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3.3 ASPECTOS GERAIS SOBRE AS TUTELAS PROVISÓRIAS NO CPC

3.3.1 Considerações sobre a tutela de urgência

O renomado professor Theodoro Júnior (2015, p. 792) explica que os provimentos extraordinários de urgência são efetivados através das medidas cautelares (conservativas) e das medidas antecipatórias (satisfativas), em que são voltadas para evitar danos advindos do lastro temporal que demanda a judicialização dos litígios.

A tutela de urgência deve ter seu deferimento a partir do preenchimento de requisitos, sendo: haver a demonstração do direito substancial invocado (fumus boni iuris); a possibilidade de o litigante sofrer um dano potencial, um risco que corre o processo de não ser útil ao interesse requerido (periculum in mora) (THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 806).

O jurista Donizetti (2019, p. 459) aduz que “a probabilidade do direito deve estar evidenciada por prova suficiente, de forma que possa levar o juiz a acreditar que a parte é titular do direito material disputado.” Ainda, ressalta, com propriedade sobre o tema, que “pouco importa se, posteriormente, no julgamento final, após o contraditório, a convicção do magistrado seja diferente daquela que se embasou para conceder a tutela.”

No tocante ao perigo na demora da prestação jurisdicional, define-se como a fundada demonstração de que o direito afirmado pela parte, caso aguarde a tutela definitiva, venha a sofrer perecimento irreparável ou de difícil reparação. “O dano ao direito substancial em si ou ao resultado útil do processo acaba por ter como referibilidade o direito material, uma vez que o processo tem como escopo principal a certificação e/ou a realização desse direito.” (DONIZETTI, 2019, p. 459).

No que tange ao momento do requerimento, Didier Junior, Braga e Oliveira (2015, p. 820 e 821) elucidam que a tutela de urgência possa ser pleiteada em três oportunidades: “(a) antes da dedução da pretensão principal (tutela antecedente); (b) na petição inicial da ação principal (tutela cumulativa); e (c) no curso do processo principal (tutela incidental).”

A regra estabelece que o magistrado deve observar o contraditório para conceder a tutela de urgência cautelar ou satisfativa, no entanto, pode deferi-la antes da citação do réu, por exemplo (CPC, art. 9º, I) (CUNHA, 2018, p. 302; DONIZETTI, 2019, p. 459). “Tanto a tutela provisória requerida em caráter antecedente como a requerida em caráter incidental podem ser concedidas liminarmente ou somente depois de instaurado o contraditório” (CUNHA, 2018, p. 303), incidindo essa última hipótese nas referidas demandas de tratamento medicamentoso, por conta da urgência que geralmente cinge a situação fática.

Ademais, destaca-se que as medidas de urgência não podem ser recusadas, quando presentes os seus pressupostos legais e configuram abuso de direito ou de poder, quando concedidas em desconformidade ao texto legal (THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 207).

3.3.1.1 A tutela provisória de urgência acautelatória e satisfativa

Analisando pormenorizadamente os instrumentos de obtenção da tutela provisória de urgência – medida cautelar e satisfativa - pode-se afirmar que as medidas cautelares caracterizam-se pelo caráter conservativo – e não satisfativo - do direito material pleiteado, fundadas na urgência (THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 813).

O que as distingue é o risco existente da situação de fato. Lourenço (2019, p. 317) explica que, “se o perigo incidir sobre o direito material (perigo da morosidade), será cabível tutela antecipada. Se o perigo incidir sobre os efeitos do processo (perigo da infrutuosidade), será hipótese de tutela cautelar.”

A tutela provisória cautelar tem as funções singulares de “dar eficácia imediata à tutela definitiva não-satisfativa; e [...] assegurar a futura eficácia da tutela definitiva satisfativa, na medida em que resguarda o direito a ser satisfeito, acautelando-o.” (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 569). Oportuno, pois, citar-se a reflexão de Pontes de Miranda (1976, p. 14 apud CUNHA, 2018, p. 294) ao afirmar que há, na tutela cautelar, “segurança para execução”, diferentemente da tutela satisfativa antecipada, em que há “execução para segurança”.

As tutelas de natureza cautelar não têm pretensão de antecipar a resolução do litígio, pois apenas buscam conservar bens, pessoas e/ou provas relevantes para a eficácia e utilidade do futuro provimento judicial (LOURENÇO, 2019, p. 318; THEODORO JUNIOR, 2015, p. 805).

