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Como já dito na seção anterior, Bronckart (1999) e o ISD concebem a organização de um texto como um folhado constituído por três camadas superpostas: a infra-estrutura geral do texto, os mecanismos de textualização e os mecanismos enunciativos.

No que diz respeito aos mecanismos de textualização, temos a conexão, a coesão nominal e a coesão verbal. Os mecanismos de conexão contribuem para marcar as articulações da progressão temática. São realizados por organizadores textuais, que podem ser aplicados ao plano geral do texto, às transições entre tipos de discurso e entre fases de uma sequência, ou ainda às articulações mais locais entre frases sintáticas. As unidades ou grupos de unidades que podem ser considerados organizadores textuais são: conjunções, advérbios ou locuções adverbiais, grupos preposicionais, grupos nominais e segmentos de frases.

Bronckart (1999) afirma que os mecanismos de conexão explicitam as relações existentes entre os diferentes níveis de organização de um texto. No nível mais englobante, esses mecanismos explicitam as articulações do plano de texto: delimitam suas partes constitutivas e assinalam, portanto, eventualmente, os diferentes tipos de discursos correspondentes a essas partes. Assumem, nesse caso, uma função de segmentação. Num nível inferior, esses mecanismos podem marcar os pontos de articulação entre as fases de uma sequência ou de uma outra forma de planificação; sua função específica é então denominada de demarcação ou balizamento. Em um nível mais inferior ainda, esses mecanismos podem explicitar as modalidades de integração das frases sintáticas à estrutura que constitui a fase de uma sequência ou de uma outra forma de planificação, sua função então é chamada de empacotamento. O autor considera que são esses mesmos mecanismos que articulam duas ou várias frases sintáticas em uma só frase gráfica, exercendo, assim, uma função de ligação (justaposição, coordenação) ou de encaixamento (subordinação).

As marcas de conexão, portanto, pertencem às categorias gramaticais (partes do discurso) diferentes (advérbio, preposição, substantivo, conjunções coordenativas, subordinativas, etc.), elas se organizam eventualmente em sintagmas, também diferentes (sintagma nominal, sintagma preposicional); e assumem, eventualmente, funções específicas no quadro da micro- ou da macrossintaxe. No discurso da ordem do NARRAR, que é a

sequência predominante nas fábulas (o gênero escolhido para as atividades de intervenção do presente estudo), os organizadores com valor temporal aparecem de modo privilegiado.

Sobre os mecanismos de coesão nominal, Bronckart (1999) postula que eles explicitam as relações de dependência existentes entre argumentos que compartilham uma ou várias propriedades referenciais (ou entre os quais existe uma relação de co-referência). A marcação dessas relações é feita por sintagmas nominais ou pronomes, organizados em série (ou constituindo cadeias anafóricas), cada uma delas sendo inserida em estruturas oracionais e aí assumindo, localmente, uma função sintática determinada (sujeito, atributo, complemento, etc.). Segundo o autor, duas funções de coesão nominal podem ser distinguidas: a função de introdução e a de retomada. A primeira consiste em marcar, em um texto, a inserção de uma unidade de significação nova (ou unidade-fonte) que é a origem de uma cadeia anafórica. A função de retomada consiste em reformular essa unidade-fonte (ou antecedente) no decorrer do texto.

Bronckart (1999) aponta que, em francês, a marcação da coesão nominal é feita por duas categorias de anáforas. A categoria das anáforas pronominais, que é composta de pronomes pessoais, relativos, possessivos, demonstrativos e reflexivos, na qual se pode incluir ainda a marca Ø, que pode ser considerado como o produto de uma transformação de apagamento de um pronome. O autor ainda acrescenta que algumas ocorrências de pronomes pessoais, em particular da primeira e da segunda pessoa, podem não se inscrever em uma cadeia anafórica e remeter diretamente a uma instância fora do texto (agente produtor ou destinatários): trata-se, portanto, de pronomes dêiticos. A outra categoria é a das anáforas nominais, que é composta por sintagmas nominais de diversos tipos. Os sintagmas que asseguram uma retomada podem ser idênticos a seu antecedente (a repetição do nome de alguém, por exemplo), mas, geralmente, diferencia-se dele, ou no plano lexical ou no plano das marcas de determinação ou ainda nos dois planos. Vale ressaltar que na medida que os tipos da ordem do NARRAR, normalmente, colocam em cena séries de personagens, encontraremos aí mais frequentemente, anáforas pronominais de terceira pessoa.

Dando continuidade aos mecanismos de textualização, o mecanismo de coesão verbal contribui para a explicitação das relações de continuidade, descontinuidade e/ou oposição existentes entre os elementos de significação expressos pelos sintagmas verbais. De acordo com Bronckart (1999), essa forma de coerência temática é marcada pela escolha dos constituintes obrigatórios desses sintagmas: escolha dos lexemas verbais e, sobretudo, escolha dos seus determinantes (auxiliares e flexões verbais) que são os chamados tempos verbais. O

autor alega que muitas pesquisas identificam três classes gerais de significados dos sintagmas verbais: temporalidade, aspectualidade, modalidade.

Com relação às abordagens de temporalidade, Bronckart (1999) assegura que qualquer análise das relações temporais deve considerar, não dois, mas três parâmetros: ao momento da produção e ao momento do processo, deve ser acrescentado o momento psicológico de referência. Segundo o autor, essa abordagem tricotômica é decisiva porque mostra que o valor de um tempo verbal resulta de uma decisão de codificação da relação estabelecida entre o “momento do processo”, de um lado, e o “momento da fala” ou o “momento da referência psicológica”, de outro.

Bronckart (1999) chama de aspecto ou aspectualidade a expressão de uma ou várias propriedades internas do processo (sua duração, sua frequência, seu grau de realização etc.). Segundo o autor, a categoria de aspecto apresenta duas funções principais: a expressão dos tipos de processo e a expressão dos graus de realização do processo. Bronckart (1999) afirma que o termo genérico processo designa o significado correspondente ao significante que constitui o lexema verbal. O termo tipos de processo se refere a um número restrito de classes verbais (que podem se referir a um estado, a uma ação, a uma relação etc.). Com base nessa classificação dos processos, há uma classificação secundária, a dos tipos de verbo. De acordo com Vendler (1967 apud Bronckart 1999), os aspectólogos assumem geralmente as seguintes classes de verbos: os verbos de estado, os verbos de atividade, os verbos de realização e os verbos de acabamento. Essa categoria de tipos de processo é inerente ao próprio processo e ao verbo que o expressa, por isso, é às vezes chamada de aspecto lexical.

A segunda categoria, a expressão dos graus de realização do processo, relaciona- se ao modo como um processo é tomado em uma determinada fase de sua realização. De acordo com Bronckart (1999) podem ser distinguidos três graus de realização que dizem respeito aos processos dinâmicos (verbos de atividade, de realização ou de acabamento). O processo pode ser apresentado como inconcluso, isto é, tomado no curso de seu desenvolvimento (eles caminhavam juntos, e, de repente, um ruído retiniu); concluso ou acabado, isto é, tomado no fim do seu desenvolvimento (no ano passado, nesta época, eu tinha capinado o jardim e ele ficou limpo); o processo pode ser apresentado em sua realização total, isto é, tomado na totalidade de seu desenvolvimento e de seu acabamento (no ano passado, ele capinou o jardim com a enxada e ele ficou limpo).

Bronckart (1999) reformula a coesão verbal, considerando três categorias de parâmetros: os processos efetivamente verbalizados, com suas diversas propriedades aspectuais e sua propriedade eventual de situabilidade temporal objetiva; os eixos de

referência, quer se trate do eixo global associado a um tipo de discurso quer de eixos mais locais; e a duração psicológica associada ao ato de produção. Com base em tal reformulação, o autor identifica as quatro funções de coesão verbal: temporalidade primária, temporalidade secundária, contraste global e contraste local.

Na função da temporalidade primária, o processo é diretamente relacionado ou com um dos eixos de referência, ou com a duração associada ao ato de produção; a função da temporalidade secundária consiste em situar um processo em relação a um outro processo; as funções de contraste consistem em opor os processos entre si. Na função de contraste global, séries isotópicas de processo são distinguidas, sendo uma delas colocadas em primeiro plano e as outras, em segundo; quanto à função de contraste local, consiste em apresentar um processo como um quadro sobre o qual se destaca, localmente, um outro processo.

Passemos, agora, para a próxima seção, onde será melhor explicitado o mecanismo da coesão verbal em textos narrativos.