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2. JUVENTUDE E TRABALHO: PROBLEMATIZANDO CONCEITOS E

2.3. Mutações sociais e condição juvenil

2.3.1 O fenômeno do prolongamento juvenil

Neste âmbito é interessante recuperar algumas das principais formulações sobre a problemática do prolongamento da juventude, enquanto um fenômeno social fortemente atrelado às mutações sociais ocorridas pós-crise do fordismo e da sociedade salarial. Dentre os estudos clássicos a esse respeito, destacam-se estudos de Jean-Claude Chamboderon (1966, 1985) e Olivier Galland (1997, 200919), os quais a partir da realidade da sociedade francesa buscam explicar o surgimento de uma nova idade da vida, cujas especificidades não se explicam pelos efeitos demográficos (aumento da esperança de vida), mas estavam associadas às mudanças estruturais. No final da década de 1960, Chamboderon (1966)

18Convém destacar que a sistematização teórica apresentada nessa seção a respeito das diferentes perspectivas de

análise de mutações da condição juvenil na contemporaneidade se deu a partir dos estudos realizados por Pimenta (2007); Tartuce (2007) que despertaram o interesse pela leitura e maior contato com a produção sociológica de outros países sobre a temática.

19 O livro Les Jeunes de Olivier Galland teve sua 1ª edição publicada em 1994, e atualmente encontra-se na 7ª

apontava que havia uma fase da vida distinta entre a adolescência e a vida adulta, que não se resumiria a emergência de cultura de adolescente, tipificada pela futilidade das práticas de consumo, de lazer e vestuários da classe média conforme preconizava Edgar Morin20. Mas estaria vinculado ao modelo de organizar o ciclo da vida, inicialmente presente entre os jovens da classe média, expandindo-se às outras classes com a ampliação da escolaridade obrigatória e posteriormente, face às maiores incertezas em relação à inserção profissional, extrapolaria o período escolar e seguiria até a inserção na vida ativa, configurando o que Chamboderon denominou de pós-adoslecência. Entre os fatores explicativos, o autor rejeitava uma leitura culturalista e apontava um conjunto de elementos estruturais que estão associados à expansão da fase de formação atrelada à generalização e prolongamento da escolarização; uma dilatação de período transição escola-trabalho, em decorrência das dificuldades de inserção no mercado de trabalho; o aumento no período de transição entre a família de origem e de procriação, e a postergação do casamento e o nascimento de primeiro filho. Por outro lado, também constatava uma antecipação de determinados atributos da maturidade, a exemplo do exercício da sexualidade, e sua desvinculação do estatuto de adulto, tais como o exercício da sexualidade dissociado da procriação, a obtenção do diploma escolar sem inserção profissional para área a qual se formou etc. ... Para Chamboderon, a emergência dos pós-adolescentes ou jovens-adultos era resultado da luta entre gerações, a fim de delimitar as posições sociais presentes e futuras entre as diferentes gerações. Essa análise se aproxima ou compartilha dos mesmos pressupostos de Pierre Bourdieu, no texto já mencionado anteriormente, no qual defende que “a juventude é apenas uma palavra”.

Compartilhando dessa perspectiva, Olivier Galland irá desenvolver uma nova formulação teórica sobre a transição para vida adulta, datada da década de 1980 e reformulada nos anos de 1990 e 2000. Para esse autor, a transição para a vida adulta está circunscrita a determinados processos e/ou eventos sociais, estruturados a partir de dois eixos: o primeiro seria o eixo escolar e profissional, correspondendo à vida pública do jovem; e o segundo, a vida familiar, correspondendo à esfera privada. Sob esses dois eixos ocorreriam quatro passagens, nas quais os jovens assumiriam papéis sociais significativos, sendo duas passagens de saída (a conclusão dos estudos e a saída da casa dos pais) e duas passagens de entrada (inserção no mundo do trabalho e o casamento ou conjugalidade). O ingresso no mundo do trabalho, a saída da casa dos pais e a constituição de uma nova família configurariam um modelo tradicional de transição que se consolidou após a Segunda Guerra Mundial na França.

20 Na perspectiva de Morin, a existência da juventude se daria a partir de hábitos culturais semelhantes, de modo

Um dos aspectos centrais desse modelo é que a dupla passagem para vida adulta aconteceria sincronicamente, ou seja, esses eventos demarcadores da transição eram simultâneos, embora houvesse diferenciações segundo o sexo e posição social. O ingresso das mulheres na vida adulta seria mais precoce em decorrência da tendência de casarem mais cedo em relação aos homens, geralmente com homens mais velhos, e também pela pouca importância atribuída à inserção profissional, fator preponderante para a inserção dos homens na vida adulta. No que tange à origem social, também haveria diferenças no modelo de transição dos jovens operários e jovens burgueses, já que para os jovens trabalhadores a transição seria quase automática, marcada pela simultaneidade entre conclusão dos estudos, saída da família de origem e casamento; sendo a inserção no mundo trabalho condição indispensável para isso. Esse modelo de transição é denominado por Galland como modelo de instalação. Em contraposição, o modelo de diletantismo seria típico dos jovens burgueses, para os quais o prolongamento dos estudos e o adiamento do ingresso na vida adulta eram possíveis, ou seja, viviam a condição juvenil enquanto moratória social.

A partir da década de 1980, esses modelos tradicionais serão impactados em decorrência dos fatores relacionados ao prolongamento juvenil (a expansão da escolaridade obrigatória, dificuldades de inserção no mercado do trabalho e prolongamento na casa dos pais) e terão alterações significativas, distinguidas principalmente pela constatação de que haveria um retardamento do período de transição e pela dessincronização das etapas, dando origem a um conjunto de situações intermediárias. Em outros termos, o que se observa é a desconexão entre os processos de passagens para vida adulta, tanto entre os jovens de camadas populares quanto da classe média, de modo que um jovem poderia concluir os estudos, mas não conseguir se inserir no mercado de trabalho; ou então, lograr uma inserção profissional, sem deixar a casa da família de origem; ou ainda, sair da casa dos pais, encontrar um emprego e sem se casar.

Nos anos de 1990, a dessincronização das etapas já se estendia para os jovens de todas as classes sociais na França, e o prolongamento da juventude deixa de estar associado apenas à moratória social, condição geralmente desejada pelos jovens de classe média e sustentada pelas famílias, e passa a ser visto também como período indesejado, já que os jovens têm dificuldades de definir a sua posição social em um contexto de precariedade social (desemprego, contratos de trabalho precário, dificuldade de sustentar sozinho, dependência financeira dos pais etc...). Em análises posteriores, Galland (1997) constrói um novo modelo, constituído de várias situações intermediárias de transição para vida adulta, denominadas de

escolaridade obrigatória e a saída da casa dos pais, uma fase de independência parcial (autonomia residencial com dependência financeira dos pais); a “juventude” é compreendida como uma etapa intermediária marcada pela saída da casa dos pais e formação de um casal, considerada pelo autor como uma etapa fundamental para a construção identitária; e por último, a fase pré-adulta, período entre a formação de um casal e o nascimento dos filhos. Para Galland, o alongamento das transições e a desconexão das etapas são resultantes das mudanças ocorridas no modelo de socialização familiar e profissional que redefiniram os modos de acesso à vida adulta, e, por conseguinte, o modelo de socialização dos jovens em geral, havendo um deslocamento de um modelo de identificação para um modelo de

experimentação, isto é, se no modelo tradicional os jovens ingressavam na vida adulta sem

rupturas no quadro de transmissão de valores geracionais, agora estariam buscando fora do contexto familiar um quadro de referência de valores que lhes possibilitem a construção de uma identidade e de um estatuto.

Eu falo experimentação porque a definição de si se constrói, mais do que é herdada. Ela se constrói no interior de um processo interativo, feito de ensaios e erros, até o alcance de uma definição de si [...] Fundamentalmente esta fase de experimentação torna-se cada vez mais longa e explica o prolongamento da juventude e sua formação como nova idade da vida (GALLAND, 1997, p. 160 apud CORROCHANO, 2008; p. 22).

Embora essa formulação teórica busque entender as mudanças ocorridas nos modos de transição para vida adulta, tendo como mérito a tentativa de diferenciar a adolescência (etapa da vida mais próxima da infância e elevado grau de dependência) e a juventude (uma fase de maior autonomia sem completa independência); a mesma é bastante questionada e criticada por buscar explicar a condição juvenil contemporânea, a partir de uma perspectiva linear da transição para a vida adulta, operacionalizada em uma escala progressiva entre a imaturidade- dependência da adolescência à maturidade-independência da vida adulta (PIMENTA, 2007; TARTUCE, 2007; CORROCHANO, 2008). Ao tomar como pressuposto que a vida adulta é sinônimo de estabilidade (econômica, profissional, familiar), negligencia-se que os percursos dos indivíduos ao longo da vida são cada vez mais labirínticos e imprevisíveis no mundo contemporâneo, logo deixa de ser exclusividade dos jovens. Assim, não é possível compreender as mutações da condição juvenil, expressas na ideia de prolongamento da juventude, sem relacioná-las com as outras etapas do ciclo da vida, as quais também sofrem com as mudanças estruturais ocorridas a último quartel do século XX.

