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Considerações iniciais sobre o ISD

O presente estudo ancora-se nos ideais vygotskyanos no que diz respeito à zona de desenvolvimento proximal da criança (VYGOTSKY, 1978) – que postula dois níveis de conhecimento: nível real de conhecimento – relacionado ao que a criança pode fazer, de forma independente, para resolver uma tarefa; nível potencial de desenvolvimento – relacionado ao que a criança pode resolver uma tarefa com a ajuda do professor ou com a colaboração de outras crianças.

A distância entre os níveis constitui a zona de desenvolvimento proximal (ZDP). Teberosky (2003) acredita que o professor é quem trabalha na ZDP e que para este, a criança não precisa esperar até que ela “esteja madura” ou preparada para começar o ensino, mas, ao contrário, quer dizer que o ensino pode fomentar o desenvolvimento. A teoria de Vygotsky sobre as zonas de desenvolvimento traz profundas contribuições para a educação, pois, Vygotsky contempla a interação humana ao reconhecer as zonas de desenvolvimento e definir a zona de desenvolvimento proximal (ZDP).

Para Vygotsky, a psicologia ocupa um lugar nodal no campo das ciências humanas, no sentido de que sua problemática está inelutavelmente confrontada à dualidade físico- psíquica dos fenômenos observáveis no ser humano. Bronckart (1999), um dos principais nomes do ISD, afirma que é, sobretudo, a obra de Vygotsky que constitui o fundamento mais radical do interacionismo em psicologia e é então a ela que se articula mais claramente a própria abordagem da teoria. O ISD aponta para uma mescla entre o cognitivismo, a neurociência e o behaviorismo.

Segundo Bronckart (1999), Vygotsky e os adeptos do ISD veem o homem em constante processo de evolução dotado de capacidades comportamentais que, por sua vez, torna-o criador de instrumentos mediadores para a convivência no meio social, capaz de organizar cooperações de trabalho (em formações sociais) e de desenvolver formas verbais de comunicação.

No que diz respeito à atividade social e linguagem, o ISD é inspirado em Léontiev (1979) em que a noção geral de atividade designa as organizações funcionais de comportamentos dos organismos vivos, através das quais eles têm acesso ao meio ambiente e podem construir elementos de representação interna (ou de conhecimento) sobre esse mesmo ambiente. A evolução espetacular da espécie humana está indissoluvelmente relacionada à emergência de um modo de comunicação particular, a linguagem, e essa emergência confere às organizações e atividades humanas uma dimensão particular, que justifica que sejam chamadas de sociais, dessa vez, no sentido estrito do termo.

Bronckart (1999) afirma que na espécie humana, a cooperação dos indivíduos na atividade é regulada e mediada por verdadeiras interações verbais e a atividade caracteriza-se, portanto, por essa dimensão que Harbemas (1987 apud Bronckart 1999) chamou de agir comunicativo. Tal agir comunicativo veicula representações coletivas do meio, chamadas de mundos representados. Habermas sugere três tipos de mundos: um mundo objetivo, em que os signos remetem a aspectos do meio físico; um mundo social, em que os signos incidem sobre a maneira de organizar a tarefa, isto é sobre as modalidades convencionais de cooperação entre membros do grupo; e um mundo subjetivo, em que os signos incidem sobre as características próprias de cada um dos indivíduos.

Segundo Bronckart (1999), todo esse exame do estatuto da atividade social mediada pelo agir comunicativo e análise dos efeitos dessa atividade e dessa linguagem na transformação do meio em mundos representados estão centrados nas dimensões sociológica e histórica das condutas humanas. O autor ressalta que tais dimensões são primeiras. E que essas mesmas condutas são analisadas em suas dimensões psicológicas, que são secundárias. Tais dimensões estão centradas na problemática das capacidades mentais e das comportamentais que nelas são atestáveis.

A unidade de análise das condutas humanas em suas dimensões psicológicas é a ação, que de acordo com Bronckart (1999), apresenta um estatuto duplo:

Pode ser definida, de um lado, como essa “parte” da atividade social imputada a um ser humano particular (ponto de vista do observador externo) e, de outro, como o conjunto das representações construídas por esse ser humano sobre sua participação

na atividade, representações essas que o erigem em um organismo consciente de seu fazer e de suas capacidades de fazer, isto é, um agente (ponto de vista interno). (BRONCKART, 1999, P. 39)

Bronckart (1999) assegura que a tese central do interacionismo sociodiscursivo “é que a ação constitui o resultado da apropriação, pelo organismo humano, das propriedades da atividade social mediada pela linguagem”. O autor também ressalta que a unidade psicológica que constitui a ação de linguagem não existe senão como produto semiótico.

