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Este trabalho tem por objetivo intentar sair das generalizações - que mais ocultam do que esclarecem acerca da construção da infraestrutura viária do país - ao afirmarem a ausência de aperfeiçoamento, construção e conservação em estradas e pontes no Brasil oitocentista, especificamente, na província de Minas Gerais. Pretende-se revelar os atores, os contatos, os confrontos, as disputas, os modos de execução, e, sobretudo, a singular participação de engenheiros, ao longo do século XIX, no interior da administração provincial no âmbito das edificações de pontes e estradas.

Com o presente trabalho propõe-se demonstrar o papel dos engenheiros na evolução dos saberes científicos e técnicos do século XIX. Os estudos precedentes deixaram em aberto inúmeros problemas e os resultados alcançados por esses trabalhos não oferecem respostas adequadas sobre o universo construtivo de pontes e estradas. Portanto, o estudo das origens dos formados, das modalidades de recrutamento, as carreiras, a análise do discurso dos engenheiros e as estratégias profissionais são abordagens sociológicas importantes, mas ainda insuficientes para reconhecer a utilização da matemática, instrumentos científicos e reconstituir os critérios de racionalidade, tendo em vista que a racionalidade dos engenheiros e da engenharia não é monolítica e é comandada pelas contradições que a própria engenharia tenta ultrapassar (PICON, 1992, p. 19).

No primeiro capítulo tenta-se estabelecer novas perspectivas para o estudo da Engenharia e dos engenheiros a partir de uma abordagem que privilegia o aspecto técnico e tecnológico inerente às atividades de construção, projeção orçamentária e conservação de pontes e estradas em Minas Gerais. Ou seja, as seções do primeiro capítulo visam abordar (i) a tecnologia dos transportes de pontes e estradas no século XIX, tendo como foco mensurar a participação de engenheiros na administração provincial; (ii) os limites da política pública dos transportes em Minas Gerais no século XIX; (iii) mensurar a atuação de engenheiros na identificação de rotas comerciais em diferentes regiões e na formação de uma “hierarquia” de estradas e pontes.

Deve-se ter presente que o trabalho tem como recorte temporal o período de 1835 a 1889. A seleção do marco inicial é justificada pelo surgimento e a definição das atribuições técnicas e administrativas da Inspetoria Geral de Estradas dentro da estrutura organizacional da província de Minas Gerais, bem como a promulgação das diretrizes do plano viário regional de 1835 e o marco final pela desagregação do Império e o advento da República:

As decisões em engenharia sofrem influência das condições políticas e sociais vigentes em cada época. Assim, elas não se diferenciam de decisões tomadas em outras áreas, dentro de um determinado contexto histórico, social e econômico. Embora os engenheiros conheçam bem os aspectos técnicos que devem nortear um projeto, eles não estão livres de outros fatores externos à engenharia e que também influenciam projetos. Dessa forma, todas as obras de engenharia são influenciadas pela história, cultura, política e outros aspectos humanos, além daqueles puramente técnicos (PETROSKI, 2008, p. 157).

A documentação acumulada pela província de Minas Gerais referente aos processos de pontes e estradas, que se encontra sob a guarda do Arquivo Público Mineiro, constitui uma riquíssima fonte para a análise das práticas de construção, conservação e reparos.

Tabela 3 – Distribuição de caixas e documentos, segundo os processos construtivos (1840-1889)

Tipo de Processo Total (inventariados) Caixas Documentos % % Estrada 27 50,9 8.979 37,3 Ponte 26 49,1 15.084 62,7 Total 53 100 24.063 100

Fonte: Banco de dados dos processos de construção de pontes, 1840-1889.

Levando em consideração os aspectos técnicos e tecnológicos que envolveram tais práticas, acredita-se que esta documentação traz à tona elementos-chave do papel da engenharia e dos engenheiros na formação da infra-estrutura viária. Ora aperfeiçoando-a e, em outros momentos, revelando suas fragilidades e limites no século XIX.

