Pode-se perceber, mediante o resgate histórico do curso de Pedagogia no
Brasil, que o mesmo não teve um processo de construção linear, bem pelo contrário,
o percurso do curso foi marcado por muitas idas e vindas, por muitos retrocessos e
avanços. Percurso histórico marcado pela presença de diferentes posicionamentos
epistemológicos acerca da estrutura do curso e da identidade do profissional a ser
formado.
Conforme Libâneo (2008, p.43):
Os estudos referentes à história desse curso, no Brasil, mostram sucessão
de ambiguidades e indefinições, com repercussões no desenvolvimento
teórico do seu campo de conhecimento e na formação intelectual e
profissional do pedagogo.
Devido às políticas públicas do Ministério da Educação e do Conselho
Nacional de Educação, duvidou-se que a Pedagogia tivesse conteúdo próprio que
justificasse sua permanência. Libâneo (Idem, ibidem, p.135) esclarece esta questão
dizendo:
Em nenhum momento, no âmbito da legislação, estruturou-se um curso
destinado especialmente a formar o investigador, o pensador das questões
da educação em geral e do ensino particular. [...] os estudos pedagógicos
no Brasil sempre tiveram, via de regra, a conotação restrita de formação de
professores e de técnicos em educação, desconsiderando sua outra função
de propiciar a reflexão teórico-científica sobre educação.
Outros questionamentos se fizeram presentes na história do curso: a
Pedagogia é uma ciência? Produz conhecimento científico? Qual a identidade do
pedagogo? Qual a função do pedagogo? Para que serve o curso de Pedagogia?
Qual sua finalidade?
A este respeito, Silva (1999, p. 26) afirma: “[...] a história do curso de
Pedagogia no Brasil corresponde, essencialmente, à história da questão de sua
identidade.” Percebe-se a dificuldade em se definir a função do curso e,
consequentemente, o destino de seus egressos.
Em função das três regulamentações que o curso de Pedagogia passou, ao
longo dos quase setenta e cinco anos, o pedagogo recebeu diferentes formações e
diversas funções foram atribuídas a ele, consequentemente, na escola deveria
exercer e assumir diferentes papéis. A falta de uma identidade do curso de
Pedagogia tem se refletido no exercício profissional do pedagogo.
No Parecer n. 252/69, a concepção de formação do pedagogo se fragmenta
nas diversas habilitações, o que apontou para uma atuação profissional fragmentada
na escola. Este profissional não tinha o conhecimento da “totalidade” do processo
pedagógico. Atuava, compreendia e intervinha, apenas, numa “parte” do todo. O
saber-fazer do pedagogo foi parcelarizado: era “a parte do aluno”; “a parte do
professor” e “a parte administrativa”. Seu trabalho era embasado na ótica da
racionalização da administração científica do trabalho e da “eficiência” da escola.
A terceira reforma caracterizada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do
Curso de Pedagogia concebe a formação do pedagogo à luz da docência. Esta
concepção é criticada por alguns autores, como Libâneo (2006), Franco (2008),
Saviani (2007). Segundo estes, os pedagogos a serem formados pelas DCNs do
Curso de Pedagogia possuem uma gama de atuação, tendo em vista as mudanças
sociais e econômicas, em espaços escolares e não escolares. A formação desses
profissionais está enfatizada na prática docente, minimizando a formação do
pedagogo como pesquisador/investigador, como cientista da educação e que
precisa se apropriar dos conhecimentos da Pedagogia, enquanto ciência da
educação, para repensar, refletir, investigar sua prática e, a partir da aplicação de
um método, produzir o conhecimento pedagógico.
Fica evidente que o curso de Pedagogia, devido às políticas públicas
educacionais, descaracteriza o pedagogo como cientista e pesquisador da
educação. Esta função fica restrita aos profissionais que irão atuar com o Ensino
Superior.