Segundo Lagree (1998) citado por Tartuce (2007), a forma como os jovens vivem os percursos em direção à vida adulta, bem como as próprias definições do ciclo da vida, podem variar conforme os contextos socioeconômicos e socioculturais, de modo que as transições juvenis não podem ser apreendidas unicamente de forma progressiva e linear. Para aqueles que se situam nos estratos superiores é possível que os percursos de vida se deem de forma linear e progressiva, enquanto os que estão nos estratos inferiores, cujas experiências são marcadas pelo desemprego e precarização do emprego, os percursos para outras fases da vida podem se encontrar bloqueados ou indefinidos. Assim, os itinerários juvenis tornam-se confusos, obscuros, incertos e inseguros, e põem em questão o próprio modelo clássico de integração a vida adulta, no qual o trabalho é o eixo estruturante da trajetória dos indivíduos ao longo do tempo, num contexto de metamorfoses e re-configurações do próprio mundo do trabalho.

Outros autores irão desenvolver formulações teóricas que se contrapõem a uma perspectiva linear e progressiva da transição à vida adulta no contexto das sociedades europeias. Amparados em estudos empíricos, com escopos metodológicos diferenciados, que envolvem desde as pesquisas de cunho longitudinais focadas na análise dos itinerários profissionais, formativos e familiares, a exemplo das pesquisas realizadas pelo Grupo de

Recerca Educación i Treball (EL GRET)21 da Universidade Autônoma de Barcelona sobre a

situação social dos jovens catalães; até os estudos comparativos entre diversos países, notadamente de cunho qualitativo, preocupados em compreender o caráter despadronizado e reversível das trajetórias de transição e inserção dos jovens em diferentes contextos regionais e nacionais, a exemplo das pesquisas realizadas por pesquisadores europeus associados

European Society for Regional and International Social Research (EGRIS)22. Entendemos

que esses estudos põem em relevo os processos, os atores e as lógicas institucionais que estão em jogo nas múltiplas formas de transição à vida adulta e nas suas implicações objetivas e

21 El GRET (www.uab.cat/gret) foi criado em 1987, e é composto por um grupo de pesquisadores do

Departamento de Sociologia, Faculdade de Ciência Política Sociologia, Universidade Autônoma de Barcelona, sendo que as linhas de pesquisa se concentram em três campos de atuação: juventude, transição escola-trabalho; expansão da educação, competência e mercado de trabalho; e, o papel da formação universitária e a inserção social e profissional dos jovens. Dentre as pesquisas realizadas se destacam os estudos longitudinais sobre os jovens na Catalunha (Enquesta als joves de Cataluny - 2002) e as investigações sobre transição escola-trabalho

na Espanha( Itineraris educatius, laborals i familiars, Generalitat de Catalunya, 2004; Transición escuela-

trabajo contratos i+d+i digicyt; transición 16-19 años y análisis socioestadístico de la encuesta ine-etefil 05) (EL GRET, s/d).

22 Trata-se de uma rede composta de pesquisadores provenientes da Dinamarca, Alemanha, Irlanda, Itália, Países

Baixos, Portugal, Espanha e Grã-Bretanha, que desde 1993 realizam investigações sobre as mudanças nas transições dos jovens à vida adulta. Dentre os estudos realizados, destaca-se a investigação socioeconômica realizada com apoio financeiro da União Europeia; intitulada “Trajetórias falidas: evolução das políticas de mercado de trabalho para jovens na Europa” (1998-2001), (EGRIS, s/d).

subjetivas na vida dos jovens, e ao fazerem isso, mesmo que não reconheçam explicitamente, evidenciam em suas análises como as transformações do mundo do trabalho ocupam um lugar central na re-configuração da condição juvenil contemporânea.

2.3.2 A diversificação dos itinerários biográficos e das modalidades emergentes de