Tais processos de pontes e estradas abrangem 49 anos do período imperial e foram consubstanciados em um banco de dados desenvolvido pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG/Cedeplar) no Núcleo de Pesquisa em História Econômica e Demográfica.

A pioneira tese, “Tropas e ferrovias em uma província não-exportadora” (2011), defendida pela historiadora Lidiany Silva Barbosa, lançou as bases metodológicas para a abordagem dos Processos de Construção de Estradas e os Processos de Construção de

Pontes. Barbosa, através de um extenso levantamento crítico e quantitativo, analisou os

seguintes itens: i) perfil da documentação; ii) perfil regional das obras viárias provinciais (pontes e estradas); iii) evolução das intervenções públicas viárias; iv) tipos de intervenções públicas viárias (BARBOSA, 2011, p. 211).13 Os Processos de Construção de Estradas e

Pontes estão distribuídos em 53 caixas no Arquivo Público Mineiro. Deste montante, 27

13

BARBOSA, Lidiany S. Tropas e ferrovias em uma província não-exportadora. Estado, elites regionais e as

contradições da política de transportes no início da modernização – Minas Gerais, 1835-1889. Rio de Janeiro:

caixas remetem a estradas (Caixa 2 a 28) e o restante, 26 caixas, referem a pontes (Caixas 32 a 57). As 53 caixas abrangem o impressionante universo de 24.063 documentos, que abarcam o período de 1840 a 1889. Uma média anual de 500 documentos (Ibidem, 2011, p. 213).

Tabela 4 - Distribuição quinquenal e decenal dos documentos dos Processos de Construção de Estradas e Pontes, Minas Gerais, 1840-1889

Quinquênio Documentos Decênio Documentos % % 1840-1844 109 0,5 1840-1849 285 1,3 1845-1849 176 0,8 1850-1854 1.496 6,6 1850-1859 5.088 22,4 1855-1859 3.592 15,8 1860-1864 2.432 10,7 1860-1869 4.525 19,9 1865-1869 2.093 9,2 1870-1874 3.731 16,4 1870-1879 6.623 29,1 1875-1879 2.892 12,7 1880-1884 3.418 15,0 1880-1889 6.224 27,4 1885-1889 2.806 12,3 Total 22.745 100,0 Total 22.745 100,0

Fonte: BARBOSA, Lidiany S. Tropas e ferrovias em uma província não-exportadora. Estado, elites regionais e as contradições da política de transportes no início da modernização – Minas Gerais, 1835-1889. Rio de

Janeiro: IFCS/UFRJ. Tese de Doutorado, 2011, p.243.

O estudo se debruçou sobre a ação do Estado e dos agentes privados na execução de pontes e estradas, bem como evidenciou a evolução orçamentária dos cofres municipais e do governo provincial. Acrescenta-se a isso, a análise das proposições elaboradas pelos deputados provinciais mineiros sobre os modais ferroviário e rodoviário. Segundo Lidiany S. Barbosa, a elite provincial, atuante na Assembléia de Minas Gerais, promoveu uma relativa desarticulação dos transportes tanto pela presença de fortes apelos regionalistas quanto pela opção ferroviarista, revelando “incapacidade de pensar a província como unidade e, também,

de estabelecer infra-estrutura de transportes funcional às necessidades da economia mineira. Aqueles que discordaram, realizaram prognósticos negativos sobre o desenvolvimento ferroviário (...)” (Ibidem, 2011, p. 305).

A tese baseia-se em uma análise amostral da documentação, já que a codificação do

Banco de Dados dos Processos de Pontes e Estradas alcança cerca de 40% dos mais de

24.000 documentos.

