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A análise das concepções dos maus-tratos contra crianças e ado- lescentes por parte dos profissionais de saúde revela dois aspectos fun- damentais à sua compreensão: primeiro, a diversidade e a parcialidade de concepções relacionadas à infância e à adolescência e, a partir delas, as diferentes visões sobre as violências que envolvem estes sujeitos; segundo, a heterogeneidade e o escasso consenso em torno do conceito dos maus- -tratos, o qual se contrapõe à tradição do conhecimento sistematizado no setor saúde, fortemente marcado pela precisão nas definições dos agravos. No que tange à infância e à adolescência, as concepções dos maus- -tratos vinculam-se à forma de entendimento revelada pelos interlocuto- res acerca daquelas construções. Consequentemente, tal entendimento orienta os padrões relacionais vivenciados com a “criança” e com o “ado- lescente” nos mais diferentes espaços sociais. Em contraposição a tal ten- dência, a literatura relacionada à emergência de “uma sociologia da in- fância”, tanto de língua inglesa, quanto de língua francesa, exibe pontos consensuais, dentre os quais a consideração das crianças, e aqui se estende aos adolescentes, como atores sociais em sentido pleno. (SIROTA, 2001)

Nas instâncias focadas nesta pesquisa tal concepção de infância e de adolescência não predominou nos discursos dos profissionais. As falas

pouco referiram elementos que apontariam para concepções de infância e de adolescência próximas à descrita anteriormente; ou mesmo, pouco se ouviu falar explicitamente de crianças e adolescentes enquanto sujei- tos plenos. Conforme analisado neste estudo, oscilações e ambiguidades marcaram as concepções de infância e adolescência, dentre as quais se des- tacam aqui aquelas que sugerem domínio e submissão, entremeados com sentimentos de cuidado e/ou de proteção.

Em relação às instituições, a partir deste estudo, as recomendações cabíveis aos serviços abordados despontam em duas perspectivas afins: aquelas que se centram dentro dos mesmos, através de reformulações in- ternas; e aquelas que as transcendem em direção aos espaços de socializa- ção das experiências institucionais.

Internamente, sugerem-se algumas estratégias viáveis do ponto de vista da execução, sobretudo, ao considerar que as mesmas exigem mais dos recursos humanos já presentes nas instituições do que aqueles de ou- tra ordem. A primeira das estratégias se refere ao fortalecimento do senso de colaboração no processo de trabalho, ou seja, à primazia das decisões e condutas de equipe em detrimento daquelas de caráter individual. Vale salientar que a mesma sustenta-se no pressuposto de que a abordagem sobre os casos de violência, dada a sua complexidade, torna-se tanto mais coerente e efetiva, quanto mais analisada a partir de diferentes visões so- bre a questão.

A partir desta lógica, outra importante estratégia perpassa a neces- sidade de formação permanente destes profissionais. Neste ponto, três possibilidades se anunciam exequíveis, a saber: a priori, a própria adoção de uma metodologia de trabalho pautada na cooperação permite um con- texto de compartilhamento de habilidades; em segundo, os investimen- tos na formação continuada podem ser vislumbrados na própria dotação orçamentária das instituições, como bem orienta e respalda a Política de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências (BRASIL, 2001), através de cursos adequáveis à rotina de cada contexto; e, finalmente, as ações de capacitação podem emergir das iniciativas de cooperação inte- rinstitucional, e aqui se vislumbraria os espaços de socialização das experi- ências institucionais com vistas ao aprimoramento das intervenções sobre a problemática.

Adotando-se tal perspectiva se reforçaria a intersetorialidade das ações essencial ao fomento de uma rede de prevenção à violência, com-

posta por diversos espaços de convergências, sendo reforçado o papel de cada instância da rede de atenção. Ademais, revertem-se de importância também por representar uma contratendência aos vícios de fragmentação e isolamento das instituições, bem como por se confrontar às disposições a considerar os atos violentos competências exclusivas da segurança públi- ca. Ao contrário, e por isso contemplá-los como uma importante recomen- dação, estes cenários podem reforçar a responsabilidade do setor saúde, consideradas as suas potencialidades e posições, na defesa e garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes.

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Crianças no âmbito escolar: