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4. ANÁLISE DAS RESOLUÇÕES NORMATIVAS DA ANEEL SOBRE ENERGIAS

4.2. Considerações sobre o conteúdo das resoluções normativas e seu impacto na

Ao analisarmos as resoluções normativas expedidas pela ANEEL, é relevante considerar não apenas o seu conteúdo, mas também o seu histórico de criação, notadamente no que diz respeito à análise de impacto regulatório.

Sendo a AIR “[...] um modelo institucionalizado que tem início com a análise e articulação do problema que cria o contexto para a regulação e prossegue com a avaliação dos custos e benefícios [...] da ação regulatória, bem como o acompanhamento dos resultados388”,

ela possui grande importância para que a agência, no caso a ANEEL, no âmbito de sua atuação, seja capaz de concretizar seus objetivos, aí incluídos aqueles relacionados com a eficiência energética e a diversificação da matriz elétrica, importantes para a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável.

Nesse sentido, por meio da análise de custo-benefício inerente ao processo de AIR, não se deve buscar apenas a adequação, a eficiência e a eficácia – que são fundamentais para se atingir melhores resultados com a regulação –, mas deve-se também medir e gerenciar riscos sociais e outros impactos que não são imediatamente monetizáveis.389

A análise de custo-benefício é uma ferramenta que vem sendo utilizada para medir e gerenciar riscos sociais. É justificada por argumentos de eficiência econômica, cabendo aos reguladores atuarem quando os benefícios excederem os custos, mas não no caso contrário. Essa visão puramente econômica não é unânime, entretanto. Para Cass Sunstein a eficiência é relevante, mas não é o único objetivo da regulação. Escolhas democráticas podem levar a regulações que não respeitam o cálculo de eficiência. A análise de custo benefício não deve ser uma “camisa de força aritmética”, mas sim uma ferramenta para demonstrar o que está em jogo e fornecer as informações necessárias para o tomador de decisão, tentando-se reduzir o déficit informacional. Para os reguladores, uma escolha que não respeite a análise de custo-benefício deve estar sempre acompanhada de justificativas.390

388 SILVESTRE, Matheus Meott. Captura regulatória: a análise de impacto regulatório como alternativa para

o Brasil. Disponível em:

<http://www.academia.edu/14136191/Captura_Regulat%C3%B3ria_A_an%C3%A1lise_de_impacto_regula t%C3%B3rio_como_alternativa_para_o_Brasil>. Acesso em: 17.08.2017. p. 9. Ver também: OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Construire um cadre institutionnel pour l’analyse d’impact de la réglementation (AIR): orientations destinées aux décideurs. Disponível em: <https://www.oecd.org/fr/gov/politique-reglementaire/41574101.pdf>. Acesso em: 17.07.2018.

389 SILVESTRE, Matheus Meott. Ob. cit. p. 11. 390 SILVESTRE, Matheus Meott. Ob. cit. p. 11.

Não obstante, feitas esses apontamentos, cumpre esclarecer que haverá a divisão entre a análise do conteúdo normativo das resoluções da ANEEL (realizada neste tópico) e a análise do histórico de criação das referidas normas (a ser realizada no tópico seguinte).

Dito isso, a partir das informações expostas acima, em uma espécie de síntese das ações implementadas pela ANEEL no campo das energias alternativas, é possível resumir que as principais medidas regulatórias consistiram em: (i) garantir o acesso dos geradores de energias alternativas aos sistemas de transmissão e distribuição de energia elétrica; (ii) elaborar novos desenhos de disposições contratuais que levem em conta as particularidade desse tipo de geração de energia e promovam a sua inclusão no campo da comercialização; (iii) reduzir as tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e distribuição de energia (TUST e TUSD); (iv) criar critérios que promovam a inclusão da geração por fontes alternativas em políticas e programas de incentivo, seja com redução de encargos ao longo da cadeia produtiva, seja com acesso a financiamento; (v) criar condições diferenciadas de comercialização da energia produzida a partir de fontes alternativas e renováveis; e (vi) criar critérios específicos para as outorgas de exploração de empreendimentos renováveis, com destaque para disposições que facilitem o funcionamento e a conexão das unidades produtoras com capacidade reduzida.

Além disso, destaque especial deve ser dado às medidas de descentralização da geração por fontes alternativas, notadamente no que diz respeito ao Sistema de Compensação de Energia Elétrica, criado e regido pela Resolução Normativa nº 482/2012 (e suas alterações), permitindo a geração de energia pelos próprios consumidores e a compensação do excedente produzido para a redução das faturas de energia posteriores.

Pois bem. Confrontando tais medidas com os dados constantes do capítulo 3 do presente trabalho, relativos à diversificação das matrizes energética e elétrica e da participação das energias solar, eólica e de biomassa na oferta de energia, é possível verificar que a regulação realizada pela ANEEL tem sido positiva – ainda que não suficiente, conforme se verá a seguir – para o progressivo crescimento do uso de energias alternativas no país.

