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Tipos de Fábulas e Autores Importantes

3.6 O gênero textual literário fábula

3.6.2 Tipos de Fábulas e Autores Importantes

Nesta seção, discorreremos acerca da divisão classificatória das fábulas: Fábulas de Tradição Esópica (ocidental) e Fábulas de Tradição Indiana (oriental) que segundo Góes (2005), teriam originado um subgênero: a Fábula Brasileira. Dentro de tal classificação, abordaremos os principais autores desse universo literário.

3.6.2.1 Fábulas de Tradição Esópica

Dezotti (2003) afirma que o conjunto de textos que a tradição nos legou como “fábulas de Esopo” constitui-se, na verdade de textos anônimos. A autora questiona a autoria das fábulas atribuídas a Esopo e até se o escritor teria mesmo existido ou se não passaria de um nome fictício, inventado pelos gregos para dar conta das origens de uma obra anônima, popular, produto de uma época ou mesmo de várias. Tal questionamento é feito devido à escassez de documentos autênticos.

De acordo com a pesquisa de Dezotti (2003), se Esopo realmente existiu, ele foi mencionado pela primeira vez no século V a.C. pelo historiador grego Heródoto. Segundo a autora, Heródoto seria quase um contemporâneo de Esopo que teria vivido em meados do século VI a.C. Dezotti (2003) também afirma que a pátria de Esopo é incerta, sendo a Frígia o país mais citado pelos testemunhos antigos.

A maior parte das biografias de Esopo alega que ele foi um escravo que teria vivido em Samos, entre os séculos VI e VII a. C., e que teria recebido sua alforria devido à sua sabedoria e conduta. Esopo foi mencionado por Aristóteles na Retórica, como orador em uma assembleia dos samianos e na oportunidade, o fabulista teria contado ao povo de Samos a fábula da raposa e dos carrapatos.

Segundo Dezotti (2003), os dados de suas biografias são suspeitos, porém a autora afirma que tais dados permitem-nos avaliar sua popularidade entre os gregos. Sua morte teria acontecido em Delfos arquitetada pelos delfianos, como vingança. De acordo com a autora, na Grécia, houve registros de uma expressão proverbial “sangue de Esopo”, usada quando se queria fazer referência a condenações injustas. No século IV a.C., Esopo foi homenageado com uma estátua assentada na ágora de Atenas.

Dezotti (2003) informa que a maior parte das lendas sobre a vida de Esopo foram divulgadas por um romance anônimo do final da Antiguidade, conhecido como Vida de Esopo.

Uma das versões desse romance foi recriada por La Fontaine: A vida de Esopo, o Frígio. Segundo a autora, esses dados também foram utilizados na literatura de língua portuguesa, em duas peças teatrais: Esopaida (1734), de Antônio José da Silva, e a raposa e as uvas (1964), de Guilherme Figueiredo.

A partir de Alceu Dias Lima (1984), Dezotti (2003) analisa as fábulas esópicas, levando em conta a sua instância de enunciação, e observa que ela é um discurso, um ato de fala, que se realiza pela articulação de três discursos: um discurso narrativo, um interpretativo ou moral, e um metalinguístico. Dezotti analisa a fábula O lobo e o cordeiro sob essa perspectiva:

Um lobo viu um cordeiro a beber água de um rio e desejou devorá-lo por um motivo qualquer bem pensado. Por isso, tendo-se postado mais acima, pôs-se a turvar a água e impedí-lo de beber. Então o cordeiro disse que bebia na ponta dos lábiaos e que, além do mais, não podia ser que ele, que estava mais abaixo, estivesse turvando a água de cima, vencido nessa acusação, o lobo disse: “mas no ano passado você injuriou meu pai!” E como o outro dissesse que naquela época nem era nascido, o lobo lhe disse: “Mesmo que você se saia bem na defesa, eu não vou deixar de te comer!”. A fábula mostra que junto daqueles cujo propósito é praticar a injustiça, nem uma justa defesa prevalece. (DEZOTTI, 2003, p. 23)

