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O Bacharelado de Produção Cultural, a Baixada Fluminense e a centralidade da cultura

Se, ao iniciarmos o CST em Produção Cultural estávamos sob a égide do tripé Ciência, Arte e Esporte, podemos dizer que, quando da transformação do curso em Bacharelado, uma parte do nosso corpo docente e discente vinha discutindo mais profundamente a centralidade da cultura no mundo contemporâneo. Influenciado pelo movimento de mundialização financeira e um processo de homogeneização cultural, Hall (1997) já nos alertara que a produção de narrativas e novas subjetividades vão para o centro do palco de disputas de sentidos. Porém, já sabíamos que a dicotomia ou os debates sobre o apagamento das culturas locais pela cultura globalizada estava longe de ser resolvido.

E é na constituição dessa produção de sentidos que o Bacharelado em Produção Cultural se incorpora ao Instituto Federal no segundo semestre de 2012. Os debates sobre a necessidade de fortalecer ações culturais, integrar os discentes e servidores (a existência de um sindicato único que representa os docentes e os técnicos-administrativos é uma inovação dos IF,

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com seus aspectos positivos e desafios) e ampliar a formação cidadã e crítica dos discentes nos cursos, aqui denominados do “núcleo duro”, ampliou o debate sobre o que é cultura e o que ela representa de importante na formação acadêmica.

No âmbito das Universidades Públicas brasileiras essa discussão já estava mais avançada pela pluralidade de campos de atuação e disciplinarização de cursos diversos. Porém, como fortalecer ou institucionalizar algo tão diverso e em processo como os fazeres culturais? Temos dois exemplos que, apesar de contarem com o mesmo nome, apresentam objetivos diferentes: a criação da Pró-Reitoria de Cultura (PROCULTURA) da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG., 2006) e a Pró-Reitoria de Cultura (PROCULT) da Universidade Federal do Cariri (CE, 2015).

A despeito da inovação de ter sido a primeira Pró- Reitoria cultural dentre as universidades públicas federais, a PROCULTURA da UFJF tem como objetivo central organizar e gestar os equipamentos culturais da própria universidade. Já a PROCULT da UFCA parece-nos que amplia o debate tangenciando o que pretendemos discutir aqui. A constituição dessa Pró- Reitoria encontra-se, segundo Azevedo Júnior (2017), na fronteira do indomável e a institucionalização.

Do ponto de vista conceitual, a dificuldade aparentemente ineliminável consiste na tentativa de avançar em um campo de atuação

política cujo fenômeno central (a cultura) parece ser indomável. Esta contradição entre institucionalização e cultura, encontra na universidade, instituição pública detentora de uma longa tradição, e marcada por tensionamentos internos, uma possibilidade histórica ainda em aberto.

Transportando esse debate para o interior do IFRJ, de uma forma geral, e para o Bacharelado em Produção Cultural, de uma forma mais específica, temos como desafio ampliar a discussão sobre a formação pedagógica “culturalizada” deslocando o debate entre a formação técnica/profissional e/ou versus formação cidadã. Acreditamos que a própria centralidade da cultura deve ser incorporada ao ensino, às ações de complementação dos discentes, e podem ser o amalgama entre a pesquisa e a extensão. Para que o tripé ensino, pesquisa e extensão se equilibre, acreditamos que a Cultura pode deixar de ser complementar e assumir sua centralidade.

Retornemos, então, à Baixada Fluminense e ao papel do IFRJ. Entendemos que os Institutos Federais se legitimam na medida que se enraízam nos territórios ondem foram instalados. Conforme Pacheco (2010, p. 1), a

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missão destas instituições, [tem] o compromisso de intervenção em suas respectivas regiões, identificando problemas e criando soluções técnicas e tecnológicas para o desenvolvimento sustentável com inclusão social. Na busca de sintonia com as potencialidades de desenvolvimento regional, os cursos nas novas unidades deverão ser definidos através de audiências públicas e de escuta às representações da sociedade.