Dentre o poder de cautela, o código admite expressamente que se adote qualquer medida necessária à satisfação da tutela29 (CPC, art. 297, caput c/c art. 301), inclusive

admitindo deferimento ex officio (LOURENÇO, 2019, p. 317).

A outra espécie de tutela provisória de urgência, antecipada ou satisfativa, requer maior atenção neste ensaio, considerando-se que é através deste instrumento antecipatório dos

29 “Poderá a cautelar ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra

alienação de bem ou qualquer outra medida idônea e proporcional para asseguração do direito. Tem-se, portanto, um rol exemplificativo de medidas cautelares.” (GAJARDONI et al., 2018a, p. 952).

efeitos da tutela definitiva, total ou parcialmente, que o juiz/desembargador ordena a dispensa de fármacos à parte.

Logo, é certo que esse instituto processual confere eficácia e satisfação ao direito deduzidonos casos em que a morosidade da jurisdição provoca uma situação de risco iminente (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 569; LOURENÇO, 2019, p. 317; RIBEIRO, 2019, p. 337).

Acrescentando à exegese, o jurista Sampaio Júnior leciona:

a antecipação dos efeitos práticos ou externos da tutela jurisdicional tem por escopo concretizar, desde logo, os resultados perseguidos no processo, garantindo a satisfação do direito da parte mesmo antes do momento que seria próprio, a prolação da sentença definitiva, tudo como forma de homenagear os postulados da celeridade e da efetividade do direito via processo.

Todavia, Donizetti (2019, p. 481) atenta que é preciso não confundir satisfatividade com definitividade, uma vez que aquela tem sua concessão baseada num juízo provisório que, após o devido contraditório e análise de novas provas, poderá o magistrado modificar sua convicção.

Contrastando com os requisitos positivos exigidos para provimento antecipado da tutela jurisdicional, Lourenço (2019, p. 319) ressalta que o artigo 300, §3º, do CPC, agregou, também, o pressuposto negativo da reversibilidade, “eis que uma antecipação irreversível, a rigor, é um provimento definitivo, pois conteria um acertamento antecipado, não havendo provisoriedade. Deve ser possível o retorno ao status quo ante [...].” De qualquer sorte, extrai- se da postura normativa que o legislador olvidou as hipóteses de irreversibilidade recíproca, como, por exemplo, nas ações em que se reclama a concessão de medicamentos.

Adentrando-se à matéria supramencionada, vem a calhar a situação exemplificada no decorrer deste estudo, em que se requer tratamento de saúde à Fazenda Pública. Explica-se: caso a parte particular, de fato acometida por moléstia que demande tratamento imediato (fumus boni iuris), tenha que esperar a cognição exauriente do processo para obter a dispensa de fármacos, por certo sofrerá prejuízos irreversíveis em sua saúde (periculum in mora); em contrapartida, o erário (União, Estados e Municípios), incumbido do dever constitucional de garantir e prover direitos à toda a população com a máxima nivelação social, quando obrigado a custear medicamentos de alto valor a apenas um indivíduo, poderá sofrer um desfalque pecuniário no sistema público de saúde que acarretará na impossibilidade de fornecimento de tratamentos a milhares de outros necessitados.

Sobre esses casos, Theodoro Júnior (2015, p. 831) chancela: “São reiterados os exemplos na jurisprudência de concessão de medidas imediatas e irreversíveis nas tutelas

urgentes satisfativas relacionadas com fornecimento de medicamentos, internação hospitalar, inclusão de procedimentos médicos na cobertura de planos de saúde etc.”.

Corroborando o entendimento, o Enunciado 419 do FPPC (2017) elucida: “Não é absoluta a regra que proíbe a tutela provisória com efeitos irreversíveis”. Portanto, Cunha (2018, p. 302) defende que deve-se ponderar os riscos quando houver circunstância de extrema urgência: “Se a concessão é irreversível e a denegação também, cumpre examinar o que se revela mais provável, pois não se deve sacrificar um direito provável ameaçado pelo dano iminente em prol de um direito improvável, em razão de uma irreversibilidade.”

Nesse vértice, Lourenço (2019, p. 319) anota que a saída seria ponderar-se os interesses, conforme o ordenamento (art. 489, §2º do CPC), podendo-se exigir contracautela (art. 300, § 1º do CPC30), a qual também não poderá impedir a concessão

da tutela provisória, conforme determina o artigo 521 do CPC (Enunciado 498 do FPPC31), bem

como a hipossuficiência financeira não é capaz de obstar o deferimento da tutela provisória de urgência.