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provincial Franklin Massena. Escala em palmos (0.m01=1 palmo)

Fonte: APM, SPOP 3-3, Caixa 2, doc. 06.

2.2. Da legislação à execução: a normatização das relações entre o Estado e o universo privado

Na década de 1850, a legislação aprovada pelo governo autorizou a concessão de privilégios para que empresários arrecadassem taxas nas pontes. Os empresários ou Companhias teriam o privilégio pelo período mínimo de 10 anos e máximo de 40 anos (LLM, 1851, Lei n. 540, art. 5°).69

Art. 1° O presidente da província fica autorizado a contractar com quaesquer empresários, ou Companhias a construcção de pontes sobre os rios mais consideráveis da província, e a abertura de estradas de um e outro lado destas pontes, quando forem indispensáveis para a facilidade do trânsito, e de reconhecida conveniência pública.

Art. 3° Aos empresários, ou Companhias o Governo concederá privilégio exclusivo para arrecadarem nas pontes, que fizerem, e conforme o espaço de tempo contractado, as taxas

69 Na década de 1850, os relatórios de presidente de província revelam uma especial atenção na distribuição das verbas públicas com a edificação de pontes e estradas. Para o poder provincial os recursos deveriam ser aplicados em obras subordinadas a um plano geral pautada pelos grandes interesses da província (Relatório de presidente de província, 1852, p. 16). Não bastava apenas conhecer as necessidades e autorizar as despesas, a maior dificuldade consistia em obter plantas e orçamentos para servir de base às deliberações legislativas. A presença de engenheiros evitaria o dispêndio de dinheiro público com gastos imprevistos e diminuiria o cometimento de erros. Aos engenheiros caberia a fiscalização da construção de pontes e estradas para que os arrematantes e administradores se submetessem às condições previamente planejadas e impostas nas condições dos contratos celebrados com a província (Relatório de presidente de província, 1856, p. 7).

seguintes: § 1° de cada pessoa a pé, 20 réis. § 2° de cada pessoa a Cavallo, e pode cada um animal carregado, 120 réis. §3° De cada animal cavallar, vaccum, ou muar, indo tocado, 60 réis. §4° De cada ovelha, cabra ou porco, 20 réis. §5° De cada carro, comprehendendo os animaes que o puxarem até o número de dez, 800 réis. $6° Quando o carro for puxado por mais de 10 animaes, padar-se-há da taxa estabelecida no § antecedente, a que está marcada no §3° por cada um animal que exceder ao número de dez. §7° As taxas dos § 3° e 6° serão dobradas, quando os carros ou quaesquer outros vehiculos conduzirem madeiras a rasto. Art. 4° Nos pontes de difícil, e mais dispendiosa construcção e naquellas, que exigirem aberturas de estradas, poderão ser elevadas as taxas às seguintes: a do § 1° a 40 réis, a do §2° a 140 réis; e do 3§ a 120 réis, a do § 4° a 30 réis, a do §5° a 900 réis, a do §6° ao duplo da fixada no §3° do artigo antecedente, a do §7° ao dobro do estabelecido no artigo §7° do art.3° (Livro da Lei Mineira, 1851, Lei n. 540, Art. 1°, 3° e 4°)

Apesar das vantagens ofertadas pela Lei n. 540, as concessões nos termos da mencionada lei não atraíram a formação de empresas. Em 1857, lamentava-se que poucas pontes foram edificadas com base nas benesses garantidas pela Lei n. 540. Alentava a administração provincial a esperança de que o profícuo resultado das obras em andamento com base nos benefícios da Lei n. 540 pudesse alavancar a organização de empresas para edificação de pontes:

É para lastimar que as vantagens concedidas por esta providente lei, à bem quer dos interesses da Província, quer dos empresários, não tenhão sido convenientemente apreciadas; de sorte que estando promulgada desde 1851, mui poucas tem sido as empresas levantadas em virtude d’ella. É porém de esperar-se que o bom resultado dessas mesmas que existem, desperte e anime a organização de outras, como muito convém (Relatório de Presidente de

Província, 1857, p. 23).

Em 1853, a província legislou sobre a contratação de companhias, empresas nacionais ou estrangeiras para a construção de estradas. A lei n. 628 autorizava a garantia de juros de cinco por cento sobre o capital empregado na construção, assim como privilégio de anos e a tributação sobre a circulação: “privilégio exclusivo até 50 anos para o transporte de cargas,

ou diligências, nas estradas que construirem, ou apropriarem à esse trânsito. A cobrança e percepção de taxas itinerárias pelo uso das referidas estradas” (LLM, 1853, Lei n. 628).