O universo amostral de 9.386 documentos revelam que mais de um terço da autoria da documentação foi postulada pela Secretária de Obras Públicas, a Fazenda e a Presidência, ambas vinculadas ao poder provincial. Outros 19,9% das missivas remetem à autoria de

representantes municipais (câmara municipal, vereadores e secretários da câmara). Os arrematantes e congêneres (procuradores e fiadores) conjugam 16,8% da documentação amostral analisada. Nota-se a presença como autores das missivas de juízes de paz, juízes municipais, delegado e subdelegados de polícia, párocos e vigários. Os engenheiros provinciais contabilizavam participação autoral, em termos percentuais, de 20,4% das correspondências. O referido percentual equivale a 2.089 documentos da totalidade da referida amostragem:

A história da Secretária de Obras Públicas da província e a história da atuação dos engenheiros no século XIX em Minas Gerais estão enfeixadas. Como demonstra a legislação exposta e analisada (...), a neófita estrutura administrativa voltada para as obras públicas não ficou imune à presença dos engenheiros. A atuação desses profissionais incrementou-se no transcurso do século XIX e refletiu-se em tentativas de normatização dos aspectos técnicos das construções públicas, bem como no ganho de prestígio social por parte do engenheiro. Os Processos mostram que, no cotidiano das intervenções, esses profissionais foram bastante atuantes no cumprimento de suas funções. A institucionalização da instância responsável pelas obras públicas provinciais e o concomitante processo de profissionalização dos engenheiros provinciais estão espelhados na tendência de crescimento da correspondência da agência e de seus agentes. Estes que, juntos, respondiam entre as décadas de 1850 e 1880 por, respectivamente: 36,4%, 29,8%, 42,5% e 46,8% . No último decênio do período imperial, a

Repartição e seus engenheiros enfeixavam a autoria de quase que metade de toda correspondência, com a concomitante redução da participação de outros autores-atores ( BARBOSA, 2011, p. 270).

Tabela 5 - Distribuição decenal, segundo a autoria da correspondência dos Processos de Construção de

Estradas e Pontes, Minas Gerais, 1840-1889

Grupos 1840-1849 1850-1859 1860-1869 1870-1879 1880-1889 Total % % % % % % Engenheiros provinciais 7 8,6 336 18,8 316 18,3 540 21,4 509 22,4 1.708 20,4 Arrematantes e congêneres 23 28,4 265 14,8 298 17,3 341 13,5 451 19,9 1.378 16,4 Autoridades municipais 5 6,2 423 23,7 477 27,6 512 20,3 272 12 1.689 20,1 Repartição de Obras Públicas 6 7,4 315 17,6 198 11,5 532 21,1 554 24,4 1.605 19,1 Fazenda Provincial 2 2,5 210 11,7 224 13,0 263 10,4 246 10,8 945 11,3 Presidência da Província 0 0,0 101 5,6 68 3,9 149 5,9 52 2,3 370 4,4 Outras funções públicas 21 25,9 22 1,2 28 1,6 42 1,7 67 2,9 180 2,1 Outras autorias 10 12,3 11 0,6 33 1,9 11 0,4 11 0,5 76 0,9 Outros atores em obras viárias 7 8,6 105 5,9 84 4,9 129 5,1 110 4,8 435 5,2 Total 81 100 1.788 100 1726 100 2.519 100 2.272 100 8.386 100

Fonte: BARBOSA, Lidiany S. Tropas e ferrovias em uma província não-exportadora. Estado, elites regionais e as contradições da política de transportes no início da modernização – Minas Gerais, 1835-1889. Rio de

Janeiro: IFCS/UFRJ. Tese de Doutorado, 2011, p. 272.

A autoria reflete o lugar proeminente alcançado pelos engenheiros provinciais na dinâmica dos processos construtivos de pontes e estradas (Ibidem, 2011, p. 256/257). Com base no universo amostral, dentre os inúmeros engenheiros, que ocuparam o cargo de engenheiro provincial, se destaca Bruno Von Sperling (autor de 462 correspondências), Modesto de Faria Bello (149 missivas), Francisco Eduardo de Paula Aroeira (117 documentos), Antonio Olinto de Almeida Gomes (110 correspondências) e Cândido José Coelho (99 documentos).14 A participação quantitativa de determinados engenheiros relaciona-se com o período de permanência na função de engenheiro da província de Minas Gerais, como se verificará adiante:

