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Considerações parciais: juventude trabalhadora e duplo registro sociológico

3. O TRABALHO: UMA CATEGORIA CENTRAL NOS ITINERÁRIOS E

3.4 Considerações parciais: juventude trabalhadora e duplo registro sociológico

em um mundo do trabalho radicalmente novo, cujas trajetórias e experiências de trabalho trazem consigo as tessituras de um mercado de trabalho regulado pelo processo de legitimação e institucionalização da precarização do trabalho como uma nova forma de dominação do capitalismo flexível fundamentada na gestão racional da insegurança do trabalho e da vida (BOURDIEU, 1998b); engendrada a partir de uma nova cultura de trabalho que promove rupturas com os mecanismos sociopolíticos advindos do estatuto salarial moderno que possibilitavam a construção de narrativas e experiências sócio-individuais alinhavadas pelo que foi (o passado histórico), o que está sendo (tempo presente) e o que virá

a ser (perspectivas futuras) (SENNETT, 1999, 2006).

Nesse sentido, consideramos que a perspectiva analítica deve se interrogar sobre a situação concreta enfrentada pelos jovens no que se refere à sua inserção no mercado de trabalho, enquanto integrantes da classe trabalhadora que integram ao processo produtivo através da venda da sua força de trabalho. Partimos do pressuposto de que as trajetórias e experiências de trabalho dos jovens são portadoras de “verdades” que não se restringem ao mundo de trabalho destinado aos jovens, sua força heurística reside justamente na capacidade de desvelar as consequências das mutações do mundo do trabalho na sua totalidade, pois o que se observa é que a transitoriedade das relações de trabalho típicas da inserção juvenil (rotatividade, empregos com baixa remuneração, longa procura de emprego etc.) se universalizaram como regra prescritiva no mercado de trabalho na atualidade. Como afirma Abad (2005, p.70-71), “puede decirse que con relación al empleo, la juventud representa la

métafora del presente de la sociedad capitalista y, al mesmo tiempo, la visión de su futuro….

jovens não apenas interrogam as nossas categorias analíticas de entendimento das mutações do mundo do trabalho, mas também revelam que mutações são estas, quem são os seus sujeitos e como se dão as relações de poder, quais os deslocamentos políticos entre trabalho e cidadania, e principalmente como elas alteram as relações dos homens com o tempo social, o trabalho e os seus projetos de vida.

Segundo Vera Telles (2006), a diferença entre as gerações se torna uma ferramenta analítica valiosa que permite entender as mutações do trabalho e suas implicações no mundo social, uma vez que tal diferença tem na atualidade a especificidade histórica de coincidir com as mudanças estruturais do mundo do trabalho. Assim, os elos que vinculam juventude (s) e trabalho, isto é, as novas gerações ao mundo do trabalho são decifradoras das mutações figuradas com a crise do mundo do fordista e da cultura de trabalho a ele relacionada, e das formas de inserção no mercado de trabalho. Como nos lembra a autora:

Para os mais jovens... a situação ganha outras configurações e tem outros sentidos. Suas histórias já não podem ser compassadas pelas venturas e desventuras da epopeia do progresso que estrutura a narrativa de seus pais. As circunstâncias atuais do mercado de trabalho não significam uma degradação de condições que foram melhores ou mais promissoras em outros tempos; já entraram num mundo revirado, em que trabalho precário e desemprego compõem um estado de coisas com o qual têm que lidar, e estruturam o solo de uma experiência de trabalho em tudo diferente da geração anterior (TELLES, 2006, p.89).

Nesse sentido, não nos interessa estudar juventude e trabalho enquanto categorias sociológicas e empíricas autônomas e sobrepostas, mas interdependentes e interpostas, o que exige a problematização sociológica e política de questões atinentes às múltiplas determinações e as dimensões do contexto societal no qual se circunscrevem as trajetórias e as experiências laborais dos jovens trabalhadores. No esquadro dessa problematização o eixo articulador é a tríade novas gerações, transformações do mundo do trabalho e políticas

públicas de emprego. Os estudos recentes que abordam a temática da juventude sob a ótica do

trabalho na contemporaneidade têm suscitado novas indagações e inquietações teóricas que impulsionaram a construção desta tríade, dentre as quais se destacam: i) a ênfase nas experiências de trabalho juvenil e seus dilemas de inserção no mercado de trabalho, os quais oferecem elementos para repensar/reafirmar a centralidade do trabalho no universo da sociabilidade humana e das práticas que configuram o cenário social de crise do paradigma de produção fordista e da sociedade salarial (GUIMARÃES, 2005; TELLES, 2006, PERRIN, 2004); ii) como o Estado, mediante a elaboração e execução de políticas públicas de emprego e renda, tem respondido à forte demanda dos jovens pelo direito ao trabalho em face às altas

taxas de desemprego juvenil (ABAD, 2002, 2005; ALONSO, 2000; POCHMANN, 2007; SPOSITO, CORROCHANO, 2005; CARDOSO JR et. al., 2006); iii) por último, como se constituem as novas gerações que vivem do mundo do trabalho, como se diferenciam e se relacionam com as gerações anteriores (TELLES, 2006; TOMIZAKI, 2006).

Para tanto, a categoria juventude trabalhadora é concebida como a unidade central da tríade analítica acima mencionada, a qual tem um duplo registro sociológico, a saber, a de categoria e de condição social. Enquanto categoria social, trata-se de uma concepção cognitiva, simbólica e política produzida para nomear, classificar e significar as práticas e representações socioculturais de um conjunto de indivíduos integrados à sociedade mediante a inserção no mundo do trabalho, cujo recorte etário é socialmente produzido e arbitrariamente atribuído. Por outro lado, diz respeito a uma situação vivida em comum por um conjunto de jovens que fazem parte da classe que vive do mundo do trabalho (ANTUNES, 1995) e compartilham entre si os fluxos intermitentes entre trabalho precário, desemprego e inatividade.

Para além deste duplo registro, a validade teórica dessa categoria se encontra no fato de que as experiências de trabalho das novas gerações de trabalhadores são decifradoras dos enigmas e transformações sociopolíticas a que assistimos no Brasil durante a década de 1990 e na metade da primeira década deste novo século, principalmente no que concerne à desregulamentação e desestruturação do mercado de trabalho social protegido, cujos efeitos se tornaram visíveis no aumento do desemprego, da informalidade, da flexibilização das relações trabalhistas e da redução dos direitos trabalhistas e sociais.

Os percursos da juventude trabalhadora também são portadores e denunciadores dos efeitos sociais do ajuste do Estado e da adoção da agenda neoliberal no Brasil, no que concerne à redução das políticas sociais de caráter universal e o aumento de políticas sociais focalizadas com público-alvo seleto, os bons pobres, os bons jovens, cuja matriz normativa deixa de ser a esfera dos direitos e se transmuta para o campo da filantropia e da ajuda humanitária, corporificada na transferência das responsabilidades do Estado para as denominadas organizações não-governamentais e à sociedade civil (TELLES, 2001).

4. JOVENS E INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO: DESVENDANDO A