Portanto, o esforço normativo para regular as concessões públicas, no âmbito construtivo de pontes e estradas, garantiu aos particulares o privilégio de anos, os rendimentos tributários provenientes da circulação e, no caso das estradas, concedeu juros de 5% sobre o capital empregado.

Assim, fazendeiros propuseram a construção de uma ponte sobre o Rio Preto mediante a concessão de privilégio de arrecadação pelo período de 30 anos. Os fazendeiros estimavam o custo da obra em 21:522$000 réis. Esse valor, por sua vez, seria arcado integralmente por particulares:

Os fazendeiros Joaquim de Paula Sousa, Francisco de Assis Alves, José de Barros Monteiro, Ildefonso Monteiro de Barros e José Bernardino de Barros, proposerão-se à levar a efeito a construção desta ponte mediante a concessão do privilégio de arrecadarem por espaço de 30 anos as taxas do art. 3° da Lei n. 540. (...) Acha-se portanto a ponte em construção, tendo ficado adiada a solução da proposta apresentada por aqueles cidadãos no sentido de obterem privilégio, para depois da conclusão da obra, e quando esta presidência se houver habilitado com mais amplas informações a respeito (Relatório de Presidente de Província, 1860, p. 48).

Essas informações seriam prestadas pelo engenheiro da província. Havia um espaço de negociação entre a administração pública e os particulares. Esses pressionavam o Estado em um jogo de barganha. Alicerçados sob o aparato jurídico provincial e pela fragilidade de ação do Estado em um território extenso, a reunião de esforços desses particulares para edificar uma ponte revelam não somente a existência de uma generosa concessão de anos para amortizar o investimento particular em uma obra pública, mas também a ausência de engenheiro para conceber e orçar a referida obra. Nos mesmos moldes, em 1857, Antonio Rodrigues Barbosa e Manoel Soares de Oliveira construíram uma ponte sobre o Rio São Francisco, no lugar denominado Porto do Motta, e se beneficiaram da concessão do privilégio de 20 anos para arrecadação das taxas previstas na Lei n. 540 (Relatório de Presidente de Provincia, 1857, p. 23):

Este importante ramo de serviço público não tem estado em descuido, sendo uma das mais palpitantes necessidades da Província, merece toda atenção. Porém em uma superfície imensa como é a de Minas, com povoações disseminadas em grandes distâncias umas das outras, qualquer que seja a solicitude da Administração, não basta. Não podemos ter estradas construídas segundo os sistemas perfeitos; falecem os meios: as que temos atravessando em grande parte serras e lugares montuosos, e não podendo ser empedradas, porque exigirão sommas superiores aos nossos recursos, são menos más durante a estação seca, e de difícil e laborioso trânsito no tempo das águas. É necessário reparal-as anualmente e consumir nesse trabalho constante avultadas sommas, que ainda assim não sendo suficientes para todas elas, obrigão a atender com preferência as que se dirigem aos centros mais povoados (Relatório de

Presidente de Província, 1861, p. 17).

Além disso, é notória a participação de particulares seja em subscrições regionais quanto em construções particulares que, posteriormente, eram adquiridas pela província mediante compra do Estado de pontes vendidas por particulares. No município de Santa Bárbara, a ponte sobre o Rio Brumado contou com a subscrição de uma pequena verba de particulares e o restante oriundo dos cofres provinciais:

(...) nominei uma comissão composta dos cidadãos João Alves Coutinho, João Guedes Pinto, e João Emery, aos quaes encarreguei de promoverem uma subcripção, e prestando-se aquelles cidadãos de bom grado ao convite do governo effectuarão já a subscripção na importância de 700$ réis, e sob a direção da mesma comissão vai começar a obra para a qual mandei já proceder aos necessários exames e orçamentos que importa na quantia de 10:853$660 réis que será preenchida por conta dos cofres provinciais (Relatório de presidente de província,

Em outra prática de subscrição, uma missiva enviada por Antonio Carlos Teixeira Leite ao Diretor de Obras Públicas da província de Minas Gerais relativa à estrada de São José do Paraíba ao Porto Velho do Cunha, em abril de 1869, atestava o montante recolhido entre fazendeiros da referida região:

