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Considerações Metodológicas sobre a Análise de Políticas: a avaliação

O momento de avaliação da política pública esteve tradicionalmente ligado ao fechamento do ciclo da política. A avaliação ex-post, como ficou conhecida, sempre foi tratada como a última etapa do ciclo e realizada após o processo completo da implementação. Sua importância foi formalmente reconhecida a partir dos anos 60, com a expansão e fracasso das políticas

sociais nos Estados Unidos (EUA)1. Neste momento

histórico, a função avaliativa da política teve um caráter formativo, e Cavalcanti (2007, p. 78) explica:

A avaliação formativa tem como função principal, como o próprio nome indica, dar forma, constituir, compor. O processo de ‘formação’ deve ocorrer durante a implementação do programa. Essa avaliação tem como objetivo acompanhar e fornecer informações acerca da maneira pela qual se desenvolve a implementação para aprimorar o funcionamento do programa (processo de gestão). A

1 Os EUA têm sido a principal escola de estudos sobre a avaliação de políticas públicas. Essa tradição foi reforçada com a avaliação dos grandes e polêmicos programas de combate à pobreza (War on Poverty e Great Society), desenvolvidos nos EUA nas décadas de 60 e 70 (FARIA, 2005).

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avaliação formativa, portanto, refere- se aos procedimentos empregados para implementar o programa e está relacionada com a decisão de modificar ou revisar (aprimorar o que está sendo implementado).

Desse modo, a avaliação estava destinada a realizar o julgamento de um ciclo de ações públicas que se encerrava no tempo.

O objetivo da avaliação se configurava em exaltar os resultados da política; aprimorar a política; prestar contas à sociedade ou mesmo definir novas intervenções do governo nas áreas avaliadas. Metodologicamente, nesse período de forte institucionalização, a avaliação foi pensada em termos quantitativos, sendo realizada a partir de um desenho top-down e encarada como uma ferramenta de planejamento voltada para os formuladores e para os gerentes da política. Seu uso tinha caráter instrumental, isto é, os resultados da avaliação conformavam um conjunto de conhecimentos sobre a política, que deveriam ser utilizados racionalmente pelos tomadores de decisão para a melhoria e legitimação dos programas, projetos etc.. Concretamente, foi o modo encontrado pelos governos para justificar os gastos com as políticas sociais e também controlar sua efetividade.

A partir dos meados da década de 80, a avaliação ocupou um novo lugar no ciclo da política, tanto no que diz respeito a sua função quanto a seus métodos, objetivos e usos. As razões para a mudança na avaliação

das políticas públicas estão eminentemente ligadas às mudanças do papel do Estado nas democracias ocidentais:

A mudança de paradigma do Estado do Bem-Estar, para o neoliberalismo, engendrou um tipo novo de Estado Avaliador. Em outras palavras, o Estado deixou de ser o provedor de benefícios e serviços que a sociedade utilizava para superar seus problemas e passou a exercer severo controle e forte fiscalização. Observa-se aí uma transferência de ênfase. No primeiro caso, a avaliação tinha o propósito de analisar a eficácia dos programas com a finalidade de torná- los melhores e mais produtivos em termos sociais. No segundo, prevalece a lógica do controle da racionalidade orçamentária, que efetivamente significa cortes de financiamento e rebaixamento da fé pública. (DIAS SOBRINHO, 2002, p. 28)

Nessa perspectiva, a função da avaliação deixou de ser formativa e circunscrita à geração de conhecimento para o aprimoramento das políticas e passou a ter centralidade na realocação de recursos públicos e de legitimação da transferência de responsabilidades entre o Estado e a iniciativa privada (FARIA, 2005). A

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sua função neste segundo momento foi definida, pelos autores do campo, como somativa, isto é, “tem como objetivo julgar o mérito do programa e comprovar os seus resultados finais. Sua finalidade é a de promover informações para a decisão de continuar ou acabar com o programa em curso [...] O resultado dessa avaliação se converte no principal indicador da eficácia do programa” (CAVALCANTI, 2007, p. 79). A função da avaliação passou a ter um caráter mais gerencial do que informativo.

Todavia, à medida que o processo avaliativo passou a ter uma função importante na administração pública, o conceito de avaliação foi agregando dimensões e foi sendo aperfeiçoado. O acúmulo de experiências e de pesquisas realizadas sobre o problema da avaliação de políticas, aliado a seu caráter multidisciplinar e multidimensional, ocasionou uma nova e promissora safra de abordagens metodológicas e conceituais no campo da avaliação (CAVALCANTI, 2007). Essa nova fase de interesse tem contribuído para o redirecionamento da avaliação ao seu propósito principal: “melhorar a qualidade das decisões e garantir a consecução dos objetivos definidos pelas políticas” (FARIA, 2005, p. 102).

O Enfoque de Análise de Políticas (EAP) inova ao tratar o momento da avaliação como associado aos momentos da formulação e da implementação, ao invés de considerá-la um processo autocontido e terminal

como outros enfoques defendem2. A avaliação assume,

2 Para uma discussão aprofundada sobre essa questão, ver Cavalcanti (2007).

então, uma dimensão permanente e integrada a todo o ciclo da política e pode ser realizada tanto ex-ante (antes de a política ser colocada em prática) quanto de modo concomitante (ocorre durante o processo de implementação).

Além disso, o EAP considera como primordiais, para a efetividade do processo avaliativo, elementos tais como: a natureza da política, o contexto, as organizações, a perspectiva dos atores envolvidos etc.. Essa visão mais pluralista apontou, em termos metodológicos, para avaliações mais qualitativas e desenhadas de “baixo para cima” em contraponto à predominância da rigidez dos estudos quantitativos e estruturados de “cima para baixo” (FARIA, 2005; CAVALCANTI, 2012).

Com isso, o uso da avaliação passou a ter um cunho mais conceitual e político e menos instrumental, ou seja, a avaliação deixou de estar associada simplesmente à verificação do cumprimento de metas e objetivos da política ou dos seus impactos diretos e passou a ter um valor próprio e essencial para a elaboração das políticas públicas: primeiro, porque gera conhecimento seguro sobre o desempenho da política; depois, porque origina aprendizagem sobre os processos de formulação, implementação e adaptação de políticas, além de esclarecer sobre o papel dos atores e de seus interesses subjacentes e, finalmente, porque fornece informações que portam soluções para futuras ações governamentais. Além disso, a comunicação pública da avaliação de uma política suscita discussões, críticas

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e julgamentos da sociedade sobre o que os governos decidem fazer e o que de fato eles fazem.

Neste artigo, são apresentados os resultados de uma avaliação formativa, focada no processo de implementação da política de pesquisa da Rede Federal. A avaliação realizada pode ser classificada, em relação ao momento em que foi feita, como “concomitante”. O agente avaliador se enquadra como ator externo- interno, pois, ao mesmo tempo em que não possui

responsabilidade direta sobre a política, é copartícipe3

da implementação da política de pesquisa nos níveis mais basais da implementação. A avaliação realizada aqui é de natureza, como foi dito, qualitativa, mas com uso de importantes dados quantitativos, o que a classifica como mista neste aspecto.

Em consequência, a avaliação aqui debatida vai de encontro ao senso comum da política de pesquisa implementada na Rede Federal, ao apontar para a necessidade de um alinhamento entre a missão institucional e a trajetória da pesquisa. Tendo essa realidade em vista e também reconhecendo o, ainda restrito, debate sobre o papel da pesquisa na Rede Federal e na sociedade, pondera-se que o uso dessa avaliação seria mais bem-sucedido como um instrumento conceitual de persuasão e de esclarecimento. Ou seja, é possível, com os resultados aqui apresentados, acumular descobertas e conhecimentos contextualizados sobre a

3 Enquanto membro da comunidade de pesquisa da Rede Federal.

natureza, sobre o modo de operação e sobre os impactos da trajetória de pesquisa hoje assumida, ao mesmo tempo em que se incumbe da tarefa de dar visibilidade a outras possíveis trajetórias de pesquisa para a Rede Federal.

Essas explicações são válidas porque esclarece o ponto de vista político-ideológico assumido para a realização da avaliação. Todos os critérios avaliativos foram construídos na intenção de verificar se a política de pesquisa assumida pela Rede Federal está de acordo com a sua missão institucional. Com isso, foi inevitável questionar, em vários níveis, se a política ora implementada é, de fato, preferível a qualquer outra política possível, e, complementando ainda essa questão, foi possível indagar se a Rede Federal, mantendo a trajetória inovacionista como a sua principal política de pesquisa, está, em termos da institucionalização da pesquisa, cumprindo sua função social e desenvolvendo todas as suas potencialidades.