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A idéia de uma Constituição ofereceu nova roupagem às relações do poder político, ou seja, houve uma ruptura material e formal com o ancién régime119, e instituiu uma ordem positiva político-jurídica inovadora, rompendo efetivamente com o tradicional e costumeiro exercício do poder, uma vez que determinados direitos eram solenemente expressos em documentos escritos, mas que perdiam em eficácia. Mas não foi somente a positivação do direito interno uma inovação. A Revolução Francesa e suas conseqüências ultrapassaram as fronteiras daquele país. Era uma vocação universalizante e transmigratória. Daí que, para sedimentar os objetivos da revolução, seus ideais deveriam ser exportados a fim de criar novos paradigmas político-jurídicos em nível internacional.

Mesmo o fato de não assegurar esses direitos com eficácia necessária para garantir os direitos humanos, a nova metodologia de criação de normas jurídicas possibilitou a evolução dos direitos. Gomes Canotilho assevera que, em determinada acepção, o constitucionalismo moderno

[...] é um movimento político, social e cultural que, sobretudo a partir dos meados do século XVIII, questiona nos plano político, filosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo ao mesmo tempo a invenção de uma nova forma de ordenação e fundamentação do poder político120.

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Jean-Jacques Chevallier, analisando as idéias de Edmund Burke, um defensor do antigo regime, demonstra, pela passagem a seguir, o espírito dos homens daquela época: “Sob a monarquia, as instituições, inteiramente ligadas à pessoa do rei, possuíam um caráter pessoal que os abstratores franceses procuram encarniçadamente destruir. Tal despersonalização consterna e irrita Burke; nela vê, e com razão, o fim de um sistema mesclado de opiniões e sentimentos, sistema que tivera sua origem no antigo cavalheirismo e dera seu cunho à Europa moderna: ‘Se tivesse de extinguir-se totalmente, seria enorme a perda, receio’. E Burke suspira, Burke compõe a oração fúnebre desses valores cavalheirescos, dessa honra segundo Montesquieu: ‘Agora, porém, tudo irá mudar, todas as sedutoras ilusões que tornavam amável o poder e liberal a obediência, que davam harmonia a diversas figuras da vida e que, por uma ficção cheia de doçura, faziam voltar, em proveito da política, todos os sentimentos que embelezam e suavizam a vida particular... Arrancam-se, cruelmente, todas as roupagens que eram ornato da vida’. A coisa pública achar-se-á doravante despojada de ‘todos os nossos recursos para prender a afeição’; um rei tornar-se-á um homem como qualquer outro, a rainha simplesmente ‘uma mulher’; ora, escreve Burke, ‘uma mulher não é mais do que um animal, e não da primeira ordem’” (CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos

dias. 8. ed. [s.l.]: Agir, 2002).

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Essa inovadora e revolucionária estrutura consubstanciou-se em Cartas Constitucionais escritas, tendo como notas mais reveladoras a limitação do poder, os direitos individuais e a positividade. O processo de juridicização das declarações é a garantia da efetivação dos direitos do homem. Agora não se trata de simples declarações intencionais, metafísicas e abstracionais, mas da concretude de direitos declarados e reconhecidos, tornados obrigatórios a todos, inclusive para o Estado, e oponíveis a este. O direito, nesse diapasão, possui três características importantes para sua efetivação: é escrito, é legislado e é positivo.

Daí ser possível o aprofundamento dos direitos humanos na medida em que se tornam inteligíveis, claros e precisos. Porém, deve-se levar em conta que não bastam esses elementos. A soberania popular como titular do poder constituinte é a característica mais eloqüente e legitimadora do processo de constitucionalização das leis.

As Constituições refletem as decisões políticas. Dentre as várias possibilidades de escolha, a eleição de determinadas questões como objetos estruturantes de uma sociedade revela sua unidade política. As decisões são, então, alocadas numa Constituição, que organiza um sistema jurídico e dá direção e validade normativa a outras regras.

Estruturado o Estado em normas jurídicas hierarquicamente organizadas, predispõe-se às decisões políticas, alargando o campo de incidência e aplicabilidade da regras jurídicas. Importante conseqüência foi o desenvolvimento dos direitos em escala crescente.

