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A diversidade de atitudes dos jovens frente ao trabalho: em busca de uma

3. O TRABALHO: UMA CATEGORIA CENTRAL NOS ITINERÁRIOS E

3.3. Os jovens e a relação com o trabalho

3.3.2 A diversidade de atitudes dos jovens frente ao trabalho: em busca de uma

Uma questão que emerge a partir das considerações acima aludidas é a seguinte: como explicar sociologicamente a diversidade de atitudes e valores dos jovens frente ao trabalho?

À primeira vista, tal como postulam os críticos do fim da sociedade do trabalho, uma possibilidade explicativa seria pelo viés do discurso culturalista que declara que os jovens são portadores de uma transformação generalizada com o trabalho, antecipando novas formas de atividades e novas formas de justificação da existência fora do trabalho, uma dissociação entre a vida e o trabalho-emprego (GORZ, 2004). Nesse sentido, haveria uma desafeição dos jovens com a ética tradicional do trabalho e para tanto, a relação com o trabalho distende-se e os jovens buscam dar sentido e coerência a si próprios em outras esferas da vida. Daí deriva uma percepção instrumental do trabalho como apenas um meio de ganhar a vida, portanto os jovens seriam os heróis obscuros da precariedade, que antecipariam o futuro da sociedade. O exílio fora do trabalho seria uma tendência geral.

Uma segunda forma de pensar e problematizar a diversidade de atitudes dos jovens em relação ao trabalho parte do pressuposto de que a relação com o trabalho, o valor atribuído a ele, o lugar que ocupa na vida das pessoas não são dados a priori e nem tampouco são invariáveis, mas historicamente construídos. A compreensão das mudanças de atitudes, suas variações, semelhanças e diferenças pode ser explicada a partir dos significados atribuídos ao trabalho em dado momento histórico, levando em consideração as variáveis culturais ou econômicas, nacionais ou individuais. Do ponto de vista analítico, a relação com o trabalho não é unívoca quanto aos sentidos imputados ao trabalho, nem restringe a única dimensão da vida, da realidade social. Está diretamente vinculada à reflexão sociológica sobre as transformações do lugar que o trabalho ocupa nas sociedades, através das quais se tornam inteligíveis as mutações ocorridas nos sentidos que se atribuem ao trabalho. Por isso, haveria

de se considerar as dimensões diferenciadas do trabalho ao longo da história das sociedades ocidentais, com significações específicas que persistem, se combinam e coexistem até os dias de hoje. Neste sentido, podem-se elencar alguns exemplos na literatura sociológica que se encaixam nesta perspectiva, como as contribuições de Nicole-Drancourt e Roulleau-Berger (2001); Banjoit e Franssen (1997); Mèda e Vendramin (2010); e Mèda (2011).

Nesse sentido, Dominique Mèda (1995) propõe uma tipologia de diferentes dimensões do trabalho, através da qual busca apreender as diferentes significações sedimentadas no conceito de trabalho: o trabalho como fator de produção (descrito pela economia como um meio de obtenção de outra coisa, de produção de riqueza e também como inutilidade); o trabalho como essência do homem (“como uma liberdade criativa que permite ao homem se expressar e fazer o mundo a sua imagem e semelhança); e o trabalho como um sistema de distribuição de renda, de direitos e de proteções, fundamento da sociedade salarial. Essa tipologia proposta por Mèda, utilizada para sustentar a tese do trabalho como valor em via de extinção, tem desdobramentos nos estudos sobre a relação dos jovens com o trabalho. Inclusive, a autora retoma a sua tipologia em pesquisas recentes, nas quais interroga sobre a especificidade da relação dos jovens com o trabalho, nos países da Comunidade Europeia, em particular na França. Curiosamente, os resultados encontrados demonstram que os jovens franceses têm uma relação específica com o trabalho, marcada por uma forte importância acordada a ele, ainda que manifestem o desejo de que ocupe menos espaços em suas vidas. Além disso, não houve desvalorização do trabalho, pelo contrário, apresentam expectativas muito elevadas em relação a ele, tanto em termos relacionais e expressivos quanto instrumental. E por último, não se constata uma subcultura jovem, pelo contrário, as aspirações e as relações dos jovens com o trabalho são heterogêneas, marcadas pela natureza da inserção sobre o mercado de trabalho, e ainda mais pela trajetória escolar e social, e o gênero (MÈDA, 2011).

