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Modelo Sociopsicolinguístico de Leitura

2.1 Concepções, modelos e práticas de leitura

2.1.5 Modelo Sociopsicolinguístico de Leitura

Considerando a análise dos modelos de leitura, Leurquin (2001) constata que do modelo behaviorista da leitura ao modelo interacionista houve muitas mudanças. Todavia, entre a concepção interacionista e a sociopsicolingüística não se acentuaram tanto essas diferenças. Os autores que tratam dessas questões são, em sua maioria, os mesmos; muda apenas o fato de haverem redimensionado suas posições, postulando uma versão transacional para explicar como se processa o ato de leitura.

Na versão interacionista da leitura, leitor e textos se tocam, mas seguem caminhos separados. Para a sociopsicolinguística, eles se tocam e, no processo, se transformam. Leurquin (2001) afirma que, nesse modelo de leitura, o ato de ler é um evento que envolve um indivíduo e um texto particular, num momento específico, em circunstância também específica, num contexto social e cultural específico, como parte da vida envolvente do indivíduo e do grupo, conforme postulava Rosenblat em 1978.

Esse modo de entender a leitura é denominado de transacional. O foco concentra- se no encontro do leitor com o documento lido, o que resulta num novo evento. Mas esse evento não pode ser explicado, considerando apenas o ponto de vista do leitor, nem o ponto de vista do documento lido, uma vez que o processo de ler transforma ambos e o significado é sempre uma relação entre textos e contexto (socio-histórico).

Segundo Leurquin (2001), nesse ponto de vista, a leitura é uma atividade pessoal, social, cultural e histórica. O leitor, por meio de transações, constrói um texto durante a leitura, num evento que não se concretiza apenas no contexto de sua realização; também devem ser consideradas as intenções dos participantes. Nessa perspectiva, a prática de leitura sofrerá variações de acordo com os objetivos do leitor e escritor, com a audiência, a proficiência da língua, a visão de mundo e o momento socio-histórico do sujeito e do grupo. Tendo base nesse modelo de leitura, a leitura eficiente resulta da habilidade em selecionar os aspectos mais produtivos, necessários para construir e testar hipóteses sobre a linguagem escrita. Nesse processo, há três sistemas linguísticos: o grafofônico (ortografia, fonologia, fonética), o sintático (unidades simbólicas podem representar o significado) e o semântico (a língua pode representar significado pessoal e social altamente complexo).

No processo da compreensão, estratégias cognitivas são definidas e operam na busca do significado. Além desse tipo de estratégias, também são considerados os ciclos: ótico, perceptual, sintático e semântico. Leurquin (2001) afirma que segundo os Goodman, na medida em que os processamentos perceptuais e linguísticos ocorrem, eles afetam a qualidade da

informação ótica, já que essa informação é dirigida pelo cérebro. Tal fato é reforçado por Braggio:

Assim sendo, a leitura é um processo psicolinguístico cíclico, onde o processamento perceptual depende do input ótico, o processamento sintático opera sobre o input perceptual e o processamento semântico opera sobre o input sintático. Cada ciclo mistura-se ao outro e é tentativo e parcial já que inferências possibilitam ir a direção ao significado sem completar amplamente o ciclo (BRAGGIO, 1992, p. 72)

De acordo com Leurquin (2001), os autores alertam para o fato de que há intenções e objetivos do leitor e também do escritor, e que ambos são importantes e variáveis. Quando a leitura é uma atividade de sala de aula sugerida pelo professor, para testar conhecimentos, e a intenção do leitor não é a mesma, esse desencontro de objetivos pode afetar a compreensão do aluno. Além dessa variante, também são pertinentes as características pessoais do escritor e as características do texto. Tratando dos trabalhos dos Goodman, Braggio (1992, p.73) afirma que, na visão desses estudiosos, “a língua é parte de uma cultura humana complexa, cujas formas e usos são restringidos pelos valores e costumes daquela cultura, a qual desenvolve também restrições pragmáticas e formas textuais que todavia não limitam a criatividade do escritor”. Para os Goodman, o escritor deve produzir textos coerentes e consonantes com a proposta de cada audiência, a intenção e a situação comunicacional, porque há um contrato oculto estabelecido entre escritor e leitor que diz que o texto precisa ser compreensível e ter a estrutura coerente com o texto que seu autor propunha produzir. Cabe ao leitor construir uma interpretação significativa do texto e não mais se concentrar em letras ou palavras. Para Smith (1989), um dos principais motivos para se contar mais com o que já se conhece é que o conjunto das informações visuais processadas pelo cérebro é limitado.