Não se desconsidera, aqui, é claro, o papel de outras medidas e contextos não regulatórios, como a redução mundial dos custos de implantação dos empreendimentos eólicos e solares fotovoltaicos nessa expansão da geração de energia alternativa, conforme também explorado no capítulo 3. Porém, os impactos da descentralização da geração de energias alternativas, por meio de empreendimentos de pequeno porte espalhados pelo país e próximos aos pontos de consumo (microgeração e minigeração distribuída), têm sido de extrema importância e favoráveis para a diversificação das fontes geradoras de energia no

país, excedendo, como visto acima, até mesmo as projeções mais favoráveis que haviam sido feitas.

Ademais, a regulação implementada pela ANEEL tem contribuído para a concretização dos princípios regulatórios, os quais são reforçados e sistematizados por Salomão Filho, pois, além de aumentar a concorrência no setor da geração391 – e, com isso, a

difusão do conhecimento econômico –, tem havido maior acesso dos mais variados grupos sociais aos serviços públicos de fornecimento de energia e maior participação democrática na determinação dos objetivos e no planejamento do setor (o que será melhor analisado abaixo).

Como se não bastasse, evidencia-se que, em que pese o Brasil já tenha há décadas uma significativa participação de energias renováveis em sua matriz energética, está havendo uma diminuição da dependência da geração a partir de hidrelétricas – que causam diversos impactos negativos de ordem ambiental e social – e o crescimento da geração limpa de energia – vide o aumento substancial da produção de energia solar (conforme visto no capítulo 3, de acordo com dados da EPE, a oferta interna de energia pela fonte solar aumentou 875,6% entre 2016 e 2017 e, no mesmo período, a capacidade solar instalada recebeu um incremento de 3836%).

Dessa forma, fica claro que a ANEEL tem agido, no que diz respeito às resoluções normativas elencadas acima, no intuito de concretizar os objetivos traçados pela Constituição Federal392, pois, além de promover os princípios da ordem econômica, estão sendo priorizadas as questões relevantes para a promoção de um modelo de desenvolvimento sustentável mais inclusivo.

Reforça-se a importância da diversificação da matriz energética brasileira e na construção de um verdadeiro modelo nacional de desenvolvimento sustentável, que traga reais benefícios à população, possibilitando, por sua vez, o aumento da qualidade de vida e capacidade de autodeterminação e participação da vida social, política e econômica pelos indivíduos, objetivos também traçados pelas teorias desenvolvimentistas que embasam a

391 “Um relatório da consultoria Make aponta que os recordes em termos de preços baixos apresentados em

leilões nos anos de 2016 e 2017 para as fontes solar e eólica apontam o incremento da competitividade das renováveis. Entre os principais pontos que direcionam a esse desempenho estão os desenvolvimentos tecnológicos, ganhos de escala e concorrência agressiva, quem vem entregando um custo de eletricidade comparável (LCOE, na sigla em inglês) cada vez mais baixo em comparação às fontes de geração que se utilizam de combustíveis fósseis.” Ver: AGÊNCIA CANAL ENERGIA. Estudo da consultoria Make aponta aumento da competitividade das fontes renováveis. Disponível em: <http://canalenergia.com.br/noticias/51836037/estudo-da-consultoria-make-aponta-aumento-da-

competitividade-das-fontes-renovaveis>. Acesso em: 17.07.2018.

392 Essa ideia, de o direito administrativo ser o direito constitucional concretizado, pode ser encontrada no

trabalho de Hartmut Maurer. Vide: MAURER, Hartmut. Droit administratif allemand. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1994.

presente pesquisa.

Não obstante, em que pese a experiência positiva, há ainda um intenso trabalho a ser feito no campo da regulação do setor de energia para a promoção do desenvolvimento nacional, especialmente para otimizar a microgeração e minigeração distribuída e promover, no país, a criação de incentivos combinados – como, por exemplo, o estabelecimento de tarifas feed-in combinadas com o sistema de compensação (net metering) já existente.

Ademais, é necessário sanar deficiências que não dependem exclusivamente da atuação da ANEEL em si, mas sim de políticas públicas setoriais, definidas no âmbito ministerial, além de investimentos públicos. Para tanto, menciona-se os subsídios e as reduções fiscais, o acesso a crédito para a implantação de empreendimentos geradores de energia por fontes alternativas e até a possível taxação das atividades emissoras de gases do efeito estufa, a fim de desincentivá-las.

Assim, deve ser destacada a existência de impasses a serem resolvidos tanto pela via regulatória quanto por meio de ações que não dependem da ANEEL, conforme será visto adiante.