A elaboração de orçamentos, projetos, plantas e cronogramas executivos se realizavam sob os auspícios dos técnicos da Secretária. No transcurso do período imperial e do início da modernização do país, nota-se que a autoridade técnica dos engenheiros, crescentemente, passou a municiar os parâmetros das obras, em todas as dimensões que exigiam, ou melhor, se resolveriam por meio de conhecimento de extração acadêmica. Os engenheiros eram, portanto, os provedores da técnica. (...) A ascensão de cânones técnicos a presidirem a avaliação das intervenções na infra-estrutura viária representou a abertura de vasto campo para questionamento e, crescentemente, invalidação de sistemas construtivos empíricos. (...) A execução orçamentária, pagamentos e repasses associadas a etapas realizadas e, principalmente, à conclusão das obras, e em medida ascendente condicionados à chancela dos técnicos, se constituía em campo de elevado interesse da iniciativa privada. Assegurar a apropriação de recursos públicos, parcial ou integralmente, legitimada pela função social das obras realizadas, se constituía, muito provavelmente, no objetivo maior dos empreendedores particulares (Ibidem, 2011, p. 294/295).

Analisar a construção de pontes e estradas é um esforço em redefinir a correlação das atividades produtivas e a circulação de mercadorias e pessoas; as transformações técnicas empreendidas na construção das vias; compreender como e quando foram construídas as estradas e pontes, assim como perceber os problemas relacionados à escolha do traçado, conservação e administração das vias de comunicação:

Na edificação da infra-estrutura viária provincial operaram agentes públicos (engenheiros, desenhistas, etc.) e privados (arrematantes, conservadores, etc.) e o estudo da legislação provincial mostrou como foi crescente a interferência do Estado na normatização das intervenções. A Secretária de Obras Públicas começou a agir cada vez guiada por parâmetros técnicos e ainda absorvendo técnicos (engenheiros) na sua estrutura. Os engenheiros são os atores que melhor representam o aumento do caráter normatizador da agência. Já que, por meio da atuação desses profissionais, buscou-se aferir a necessidade e qualidade das obras (...) (Ibidem, 2011, p. 303).

14 Segundo Lidiany Silva Barbosa, com base na análise amostral (39% da documentação total), o elevado fluxo de correspondências remetidas à Presidência da província (56,8%) era resultante do alto grau de centralização administrativa. Outros 32,6% da documentação eram endereçados à Secretária de Obras Públicas. Somados as respectivas missivas remetidas às duas instâncias provinciais totalizavam um percentual de 89,5% (Ibidem, 2011, p. 258).

Gráfico 2

Fonte: Banco de dados dos processos de construção de pontes, 1840-1889. Gráfico 3

Fonte: Banco de dados dos processos de construção de estradas, 1840-1889. Gráfico 4

Através dos gráficos 1, 2 e 3, nota-se uma sincronia nos movimentos de ascensão e queda da produção de documentos de pontes e estradas. Embora seja perceptível a superioridade dos documentos concernentes às pontes, mormente a partir de meados da década de 1850 até 1889. Diante disso, cabe o seguinte questionamento: o que a superioridade quantitativa de pontes em relação às estradas revela sobre a infraestrutura viária de Minas Gerais? Pode-se afirmar que tal superioridade demonstra que, provavelmente, as dificuldades e os custos de construção e conservação de estradas oneravam sobremaneira os cofres provinciais e, em momentos em que a província se encontrava em dificuldades orçamentárias, as pontes eram as primeiras a terem suas construções e/ou conservações realizadas em vista do menor custo em comparação com as estradas. Decorrente de tal argumentação alcança-se outra assertiva: existiam em Minas Gerais pontes sem estradas. Acrescenta-se a este argumento o fato de que a hidrografia e o relevo de Minas Gerais com extensas bacias e seus respectivos afluentes certamente tornaram as pontes imprescindíveis para a circulação de bens e pessoas, tornando- as prioridade perante as estradas. Ao longo da dissertação, pretende-se apresentar outros fatores que contribuíram para a preponderância de pontes em detrimento das estradas a fim de evitar-se a ilusão dos números, visando, dessa forma, matizar outras relações sociais e econômicas:

