade docente diante da inclusão.

Outro ponto que merece destaque foi a utilização das Autoconfrontações Simples (ACS) como instrumento de reflexão para a alimentação do processo de Consultoria Colaborativa.

Identificamos que, por meio das ACS, a professora pode ter acesso ao real da sua atividade, identificando não apenas o que foi realizado, mas também o que não conseguiu alcançar. Com isso, podemos afirmar que na nossa pesquisa, a ACS de fato serviu como um catalisador para a análise interpessoal da atividade realizada e do real da atividade.

Apreendemos que o acesso ao real da atividade, por meio das ACS, ao revelar os impedimentos da atividade realizada, engendraram um movimento de retomada da consciência, configurando-se como uma possível estratégia para ajudar a professora a ampliar o seu poder de agir. Isso gerou a possibilidade de abandonar ou transformar estratégias que não deram certo e de desenvolver novas elaborações que contribuíram para a diversificação da sua prática pedagógica.

Destarte, podemos detectar, em uma primeira instância, que a ACS nos ajudou no processo de análise da atividade docente, por permitir o acesso ao real da atividade e o seu desvelamento para além da aparência. Assim, permitiu-nos intervir junto à professora a partir da compreensão da sua essência e contradições, para

gerar novos movimentos em direção à consciência e ao aumento do repertório de possibilidades, como vimos nas discussões da terceira categoria temática.

Além disso, diante das evidências de que o uso da ACS gerou reflexões, temos a condição de analisá-la como instrumento de mediação simbólica (por meio da linguagem) e de possível transformação da prática docente por mobilização da criatividade e despertar da consciência acerca das suas diferentes possibilidades de atuação, se constituindo assim, como um facilitador da própria professora.

Outro ponto que consideramos importante destacar além do movimento de consciência foi o de renovação da atividade docente diante dos desafios da inclusão, demonstrados nas suas assertivas a respeito dos desafios profissionais que permitem o seu desenvolvimento. Nessa perspectiva, avançamos também para a análise dessa catacrese individual como um recurso de renovação estilística do gênero catacrético da categoria docente.

Entendendo que o método de pesquisa na PSH é também valorizado como elemento que auxilia a compreender e explicar os fenômenos no diálogo com a teoria, identificamos na ACS um procedimento que favorece o desenvolvimento profissional. Assim, coadunamos com os resultados encontrados por Davis e Aguiar (2010), nos quais a autoconfrontação também se constituiu em um procedimento que gradativamente estabeleceu uma ZDP e que promoveu, além do desenvolvimento pessoal, um enriquecimento da atividade docente.

No entanto, apesar de reconhecermos a possibilidade de formação e transformação que o método da autoconfrontação associado à Consultoria Colaborativa pode propiciar ao docente, fazemos uma reflexão com a afirmação de Cavalcante, Pizzi e Fumes (2010, p. 116), de que:

É importante ressaltar que nenhuma formação, por si só, garante o crescimento e o desenvolvimento profissional de nenhuma categoria profissional se não for combinada com condições dignas de exercício do ofício, inclusive uma formação que permita ao/à docente compreender a atividade que realiza de forma mais abrangente, não apenas quanto aos aspectos pedagógicos, mas também no plano social e político.

Em síntese, acreditamos que a utilização da autoconfrontação associada à Consultoria Colaborativa pode proporcionar um processo de autoanálise, e possivelmente uma busca por mais formação, entretanto, não é possível inferir sobre