Tais direitos constituem os direitos fundamentais, ou “derechos del hombre individual libre, y por cierto, derechos que él tiene frente al Estado”121. Constituem direitos universais, podendo ser ampliadas segundo as Constituições dos Estados. É importante identificar os direitos fundamentais porque lhe serão dadas marcas axiológicas superiores às das normas meramente regulamentadoras. Carl Schmitt atribui aos direitos fundamentais caráter de autênticos direitos absolutos, “esto es, no se ganrantizan ‘con arreglo a las leyes’; su contenido no resulta de la Ley, sino que la injerencia legal aparece como

121

SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. Versão esp. Francisco Ayala. Madrid: Alianza Editorial, 1992. p. 170.

excepción, y, por cierto, como excepción limitada en principio mensurable, regulada en términos generales”122.

Numa perspectiva histórica, os direitos fundamentais concebidos como direitos universais inerentes à pessoa humana manifestaram-se a partir da Declaração de 1789. Antes os direitos fundamentais eram concebidos aos reis, ou seja, a uma casta de privilegiados, excluída a maioria dos súditos. O que diferencia os direitos fundamentais daqueles é que os direitos fundamentais modernos se erigem sob os signos da liberdade e igualdade, construindo uma relação de poder no espaço público e privado. As normas são ditadas pelo corpo político por meio de um contrato social que é legitimado pela participação do maior número possível de indivíduos. É uma diferença básica dos fundamentos do poder do antigo regime. Essencialmente, os direitos fundamentais modernos é que rompem com o sistema absolutista.

A concepção de um Estado de Direito ou de um Estado Constitucional de Direito, fundado na liberdade e na igualdade, dá o caráter da nova era que se instala. Assim nasce uma ordem jurídica positiva constitucional mista de elementos de liberdade e de democracia123. É a democracia a garantia dos direitos fundamentais, e por certo também é um direito fundamental.

O Estado de Direito que emerge possui uma característica bem particular: é o povo que dá a si mesmo uma Constituição, por meio de um poder constituinte. Há participação popular na elaboração da vontade estatal. Decerto devemos considerar limitações, pois estamos nos referindo, ainda, a um Estado de Direito burguês. De qualquer forma, há um número maior de indivíduos participando das decisões políticas. As leis são votadas e impostas de acordo com a vontade de uma maioria, que decide por todos. Disso surge uma nova categoria de indivíduos: o cidadão, aquele que tem o direito de votar e ser votado. O cidadão passa, então, a exercer direitos políticos. Na medida em que o indivíduo-cidadão começa a exercer os direitos políticos, essencialmente votar e ser votado, deixa de ser apenas o destinatário do direito para ser também o sujeito. É nesse contexto que os direitos fundamentais evoluem. 122 Id., p. 171. 123

Nesse diapasão, os direitos fundamentais

[...] passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e quantitativo, o qual, segundo tudo faz prever, tem por bússola uma nova universalidade: universalidade material e concreta, em substituição da universalidade abstrata e, de certo modo, metafísica daqueles direitos, contida no jusnaturalismo do século XVIII124.

Os direitos vêm num intenso processo cumulativo de gerações de direitos, sendo previsível sua ininterrupção. Alguns autores preferem a expressão “dimensões de direitos”, que não dá margem à interpretação de ruptura cronológica. Os direitos fundamentais também não são uma sucessão de direitos,

[...] na medida em que se acolhe a idéia da expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos, todos essencialmente complementares e em constante dinâmica de interação. Logo, apresentando os direitos humanos uma unidade indivisível, revela-se esvaziado o direito à liberdade quando não assegurado o direito à igualdade e, por sua vez, esvaziado revela-se o direito à igualdade quando não assegurada a liberdade125.

O certo é que os direitos fundamentais vêm se expandindo ininterruptamente, basilares sempre de outros direitos. A doutrina costuma mencionar três dimensões, ou, como se queira, três gerações de direitos: a primeira são os direitos civis e políticos; a segunda, os direitos sociais, culturais e econômicos; os de terceira geração são os difusos e coletivos.

Os direitos políticos, portanto, são os de primeira geração, que englobam os direitos individuais126. São direitos subjetivos fundamentais, por meio dos quais se garante ao indivíduo a participação na elaboração da vontade estatal. São direitos de liberdade de pensamento e expressão, que têm por titular o indivíduo e são “oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado”127. Os direitos de primeira geração ou direitos civis e políticos possuem duas vertentes: uma é o direito à liberdade; outra, o direito de opor-se ao Estado. Norberto Bobbio analisa a liberdade como “o direito de poder expressar a própria personalidade, não

124

BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 517.

125

PIOVESAN, Flávia. Op. cit., p. 150.

126

TAVARES, André Ramos. Op. cit., p. 369.

127

sendo impedido pelos outros, no sentido já muitas vezes ilustrado, quando por liberdade entende-se o fim supremo do Estado de direito em oposição ao Estado paternalista”128.