Partindo dessas considerações e do percurso histórico analisado, pode-se
constatar que a formação do pedagogo foi marcada por diferentes concepções que
têm influenciado sua prática profissional e a indefinição de sua Identidade
científica/profissional.
Estudar, pesquisar, analisar sobre a prática do pedagogo na escola pública,
na atualidade, significa refletir sobre a identidade deste profissional. Este é o intuito
do próximo capítulo: discutir sobre a atuação dos pedagogos que trabalham na Rede
Municipal de Ensino de Curitiba, com os anos iniciais do Ensino Fundamental,
tomando como referência as três dimensões (epistemológica, profissional e política)
que formam a identidade do pedagogo.
CAPÍTULO II - A IDENTIDADE DO PEDAGOGO: PROFISSIONAL, POLÍTICA E
EPISTEMOLÓGICA
A intenção do presente capítulo é fundamentar teoricamente a identidade do
pedagogo, à luz das dimensões profissional, política e epistemológica. Para isso,
parte-se da compreensão construída historicamente sobre essas dimensões que
devem nortear a formação do educador no Brasil e, especificamente, a do
Pedagogo.
Para que se possa caracterizar melhor a identidade deste profissional que
vem atuando na escola como intelectual responsável pelo planejamento,
organização e articulação do processo pedagógico escolar, toma-se como
referência, conforme (GRÁFICO 1), a concepção de Educador inscrita pela
Associação Nacional Pela Formação do Educador (ANFOPE) no Movimento dos
Profissionais de Educação.
A expressão base nacional comum foi cunhada pelo Movimento Nacional de
Formação do Educador e apresentada no I Encontro Nacional para a “Reformulação
dos Cursos de Preparação de Recursos Humanos para Educação”, realizado em
1983, em Belo Horizonte. Nesse encontro (CONARCFE, 1983, p.5), foi firmado o
princípio de que a docência constitui a base da identidade profissional de todo
educador, princípio defendido pela ANFOPE até os dias de hoje, e que o curso de
Pedagogia deveria ter sua identidade epistemológica e política através de uma base
nacional comum:
[...] sólida concepção básica de formação do educador alicerçada em um
corpo de conhecimento fundamental. [...] consubstanciada numa tríplice
aspecto: na dimensão profissional, política e epistemológica, ancorada
numa concepção sociohistórica do educador.
No IV Encontro Nacional em 1989, em Belo Horizonte, a ANFOPE, ainda
denominada de CONARCFE, definiu que a base comum nacional deveria abranger
três dimensões fundamentais e intrinsecamente relacionadas: a dimensão
epistemológica, profissional e política.
GRÁFICO 1 – IDENTIDADE DO PEDAGOGO
FONTE:CONARCFE (1989, p.11); Autora (2014).
A concepção de educador definida pela ANFOPE aponta para as dimensões
que devem ser observadas tanto para o professor stricto sensu, bem como para o
pedagogo formado nos Cursos de Pedagogia no Brasil. Compreende-se que o
profissional da Pedagogia é formado à luz destas três dimensões que lhe configuram
e/ou lhe dão uma identidade profissional para atuar na prática escolar (não escolar).
A intenção é tomar as três dimensões como organizadoras da identidade do
Pedagogo, as quais se manifestarão com maior ou menor intensidade na sua
atuação prática junto à organização escolar. Aprofundando: compreende-se que os
conhecimentos necessários à atuação crítico-científica do pedagogo estão
fundamentados na Base Comum Nacional, a qual aponta para uma Concepção de
Educador à luz das dimensões profissional, política e epistemológica.
As Diretrizes Nacionais Curriculares para o Curso de Pedagogia reafirmam o
constructo histórico realizado ao longo de mais de trinta anos em relação à
concepção de educador.
Intenciona-se, então, caracterizar as dimensões “organizadoras” da
identidade do pedagogo no sentido de visualizar os conhecimentos implícitos e
instrumentalizadores deste profissional da escola.
No documento
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
(páginas 49-54)