A história social está, assim, intimamente ligada às disciplinas vizinhas, senão e estreitamente dependente delas: demografia e história econômica, de modo especial. Isto não significa que seja disciplina síntese, como alguns afirmaram. Apoiando-se largamente sobre os dados quantitativos, fornecidos pela demografia e pela história econômica, a história social os repensa e os supera. Não as pesquisa por seu valor intrínseco, mas por sua significação humana e sua importância social. Aos dados brutos, sem vida, ela prefere os relativos às diferenças sociais. Mais do que às taxas brutas de natalidade e mortalidade, ela se prende aos números diferenciadores: a historia social destaca o fato que se nasce mais ou se morre menos em determinado grupo social ou profissional (...). O historiador não deve ser levado por sua certeza enganadora, nem por sua precisão aparente. Os resultados obtidos estatisticamente possuem apenas um valor aproximativo; sugerem uma ordem de valores e se esclarecem por comparação; são preciosos para os antagonismos que explicitam entre as diferentes categoriais sociais pelas especificidades de tempo e de lugar que revelam entre as diversas sociedades (SOBOUL, 1968, p.182).

Para Tamás Szmrecsányi, o século XIX encadeou significativas modificações nas relações entre o desenvolvimento técnico, o científico e o econômico. A singularidade desse século está na consolidação e gênese de uma nova forma de produção e interação entre os conhecimentos científicos e técnicos. Transformações nos planos institucionais, notadamente no papel das universidades, que tornaram engenheiros em profissionais com relativo grau de aperfeiçoamento técnico e profissional, repercutiram nas práticas de leitura e da escrita

científica, que adotou formas distintas de divulgação como os periódicos especializados, os manuais e as obras de vulgarização (SZMRECSÁNYI, 2001):

Se as relações entre ciência, tecnologia e economia tornaram-se finalmente visíveis no decorrer do século XIX, isto decorreu, em parte, da transformação das ciências e das técnicas em atividades sociais autônomas e diferenciadas, exercidas de maneira cada vez mais integrada e contínua por agentes devidamente especializados – os cientistas e os engenheiros – cujas funções passam a ser socialmente reconhecidas e remuneradas. É claro que este fenômeno não teve a mesma amplitude, as mesmas características, o mesmo ritmo em cada país ou, no interior de um mesmo país, em cada disciplina científica ou tecnológica (Ibidem,

2001, p. 171).

Ao longo do século dezenove, novos vínculos foram criados entre o desenvolvimento técnico e o científico como se evidencia no desenvolvimento do telégrafo elétrico decorrente dos conhecimentos da física sobre a eletricidade e nas experiências eletromagnéticas de Michael Faraday (1791-1867) que possibilitaram o surgimento do dínamo e da indústria de máquinas elétricas (Ibidem, 2011). As aplicações práticas resultantes da interação entre a ciência e técnica, por exemplo, a iluminação a gás, o telégrafo e as estradas de ferro transformaram as ciências e as técnicas em símbolos de poder, de riqueza e de modernidade (Ibidem, 2001, p. 170/174).

Em 1845, Friedrich Engels, ao analisar as transformações ocorridas na primeira metade do século XIX, retratou a ampliação das comunicações no Império Britânico, sobretudo, na Inglaterra, com a construção de quilômetros de estradas, canais e pontes em fins do século XVIII e no início da centúria seguinte. Avaliou a importância da construção de canais a partir de 1755, a construção e navegação de barcos a vapor, a restauração de antigas estradas conforme o novo sistema MacAdam, a expansão da produção de ferro, através da técnica denominada “puddling” e, conjuntamente, o aumento do uso do ferro nas construções de pontes, sendo a primeira ponte de ferro erguida na década de 1770 (ENGELS, 2010, p. 55/59):