De acordo com a análise de Dezotti (2003), como toda fábula esópica, essa também se organiza em dois parágrafos: no primeiro, está a narrativa e, no segundo, o epimítio, assim chamado pelos antigos por ser um texto que vem depois da narrativa (mythos). O texto do epimítio, por sua vez, se constitui de duas porções facilmente delimitáveis: uma porção que apresenta uma interpretação da narrativa (“junto daqueles cujo propósito é praticar a injustiça, nem uma justa defesa prevalece”), e uma outra porção que informa a ação que o enunciador da fábula está realizando (“a fábula mostra”). Segundo a autora, ao texto interpretativo, chamamos moral; ao texto que informa o ato de fala que está sendo realizado chamamos metalinguístico. Seguindo a tradição das fábulas esópicas, de acordo com a pesquisa de Dezotti (2003), surge um novo escritor: Fedro, que era filho de escravos e nasceu num país de língua grega, a Trácia. Coube a ele a honra de ter sido o introdutor do gênero fábula na literatura romana. A obra de Fedro que chegou até nós é constituída de um conjunto de cerca de cem fábulas, distribuídas por cinco livros. São transcriações de fábulas de Esopo, e foram compostas com dupla finalidade: entreter e aconselhar. Fedro, no prólogo do Livro I de acordo com Dezotti (2003, p. 74):

Esopo, minha fonte, inventou esta matéria que eu burilei em versos senários.

e guiar a vida com prudentes conselhos. Se alguém, porém, quiser criticar,

porque até as árvores falam, e não só os bichos, lembre-se de que nos divertimos com histórias fictícias.

Dando continuidade à tradição ocidental da fábula, temos Bábrio, que é um fabulista posterior a Fedro. Segundo Dezotti (2003), Bábrio teria nacionalidade romana. O fabulista versificou em grego aproximadamente duas centenas de fábulas, agrupadas em dois livros, cada um deles precedido de um prólogo em que o poeta nomeia os destinatários de seus versos e comenta a sua própria arte.

3.6.2.2 Fábulas de Tradição Indiana

Segundo Dezotti (2003), a tradição indiana da fábula, se inicia com os textos sânscritos da coleção Pañcatranta, “Cinco tratados”, compilada por volta do século I d. C., e que se expande por meio da versão árabe Calila e Dimma (VIII d.C.), de Abdallah IbnAl- Muqaffa’, e das inúmeras versões elaboradas a partir desse texto.

Dezotti (2003) afirma que a tradição indiana da fábula chegou à França através de David Sahid e Gaulmin, de 1644, intitulada Livre des lumières ou la conduite des roys, composé par le sage Pilpay indien, geralmente considerada como fonte principal de muitas das histórias de La Fontaine. De acordo a autora, La Fontaine, no prefácio ao Livro VII de sua coleção de fábulas, revela, que a partir dali, buscaria inspiração no sábio indiano Pilpay. A autora também afirma que “Pilpay”, ou “bidpay”, é uma corruptela do termo sânscrito vidyâpati, “o senhor da sabedoria”, um dos epítetos de Visnuçarman, o brâmane que, na coleção indiana, narrava as histórias.

Seguindo então ambas as tradições, tanto a esópica quanto a indiana, surge Jean de La Fontaine que nasceu em 1621, em Châteu-Thierry, França. Dezotti (2003) afirma que em 1668, La Fontaine lançou a primeira coletânea das Fábulas (Fables choisies mises em vers), que teve um sucesso extraordinário: seis edições em dois anos. Segundo a autora, das 124 fábulas que compõem a obra, uma centena, segue a tradição de Esopo. O segundo conjunto de Fábulas data de 1678-1679 e difere sensivelmente do primeiro. Apenas um terço das peças provém da tradição esópica. Ainda de acordo com Dezotti (2003), o próprio escritor francês reconheceu dever a maior parte dos temas ao indiano Pilpay, como mencionado anteriormente. Um terceiro e último conjunto de Fábulas apareceu em 1694, alguns meses antes da morte do

também poeta a 13 de abril de 1695. O sucesso de suas Fábulas é comprovado pelas inúmeras edições que foram feitas: 125 no século XVIII e 1200 no século XIX.

3.6.2.3 A Fábula Brasileira

Góes (2005) apresenta a Fábula Brasileira como subgênero derivado das duas tradições (Esópica e Indiana), acrescido de peculiaridades espácio-temporais, mais histórico- sócio-culturais únicas. De acordo com a autora, a Fábula Brasileira possui três grandes vertentes: a Fábula da Recriação Popular (que unirá as duas tradições acima referidas), a Fábula de Origem Indígena e a Fábula de Origem Africana. Góes (2005) afirma ainda que a Fábula Brasileira é uma tessitura de múltiplos fios: mestiçagem, culturação, enraizamento.

Góes (2005) então propõe quatro subcategorias para a Fábula Brasileira: FÁBULA APRENDIZAGEM, FÁBULA DIDÁTICO-MORALISTA, FÁBULA ADMIRAÇÃO, FÁBULA MODERNA. E cada subcategoria pode ter novas subcategorias. Vejamos a síntese feita pela autora:

FÁBULA APRENDIZAGEM: Procura explicar o mundo em primeiro lugar e

esse explicar precede o mundo do prazer. Desdobra-se em: Fábula Etiológica, que busca a origem de um aspecto, propriedade, caráter de qualquer ente natural; Fábula Ética ou de “Como conduzir-se”, procura convencer através da narrativa que se adote uma conduta sábia, ponderada e precavida, que resultará benéfica para quem a adotar; Fábula Política ou de “Como conviver em Sociedade”, evidencia as armadilhas do homem originadas das paixões geradas pelo poder, astúcia, cobiça, falsidade etc.; e Fábula Admonitória, mostra tanto por indução quanto por demonstração “o como” precaver-se de perigos e prejuízos de toda ordem.

FÁBULA DIDÁTICO-MORALISTA: Narrativa didático-moralista que porta

exemplos, modelos, sentenças onde o maniqueísmo está presente. Há dois discursos: o do narrador e o do personagem; o enunciado temático e o enunciado figurativo.

FÁBULA SENTENCIOSA: Obra fechada, discurso monolítico-dogmático,

moralista, maniqueísta. Inclui: Fábula Catequética (Isopetes), estória de natureza indutiva, ética, religiosa. Sua Voz é doutrinadora, no geral, são Fábulas

Indianas ou Parábolas, apoiadas sobre a fé ou sobre um dogma; Fábula Tendenciosa e Preconceituosa, trata-se de estória detalhista, regionalista em prosa ou poesia, na qual a “Voz da Experiência” impõe um valor preconcebido sob disfarce de preceito fatalístico (o mais comum o pretume, o negror) sob a alegação de estar esse valor ligado ao mau, ao errado, ao condenado; Fábula Autoritária-Punitiva, sua natureza indicial desenha um comportamento condenado, cujo o infrator recebe um castigo.

FÁBULA ADMIRAÇÃO: divertida, admirativa, criativa e plural.

Compreende: Fábula Geradora de Beleza, nasce da espontaneidade e ingenuidade de líricas do sentimento popular, palavra tecida com fios de beleza, formosura, encanto; Fábula Alimentadora da Curiosidade, brota do olhar explicativo e inquiridor dos porquês de tudo que acontece ao derredor do ser humano. Universo cultural explicativo ou imaginoso; Fábula Detonadora de Alegria/ Leveza, constitui o borbulhar da alma, coração e ideal do povo brasileiro. Apresenta ritmo, melodia e harmonia; Fábula Deflagadora do Riso, inverte os papéis, o dominado liberta-se de todo e qualquer jugo, por sua capacidade de rir, de propor algo em seu favor.

FÁBULA MODERNA: resulta da Matriz-Fábula que gerou outras

subcategorias: Estórias de Animais, aquelas cuja ação desenvolve-se centrada nas personagens animais, independentemente da presença ou não de seres humanos, sobrenaturais ou inanimados; Resgate de Formas, configura a narrativa em Resgate das Estórias de Animais. São formas novas de ler o convencional: processos de liberação do Discurso.