Por sua vez, Bajoit e Fransenn (1997) se interrogam sobre a emergência de novas formas de orientações dos jovens com relação ao trabalho, ao emprego e ao desemprego, a partir da crise do modelo cultural do trabalho da sociedade industrial. Esse modelo estava pautado numa ética do trabalho, enquanto ética do rendimento, que se caracterizava como um

dever social (uma contribuição que responde a uma necessidade social e que é retribuída

socialmente pelo reconhecimento de uma competência, de um mérito, por uma recompensa moral e por um salário), cuja contrapartida é o status social e satisfação pessoal que proporciona. Entretanto, num contexto de crise da sociedade industrial, os mecanismos tradicionais que asseguravam aos jovens uma inserção automática no mercado de trabalho se

tornaram escassos, sendo recorrentes experiências de desemprego interpostas por situações de empregos temporários que redefinem significativamente a relação dos jovens com o modelo tradicional de trabalho.

A precariedade do trabalho passa a se constituir como “...universo de referência, desencadeando efeitos de ruptura, de fragmentação ou desarticulação que impede a formação de uma relação estável com o trabalho” ( BAJOIT; FRANSENN, 1997, p. 78). Entretanto, o trabalho continua sendo uma fonte importante de normatividade e uma experiência central de socialização, de modo que trabalhar – no sentido de uma atividade produtiva com caráter social associada a uma independência financeira – continua sendo uma expectativa básica na vida dos jovens, porém sob a aparente homogeneidade das expectativas, as experiências vividas e as significações atribuídas ao trabalho são múltiplas. Concluem os referidos autores que a diversidade das experiências dos jovens no trabalho precário e no desemprego indicam a fragmentação das diferentes dimensões do modelo tradicional de trabalho. Enquanto no passado, trabalho e emprego, participação social e realização social, dimensão instrumental e dimensão expressiva estavam associadas, as experiências juvenis no mercado de trabalho ilustram a dissociação dessas dimensões. Dessa forma, o trabalho não corresponde necessariamente a um emprego, na medida em que:

para um certo número de jovens, o trabalho é sentido como um obstáculo à realização pessoal, quando antes constituía uma condição, o superinvestimento de alguns no trabalho coincide com desimplicação de outros, o elo entre a contribuição e retribuição se atenua numa atitude garantista, quer dizer se investe de auto- realização ( Idem, p. 94)

Enfim, as diferentes experiências e representações do trabalho e do desemprego aparecem como socialmente diferenciadas. Contudo, em linhas gerais os jovens do meio popular estariam ainda mais vinculados a uma cultura tradicional do trabalho e sua vivência se aproxima da figura do desemprego total47, enquanto os jovens de classe média, portadores de maiores recursos, geralmente redefinem seus projetos de vida e o lugar do trabalho assalariado em detrimento da autorrealização pessoal.

Uma outra tipologia da relação com o trabalho é proposta por Nicole-Drancourt e Roulleau-Berger (2001). Para compreender as transformações na relação dos jovens franceses

47 Bajoit e Franssen (1997) utilizam o conceito de desemprego total formulado por Dominique Schnapper

(1984), definido por esse autor nos seguintes termos: “O desemprego total caracterizado pela humilhação, o tédio e a dessocialização, designa a experiência do desemprego vivida como um tempo vazio, desfeito, sem atividade de substituição e com o sentimento de sua própria inutilidade (SCHNAPPER, 1984 apud BAJOIT; FRANSSEN, 1997, p. 90).

com o trabalho nos últimos 50 anos, propõem uma tipologia na qual a relação com o trabalho é decomposta em três dimensões, a saber: dimensão instrumental ou material, dimensão

social e a dimensão simbólica. A dimensão instrumental se refere às expectativas materiais

em relação ao trabalho, fonte de sustento e de riquezas exteriores e quantificáveis; a dimensão social diz respeito às sociabilidades, às relações humanas no trabalho, às possibilidades de cooperação e, sobretudo, às formas de reconhecimento social; e a dimensão simbólica remete ao conjunto de significações positivas ou negativas atribuídas ao trabalho pelos indivíduos na construção das identidades sociais. A partir dessa tipologia, as referidas autoras defendem a tese de que o equilíbrio entre estas três dimensões se transformou profundamente na relação dos jovens com o trabalho nos últimos 50 anos, sendo que na atualidade o trabalho irá regredir em sua dimensão material em proveito dos níveis social e simbólico. Além disso, defendem a hipótese de que diferentes formas de relação com trabalho coexistem na sociedade pós-salarial, sendo algumas mais visíveis ou mais legítimas que outras. Entretanto, o trabalho, fruto da civilização industrial, estaria progressivamente mudando de uma concepção para outra, ou seja, o trabalho como dever social (primazia da sociedade sobre o indivíduo) dá lugar a uma concepção de trabalho como realização de si.