Machado (2009), cujas pesquisas apresentam como objetivo mais amplo o de colaborar para o desenvolvimento do quadro teórico-metodológico do ISD, enfoca o uso dos termos agir, ação e atividade e da expressão elementos constitutivos do agir, a partir da apresentação das noções de reconfiguração do agir e de figuras interpretativas do agir ou ainda de representações do agir.

Bronckart (2004ª apud Machado, 2009) verifica a variedade de acepções com que os termos agir, ação e atividade são usados em diferentes autores e disciplinas que têm construído teorias de ação ou de atividade e sugere uma terminologia que possa ser utilizada de modo mais estável no conjunto das pesquisas por ele coordenadas.

De acordo com Machado (2009), para Bronckart, os termos agir e actante podem ser tomados como termos mais “neutros”, isto é, como termos referentes ao nível ontológico do conjunto de condutas individuais, mediatizadas pela atividade coletiva de trabalho e dos seres que a realizam. “Em outras palavras, esses termos referem-se aos ‘objetos’ das interpretações que se constroem sobre as condutas observáveis dos seres humanos”. (Machado, 2009, p. 34)

Já no que diz respeito à interiorização dos signos, que é condição da constituição do pensamento, Bronckart (1999) afirma que Piaget rejeita o social pois não vê que o signo é radicalmente arbitrário. Por essa razão, o ISD rejeita teses piagetianas porque acredita que o ser humano só pode construir signos sob o efeito das intervenções sociais.

A grande questão do ISD a ser respondida é herdada de uma reformulação do posicionamento monista emergentista de Vygotsky: Por meio de quais processos o funcionamento psíquico prático se transforma, no homem, em pensamento consciente? O próprio Vygotsky afirma que a consciência emerge como “contato social consigo mesmo” (1994, p.48).

Bronckart (1999) também aborda a questão do papel que desempenham as ações de linguagem e os textos ou discursos no desenvolvimento do conteúdo e das operações do pensamento consciente. O autor utiliza também o termo discurso porque menciona Bakhtin, que, entre a multiplicidade de gêneros, distingue discursos primários (ou livres) dos discursos

secundários (padronizados). Os discursos primários seriam estruturados pelas ações não verbais e os discursos secundários (romances, obras científicas etc.) se desligariam delas e seriam objeto de uma estruturação autônoma, convencional, ou ainda, especificamente linguística, estes, sim, constituindo verdadeiras ações de linguagem.

Como posicionamento epistemológico, o ISD inscreve-se na linha direta de Spinoza, em que o homem não é uma substância específica, mas uma unidade discreta e finita produzida pela atividade permanente da matéria e, como tal, deve sua existência a causas exteriores. O corpo humano deve ser apreendido como um sistema definido de relações. Segundo Bronckart (1999), graças à retomada do hegelianismo e do marxismo, esse posicionamento pôde tomar corpo: pela tese da transformação do meio humano em mundos socialmente representados, que levou à proposição final de que a consciência é, primeiramente, conhecimento dos outros, antes de ser conhecimento de si ou que o conhecimento de si não é mais que um caso particular do conhecimento social.

Bronckart (1999) também afirma que a perspectiva metodológica do ISD implica que sejam consideradas todas as variedades de ações humanas e que uma ênfase particular seja dada principalmente às que são especificamente orientadas para o desenvolvimento e a formação dos outros seres humanos. Nesse sentido, o autor assegura que as intervenções educativas, compreendidas em sua forma escolar, constituem um dos objetos maiores da psicologia e isso explica o engajamento da maioria dos psicólogos de inspiração Vygotskyana no campo didático e/ou pedagógico.

Em relação às ações de linguagem e aos textos que as materializam, a metodologia compreensiva global que o ISD preconiza é decomposta de modo semelhante ao que defende Vygotsky. De acordo com Bronckart (1999), primeiramente, a análise do estatuto das ações semiotizadas e de suas relações de interdependência com o mundo social, de um lado, e com a intertextualidade, de outro. Em seguida, o autor aponta a análise da arquitetura interna dos textos e do papel que nela desempenham as características próprias de cada língua. Por fim, a análise da gênese e do funcionamento das operações mentais e comportamentais implicadas na produção e no domínio dos textos.

Com o objetivo de investigar o processo ensino-aprendizagem que envolve o ato de ler e escrever textos, os pesquisadores dessa abordagem de estudo consideram importante a compreensão dos usos linguístico-discursivos em seus respectivos contextos de interação, configurados pelos gêneros de textos. Sendo assim, o ISD contribui com as investigações direcionadas para o processo de transposição didática voltada para a interação com gêneros de

texto, observando as formas de funcionamento de atividades sociais e culturais envolvidas na interação verbal.

No próximo item, discutiremos o conceito de gênero textual e o ensino de línguas através de textos.