Foi sobretudo a produção de ferro que cresceu. Até então, as ricas minas de ferro inglesas eram pouco exploradas; o mineral do ferro era sempre fundido com carvão vegetal, que – em virtude da expansão da agricultura e da devastação dos bosques – tornava-se cada vez mais caro e escasso; somente no século passado começou-se a empregar para esse fim o carvão mineral (coke) e em 1780 descobriu-se um novo método para transformar ferro fundido com carvão mineral em ferro também utilizável para a forja (antes só empregado como ferro fundido). Com esse método, que consiste em extrair o carvão misturado com o ferro no processo da fusão e que os ingleses chamam de puddling abriu-se todo um novo campo à produção inglesa de ferro. Foram construídos altos-fornos cinquenta vezes maiores que os precedentes, simplificou-se a fusão do mineral com a ajuda de foles de ar quente e assim foi possível produzir ferro a um preço tão baixo que uma grande quantidade de objetos, antes fabricados com madeira ou pedra, passou a ser feita com ferro. Thomas Paine, o celebre democrata, construiu no Yorkshire a primeira ponte de ferro, a que se seguiram inúmeras outras, de tal modo que atualmente quase todas as pontes, sobretudo as ferroviárias, são de ferro fundido e em Londres até existe uma ponte (a de Southwark) sobre o Tâmisa fabricada com esse material; o uso do ferro está se generalizando na produção de pilares e de suportes

para máquinas etc. e, com a introdução da iluminação a gás e as ferrovias, abriram-se novos espaços para produção inglesa de ferro (Ibidem, 2010, p. 55).15

Engels, por sua vez, não tinha por objetivo analisar a infraestrutura viária do seu tempo, uma vez que se interessava em debruçar-se sobre “o fruto mais importante dessa revolução

industrial (...) é o proletariado inglês” (Ibidem, 2010, p. 59). Contudo, revela a singularidade

e importância adquirida dos transportes no século XIX. Diante das transformações econômicas e sociais demonstra que o pequeno evento de construção de uma ponte ou estrada possui elementos que interagem com novos materiais, a descoberta de novas fontes de energia e o aperfeiçoamento da técnica de produção de ferro.

Nathan Rosenberg e Walter G. Vincenti (1978) analisaram, em The Britannia Bridge:

The generation and diffusion of technological knowledge, os problemas enfrentados pela

Engenharia e engenheiros durante a expansão do sistema ferroviário britânico no século XIX, que empregava, em 1847, 257.000 homens na construção de 6.455 milhas férreas. Construir pontes, certamente, é uma das estruturas mais antigas realizadas pelos homens. No entanto, no segundo quartel do século XIX, a rede ferroviária exigiu a construção de pontes com extensos vãos e de estruturas com capacidade para suportar o peso e vibrações das mesmas. Nesse sentido, a construção de uma ponte sobre o estreito de Menai com a finalidade em atender o avanço ferroviário representou desafio singular para a engenharia e os engenheiros Robert Stephenson e William Fairbairn. A vertiginosa expansão férrea do Império Britânico fez com que problemas sem precedentes surgissem na Engenharia. No caso do estreito de Menai, o descarte da construção de uma ponte com o design tanto em arco quanto em forma estrutural de uma ponte suspensa (figura 1) acentuaram as dificuldades e induziram a procura por uma solução.

15 Segundo a nota da edição do livro, Engels comete um erro factual e de localização geográfica acerca da primeira ponte de ferro: (...) pequeno erro factual de Engels: a ponte projetada por Paine, com elementos

fundidos em Rotherham (Yorkshire), não foi construída nessa região; efetivamente, a primeira ponte de ferro do Yorkshire data de 1779 (sobre o Severn, em Coolbrookdale) (Ibidem, 2010, p. 55).

Figura 1 – Perfil da Ponte Suspensa de James Finley – 1810

Fonte: Port Folio, n.s. 3 (june 1810), p. 441 apud KRANAKIS, Eda. Constructing a bridge: an exploration of engineering culture, design, and research in nineteenth-century France and America. Cambridge: MIT Press,

1997, p. 35.

Nota-se, que, em 1826, no mesmo estreito, Thomas Telford já havia construído uma

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