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O agressor sexual pode não deixar indício nenhum dos seus atos transgressores em seu comportamento público. O abusador de criança pode ser qualquer um em qualquer lugar, sem distinção de classe social, cor ou religião. Pode ser o morador de rua ou o político mais bem su- cedido. Assim, na rua ou dentro da própria casa, crianças e adolescentes podem ser alvos desses indivíduos. (SALTER, 2009)

No dia 18 de maio de 2011, o Disque 100, serviço mantido pela Se- cretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, divulgou que entre 2003 e março de 2011, 52 mil denúncias de violência sexual (abuso e exploração comercial) contra crianças e adolescentes foram realizadas em todo país, sendo 80% das vítimas do sexo feminino. Vale atentar para o fato de que tais números são relativos, tendo em vista que esta é uma prática delituosa pouco denunciada por diversas razões, dentre elas o fato de a sexualidade humana ainda ser um tabu.

A vítima da violência sexual se encontra duplamente vitimizada, em outras palavras, além da agressão sexual sofrida, ainda é submetida, mui- tas vezes, a uma rede de silêncio e impunidade. Os fatores que dificultam o rompimento do silêncio são os mais diversos. Observam-se, em muitas situações, agressores intimidadores que, comumente, tentam incutir na criança sentimentos de culpa e medo (de recriminação ou punição), além de ameaçá-la. De outro lado, a vítima experimenta sentimentos de vergo- nha de relatar o acontecido ou teme não ser acreditada. Nos casos de abuso sexual extrafamiliar em que os agressores são conhecidos da vítima ou da família, a quebra do silêncio pode ser dificultada pela relação afetiva que abusador mantém com a criança ou com seus familiares.

Nos casos em que aparecem vítimas do sexo masculino, destaca-se também o fato de que muitos se abstêm de notificar o abuso sexual, devi- do ao medo e à vergonha de serem rotulados como homossexuais (quando o agressor é homem), o que ainda é visto com bastante preconceito pela sociedade.

Sebold (1987) aponta como uma das principais causas para o baixo nível de notificação de violência sexual contra meninos, a associação pre- sente no imaginário coletivo entre o abuso sexual e a homossexualidade, o que implicaria sentimentos de vergonha para a vítima e seus familiares, bem como preocupações com atitudes de ordem homofóbicas dirigidas à criança. As razões para a subnotificação são complexas e demandam in- vestigações para que sejam mais bem compreendidas. Possivelmente, o estigma social associado à homossexualidade, ao incesto e ao abuso da criança do sexo masculino contribua para a alta ocorrência de não registro e inserção dos casos na esfera pública.

Por outro lado, nas matérias veiculadas pelos jornais que se constitu- íram objeto de análise deste trabalho, identificam-se algumas situações em que meninos são as vítimas preferenciais de violência sexual e os acusados da agressão são pessoas de referência na vida comunitária, a exemplo de professores, líderes religiosos e vizinhos.

Um professor da rede pública da cidade de Barreira (74 km de Fortale- za) foi preso, ontem, naquele município por policiais civis da Delegacia de Redenção. O acusado, identificado como J. E. R. S., 30, estava sendo investigado sob a suspeita de explorar sexualmente seus alunos, garotos com idades entre 13 e 15 anos. (PROFESSOR..., 2009)

Com relação a este episódio, a matéria ainda detalha que um compact disc contendo fotos do professor em ato sexual com garotos circulou na cidade e estava entre as provas disponibilizadas à investigação da delegada da localidade.

Outro exemplo relativamente à abordagem da violência sexual con- tra meninos pelos veículos da imprensa estudados trata-se de caso aconte- cido na Bahia, cujo desfecho do tratamento do caso pelo sistema de justiça criminal foi noticiado em 2009. A matéria abordou a condenação por 10 anos e 10 meses do pároco do município de Ichu, D. M., 49 anos, por “atentado violento” e “corrupção de menores”, crimes cometidos contra quatro adolescentes, residentes na mesma localidade onde o padre traba-

lhava, durante os anos de 2005 e 2006. Por outro lado, na matéria, há ainda referência a movimentos populares em solidariedade ao acusado, com des- taque para a vigília de moradores na frente do complexo policial durante a madrugada. (RODRIGUES, A., 2009)

Outra face da problemática da vitimização sexual de meninos desta- cada nas matérias em estudo diz respeito à ênfase nas alterações no com- portamento da criança após as agressões sexuais. No caso a seguir, são alu- didas consequências das lesões físicas resultantes das sevícias bem como atitudes reveladoras de desconforto psicológico:

‘Notei que ele estava andando diferente, não conseguia sentar, cuspia muito, como se tivesse nojo da própria boca. Conversei sério e ele acabou contando sobre os abusos sexuais que vinha sofrendo. Ele tinha medo de falar para a mãe, por causa da ameaça. Mas, como o acusado não fez ameaças contra mim, ele achou que não havia perigo em me dizer’, diz a mulher, que encabeçou a denúncia contra o mais recente caso de pedofilia descoberto em Pacatuba. (LOBO, 2009)

Sobre este aspecto evidenciado pela mídia, cabe salientar que os danos psíquicos resultantes da violência sexual podem produzir efeitos devastadores para a saúde mental e para a reinserção social da vítima. (DREZETT, 2004) As vítimas e familiares arcam com o ônus da situação em si e, não raramente, no âmbito das instituições públicas, as crianças são esquecidas em suas necessidades de superação do trauma, sendo em inúmeras circunstâncias expostas a relembrar os fatos desagradáveis que vivenciaram.

Além destes elementos, outro componente que perpassa a cober- tura jornalística sobre violência sexual contra crianças e adolescentes nos meios estudados diz respeito ao emprego genérico do termo “pedofilia” para denominar crimes sexuais e modalidades de violência sexual contra crianças e adolescentes.