Esse é o caso do CST em Produção Cultural e, posteriormente, do Bacharelado em Produção Cultural. Apesar de não terem havido audiências públicas, em dezembro de 2000, ocorreu, na Faculdade de Educação da Baixada Fluminense da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (FEBF/UERJ) um encontro organizado pelo Fórum Cultural da Baixada Fluminense e com participação dos fazedores culturais da região, discentes e docentes da FEBF. Ao final deste encontro foi lançada a Carta Cultural da Baixada Fluminense. Entre as diretrizes apresentadas pelos fazedores culturais da região, devemos destacar uma que deveria nortear a formulação de políticas culturais da Baixada Fluminense: “a promoção de ações que visem à qualificação profissional desses agentes” (FÓRUM, 2000, p. 1). Mais adiante, nesta mesma Carta, os participantes deste

encontro demandam, entre outras ações, a “criação do Curso de Produção Cultural, de preferência em nível superior” (FÓRUM, 2000, p. 2).

Se, por um lado, essa demanda foi atendida pelo IFRJ em 2003, com a criação do CST em Produção Cultural, por outro, até hoje estamos buscando a porosidade de nossa instituição com o entorno estendido, a Baixada Fluminense (também conhecida pelos nossos alunos como BXD).

Parece-nos que para alcançarmos a missão apresentada por Pacheco (2010) não basta irmos para “além dos muros da escola”, mas, também, estarmos permeáveis às culturas das comunidades do entorno para que estas possam nos ver como centro produtor e difusor de conhecimentos (e culturas) e não apenas como reprodutores de um saber etnocêntrico discutido anteriormente. Assim, é nesse contexto que o Bacharelado em Produção Cultural, vem se movimentando no interior do IFRJ. Sem perder a dimensão dos debates universais, históricos e contemporâneos, vem agregando, cada vez mais (apesar de ainda insuficientemente) os atores locais, os fazedores culturais da região, individualmente, e também os coletivos culturais da BXD.

Se, no início do CST, a maioria dos nossos alunos eram moradores da cidade do Rio de Janeiro, hoje, essa maioria, no Bacharelado, são de discentes provenientes da Baixada Fluminense, com presença marcante, ainda, de discentes da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Porém, um outro movimento deve ser salientado para percebermos que a busca da nossa territorialização

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vem provocando e proporcionando novos cenários. Temos hoje diversos discentes oriundos de grupos e/ou coletivos culturais que vem fomentando e fortalecendo a cena cultural da Baixada.

Discentes e ex-discentes que fazem parte de coletivos culturais como a Rede de Mulheres Criativas Roque Pense! (que atua em toda a Baixada Fluminense, mas, principalmente, em Nova Iguaçu, Mesquita e Duque de Caxias) Cineclube Buraco do Getúlio (Nova Iguaçu), Centro Cultural Donana (Belford Roxo), M. O. F (Duque de Caxias), Feira de Brechó Gambiarra (Nova Iguaçu). Galpão 252 (Nilópolis), Grupo de Teatro Código (Japeri), Golméia Galpão Criativo (Duque de Caxias), Movimento Hip Hop Enraizados (Morro Agudo/ Nova Iguaçu), entre diversos coletivos culturais que têm algum de seus integrantes em nossas salas de aulas, pesquisas e projetos de extensão, vêm apontado para a possibilidade da porosidade citada. Temos vivenciado, também, um aumento do contato entre o Bacharelado em Produção Cultural e órgãos do poder público local. Parcerias com a prefeitura de Queimados, Nilópolis, São João de Meriti já foram realizadas. Nossos discentes vêm atuando, também, sob a forma de estágio ou mesmo na forma de contratação direta junto a diversas secretarias municipais de cultura na região.

Avançamos bastante no interior do IFRJ com o CST e, hoje, com o Bacharelado em Produção Cultural. Ampliamos ações fora dos muros, abrimos flancos para sermos penetrados pelo entorno na nossa busca pela porosidade e vimos disputando narrativas e