No modelo sociopsicolinguístico da leitura, o contexto da linguagem engloba todos os elementos da situação em que a linguagem acontece. Ele modifica os esquemas mentais e esses elementos, por sua vez, direcionam a utilização de estratégias que mapeiam o contexto da linguagem. Leurquin (2001) ressalta que o homem e a sociedade, nessa abordagem, são organismos em permanente movimento e desenvolvimento; e as transformações são motivadas por contradições provenientes de o próprio viver em sociedade.

Leurquin (2001), assim como Braggio (1992), acredita que esse modelo apresenta limites. Leurquin afirma, que por essa razão, Braggio trata de repensá-lo. Nesse repensar, a autora sugere que a linguagem seja vista como um instrumento formador de consciência, pois é necessário que o leitor tenha uma reflexão sobre a sua condição, como um ser social, para que alcance a qualidade de leitor crítico, transformador, ativo e competente. Segundo a referida

autora, parece faltar uma dimensão que dê conta do leitor que, ao apropriar-se criticamente da linguagem, reflita sobre a sua realidade. Como alerta Bakhtin (1997), a linguagem, como não é um produto acabado, não pode ser reduzida a uma norma imutável.

Segundo a pesquisa de Leurquin (2001), estudos de Freire (1987), Bakhtin (1997) e Vygotsky (1998) entrelaçam-se na construção teórica desse novo enfoque. À luz dessas teorias, amplia-se a compreensão no sentido de que o homem humanizado pela linguagem se transforma e a transforma como sujeito e como agente socio-histórico. Sob esse olhar, o homem é real e concretamente concebido. Capaz de mudar a si e a sociedade, motivado pelas contradições que aí se vão gerando.

O papel da linguagem na comunicação e na formação da consciência só foi adequadamente discutido, a partir do momento em que houve uma mudança na concepção de linguagem e de consciência. Para explicar as formas mais complexas da vida consciente, é preciso buscar as origens dessa vida consciente e do comportamento nas condições externas, no convívio social, nas formas histórico-sociais da existência humana, como postularam Vygotsky e Luria, em 1987. Deriva-se, assim, a concepção da linguagem como uma atividade histórica única.

Como vimos, nesse processo de evolução das concepções de leitura, os autores foram aprofundando seus estudos, orientados pela mudança das ciências, da sociedade e do próprio homem. Da decodificação das palavras, e das letras chegamos à transação dos conhecimentos, dos elementos que constituem o processo da leitura. Chegamos também ao leitor crítico, indivíduo socio-historicamente localizado.

Leurquin (2001) assegura que a visão sociopsicolinguística da leitura representa uma compreensão mais ampliada dos fenômenos específicos dessas áreas de conhecimento. Concebe como referencial o processo porque esse é contínuo, complexo e dinâmico, acontecendo em rede e de forma transacional, não sendo entendido como produto acabado inalterável. Nessa visão, as diversas variantes contextuais são importantes. Assim sendo, concretiza-se uma mudança na compreensão das teorias, que deixaram de ser uniformes, unilaterais, para serem interpretadas a partir de conexões, de redes, de transações o que redundará na formação do leitor crítico, um leitor capaz de se comunicar com variados textos de diferentes formações.

Em se tratando da prática de leitura em uma sala de aula de língua portuguesa, num evento comunicacional em que o professor assume a função de formador de leitores, torna-se complicado enxergar o educador no desempenho do papel de um simples leitor, pois, dessa forma, estaríamos reduzindo a sua participação no processo de formação de leitores. E, então,

caberia questionar: Como fica o papel do mediador dos conhecimentos de seus aprendizes? Que participação o formador de leitores teria no contrato de comunicação, que se efetiva numa instituição denominada escola, em uma aula de língua portuguesa, no ensino fundamental?

Como já pontuado anteriormente, fundamentando-nos na teorização de Vygotzky sobre a zona de desenvolvimento proximal, trazemos para a discussão o papel do formador de leitores críticos. Na sala de aula, o professor não apenas assume o papel de leitor, mas também age como mediador que poderá conduzir o aluno no caminho da ZDP proposta por Vygotzky. Com relação também à formação de leitores críticos, Solé (1998) aponta a importância dos objetivos da leitura. Tema que discutiremos no próximo item.