Em suma, nessa segunda forma de explicação o que sobressai é a constatação de que há uma dissociação entre as dimensões do trabalho (instrumental e expressiva), cuja gênese está sedimentada na crise do modelo tradicional de trabalho que se consagrou no período dos Trinta Gloriosos. Ainda que não afirmem categoricamente o fim do valor do trabalho, enfatizam em suas análises o caráter policêntrico da relação dos jovens com o trabalho, bem como os aspectos intrínsecos (a dimensão expressiva, a realização de si), e sobretudo, a emergência de um novo ethos juvenil, no qual o trabalho é algo importante, mas não a via principal de realização pessoal. De certo modo, essa forma de apreender as diversidades das atitudes e orientações dos jovens frente ao mundo do trabalho pode ser classificada como uma

perspectiva relativizadora do valor do trabalho na vida dos jovens, num contexto societal de

prevalência da sociedade pós-industrial ou da sociedade pós-salarial. Nesse aspecto, se aproximam das teorias sociológicas que apreendem as mutações da condição juvenil a partir da perspectiva da individualização, despadronização e reversibilidade das trajetórias juvenis.

Por fim, há uma terceira forma de explicação sociológica que se distingue das anteriores, pois a principal diferença diz respeito à necessidade de interpretar as diversas atitudes e representações juvenis em relação ao trabalho, sem desconsiderar o peso dos determinantes sociais que continuam a estruturar o acesso ao trabalho e a relação que se mantém com ele. Consideramos que Robert Castel (2010) é um dos principais autores da

sociologia contemporânea que defende esse tipo de perspectiva analítica. De acordo com ele, se é verdade que a precarização das relações de emprego e o desemprego estrutural abalaram a confiança que se podia conceder ao trabalho como um meio privilegiado para ocupar uma posição social estável, a investigação sociológica há de se interrogar sobre quem são os mais afetados pelas transformações em curso, em que medida e como são afetados.

Em geral, as teses de inspiração culturalista que concebem os jovens como portadores de uma transformação generalizada da relação com o trabalho na atualidade, se apoiam, ainda que não explicitem, nas experiências de jovens cuja socialização familiar é mais problemática e cujas probabilidades de ascender a um emprego de qualidade são remotas. Entretanto, mesmo entre os jovens de origem popular, desfavorecidos na distribuição dos recursos sociais, as atitudes frente ao trabalho são muito contrastantes, o que requer da análise sociológica a investigação das modalidades diferenciadas de atitudes de acordo com os suportes sociais existentes. As atitudes podem também ser bastante contrastantes quando comparadas com outras categorias sociais que estão em condições de desenvolver estratégias mais eficazes de acesso ao emprego e aos mecanismos de transmissão de uma atitude mais positiva em relação ao trabalho. Ao que tudo indica, entre os jovens dos extratos sociais mais elevados, da alta burguesia, não parece haver crises do trabalho, uma vez que são socializados para conservar as posições dominantes na sociedade, e para isso, as famílias buscam transmitir o habitus de classe e investem na obtenção de diplomas altamente valorizados, na inculcação da ética do êxito profissional, que possibilitem as estes jovens acender as tais posições.

Os jovens, na condição de recém-chegados ao mercado de trabalho, estão em desvantagens em relação às gerações precedentes. Mas, “nem todos os jovens estão desarmados frente às novas situações” (Idem, 124). Dessa forma, as mudanças nas atitudes dos jovens frente ao trabalho e sua implicação qualitativa (positiva ou negativa), bem como o desenvolvimento das trajetórias profissionais, estão associadas à condição social dos indivíduos. Ou seja, “é a partir dos recursos socialmente distribuídos que se está em condições de existir mais ou menos positivamente como um indivíduo frente à nova problemática do trabalho” (idem, p. 124). Portanto, Castel defende a hipótese de que a atitude dos jovens frente ao trabalho depende amplamente da natureza e da qualidade dos suportes sociais que podem ser mobilizados. Por isso, afirmação de que haveria uma mudança global dos jovens tende a ocultar as disparidades existentes das atitudes segundo as categorias sociais e no interior delas.

Tendo em vista os objetivos desta tese, consideramos que a perspectiva sociológica de Robert Castel é a mais apropriada, uma vez que a compreensão das atitudes e representações juvenis em relação ao trabalho não desconsidera o peso dos determinantes sociais que estruturaram o acesso e a permanência juvenil no mercado de trabalho. Portanto, os sentidos e as representações sociais sobre o trabalho estão atrelados a uma materialidade sócio-histórica, os quais só podem ser compreendidos a partir da relação dialética entre os elementos objetivos e subjetivos que produzem e reproduzem no espaço e tempo, historicamente determinado, a relação dos jovens com o trabalho.

3.4 Considerações parciais: juventude trabalhadora e duplo registro sociológico