Estrada de S. José do Parahyba ao Porto Velho do Cunha. Esta estrada foi orçada em 42:715$000 réis devendo a metade dessa quantia ser tirada por subscripção entre os fazendeiros desse lugar, conforme a deliberação do Exmo Presidente da Prova occorre que apezar dos meus esforços, não tenho podido obter por ora mais de 13:000$000 réis qtia que, quanto muito ainda poderá elevar-se a 16:000$000 réis e que deduzidas os 5:000$000 réis para o contracto da Barra do Ouro Fino á S. Jose ficara reduzida a 11:000$000 réis. Havendo pois este desfalque na metade pertencente aos subscriptores, desfalque que de nenhum modo poderá ser preenchido aqui por subscrição, julguei acertado sobrestar no começo dos trabalhos desta estrada para evitar futuros compromettimentos até que o Exmo Governo Provincial resolva. Cumpre, porem, observa a VSa que esta estrada é de grande importância e utilidade, não só para todos os fazendeiros que residem abaixo do Porto Novo do Cunha de uma e outra margem do Parahyba como para a Estrada de Ferro D. Pedro 2° cujo ponto terminal (ao menos por muitos anos) será o Porto Novo do Cunha (APM, SPOP 3-6, Caixa 5,

doc. 02-118).

O espectro de negociação entre particulares e o Estado amplia-se quando verificamos a prática da compra de pontes. Segundo Lidiany S. Barbosa, inúmeras aquisições de pontes pelo Estado só foram efetivadas mediante respaldo do engenheiro provincial, o que revelaria a participação dos mesmos como autoridade técnica (BARBOSA, 2011):

Era esta ponte (ponte sobre o Rio Piranga, no município de Queluz) propriedade particular do cidadão Francisco José da Cunha, havendo-me a respectiva Camara Municipal informado quão necessária se tornava a mesma para o trãnsito público ofereceu-se o proprietário a vendel-a à província, o que se efectuou pela quantia de 1:180$000 réis, obrigando o mesmo a mandar fazer alguns consertos que se julgarão necessários no exame que mandei proceder acerca do seu estado antes de realisar a compra (Relatório de Presidente de Província, 1851,

p. 17).

Em outros casos, o pedido de reparo de uma ponte adquirida pelo Estado revelava nas entrelinhas a ineficiência da prática de compra de ponte, visto que o valor da compra e o tempo de uso não configuraram proveitosos para os cofres provinciais que já teria que despender recursos para o reparo da mesma:

Nesta direção (estrada que segue para a Corte) no lugar denominado Passagem das Flores – comprou-se ao Barão do Rio Preto em 1859 uma ponte por 20:000$000. Esta obra que custou à Província tão avultada somma, carece já de reparos, por quanto achão-se abatido dois lanços (Relatório de Presidente de Província, 1861, p. 20).

A relação entre o público e o privado alcançava diversas práticas: 1) a subscrição; 2) a compra da província de pontes de particulares; 3) desapropriação de trechos para edificar estradas. Foge ao escopo desse trabalho averiguar o impacto dessas práticas, assim como

analisá-las exaustivamente. A presença de engenheiro e do seu referido aporte técnico era imprescindível para a construção da infraestrutura viária, conforme o art. 2° da lei n. 540: “A

largura, altura e localidades destas pontes serão determinadas por Engenheiros Provinciaes, os quaes darão as plantas, e orçamentos, attendendo sempre à solidez, e conservação da obra e as commodidades públicas” (LLM, 1851, Lei n. 540, Art. 2°).

O fluxograma da dinâmica das intervenções na infra-estrutura de transportes de Minas Gerais, elaborado com base nos Processos de Construção de Pontes e Estradas, revela a multiplicidade das relações entre o governo provincial, as municipalidades e a iniciativa privada (BARBOSA, 2011, p. 293/296):

As obras públicas viárias provinciais originavam-se em diagnósticos realizados por autoridades municipais, em solicitações de elites locais e (...) de discussões no âmbito da Assembléia Legislativa Provincial. Nesse caso, em alguns momentos, as discussões integravam-se a planejamento regional por meio de planos viários provinciais. Assim a origem das obras estaria associada a demandas individuais, ainda que instruídas por justificações amplas, demandas coletivas diretas, quando da mobilização das municipalidades e, por meio da representação no legislativo provincial, com forte conteúdo regionalista. Dado o notável lugar das elites locais no modelo de intervenção pública nos transportes tradicionais, alcançou grande projeção os mecanismos de mobilização de recursos políticos com vistas à arregimentação de recursos públicos. O pressuposto é a vigência de ethos patrimonialista que legitimava reivindicação direta junto ao poder público (BARBOSA, 2011, p. 294).

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