Os direitos políticos exigem regras que garantam a liberdade de pensamento, expressão e manifestação, porém não implicam somente a participação do indivíduo na elaboração da vontade estatal, prescrevendo os direitos de reunião, de associação, de formação de partidos políticos, de votar, enfim, direitos que potencializam a interferência do indivíduo no Estado e, concomitantemente, o direito de oposição e resistência, conforme demonstramos anteriormente.

Consoante definição clássica, os direitos políticos são “as prerrogativas, os atributos, faculdades ou poder de intervenção dos cidadãos ativos no governo de seu país, intervenção direta ou indireta, mais ou menos ampla, segundo a intensidade do gozo desses direitos”129. Meirelles Teixeira afirma que o gozo dos direitos políticos “é a simples capacidade ou faculdade potencial de exercê-los, configurando-se, desde logo, apenas pelo preenchimento dos requisitos exigidos, para isso, pela Constituição e pelas leis”130. José Afonso da Silva131 e André Ramos Tavares132 asseveram que os direitos políticos são conjuntos de regras que regulamentam o exercício da soberania popular. Para nós os direitos políticos exigem regras constitucionais instituidoras de direitos e garantias dos cidadãos, por meio das quais esses informam a vontade coletiva, a qual será imposta ao Estado, estabelecendo seus objetivos, formas e limites de atuação.

Denota-se que os direitos políticos, assim como estão em curso na sociedade ocidental contemporânea, são o exercício individual de um poder que potencializa a formação dos órgãos do Estado.

128

BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. Trad. Alfredo Fait. São Paulo: Editora Mandarin, 2000. p. 230.

129

. BUENO, Pimenta. Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império. Rio de Janeiro: Nova Edição, 1958. p. 458.

130

MEIRELLES TEIXEIRA, J. H. Op. cit., p. 567.

131

SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 344.

132

Rousseau ensina que o pacto social é a expressão da vontade geral133, donde se refere aos interesses comuns, manifestado por meio das leis, em que o povo deve ser o autor destas134, elegendo uma magistratura que não é

[...] uma vantagem, mas uma carga onerosa que não se pode justamente impor a

um particular mais que a outro. Apenas a lei pode impor a um particular esta carga àquele sobre o qual a sorte

recair. Pois então, a condição sendo igual para todos, e a escolha não dependendo de nenhuma vontade humana, não há aplicação particular que altere a universalidade da lei135.

Os direitos políticos possibilitam a estabilização na relação governante/governado, e as leis refletem o consenso do corpo político. As leis não são textos descritivos ou ideológicos como foram as declarações de direitos. As leis são textos prescritivos, devem conter efetividade. Os direitos políticos legitimam o direito de exercitar o poder político.

Os direitos do Estado se caracterizam pela sistematicidade, normatividade e coercitividade, ou seja, juridicizam e institucionalizam os direitos resultantes da manifestação popular exercida segundo as exigências dos direitos políticos. Se não resultarem em regras vinculativas e obrigatórias, os direitos reconhecidos nos textos legais não geram nenhuma ou quase nenhuma eficácia. Por isso a positivação das normas é muito importante no processo de criação dos direitos, pois são, ao mesmo tempo, direitos e garantias positivas.

Por meio do exercício dos direitos políticos positivados que iniciam a estrutura e a organização de um Estado de Direito é que se garante a continuidade e a efetividade desse Estado, dando-lhe a estabilidade necessária ao longo do tempo e abertura para os ajustes que devem ser feitos ou refeitos.

Porém, o instrumento que oferece a unicidade do sistema político é a Constituição. Carl Schmitt afirma que a Constituição em sentido positivo “contiene sólo la determinación conciente de la concreta forma de conjunto por la cual se pronuncia o decide

133

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Trad. Márcio Pugliese e Norberto de Paula Lima. 7. ed. São Paulo: Hemus, [s. d.]. p. 40.

134

Id, p. 49.

135

la unidad política”136. O fechamento do sistema pela Constituição significa sua unicidade, porém não sua incapacidade de mutação. A Constituição continua a receber insumos necessários e suficientes para as inovações desejadas pelo povo, sem que isso comprometa sua unidade:

Se pueden introducir fundamentalmente nevas formas sin que el Estado, es dicer, la unidade política del pueblo, cese. Pero siempre hay en el acto constituyente un sujeto capaz de obrar, que lo realiza con la voluntad de dar una Constitución. La Constitución es una decisión conciente que la unidad política, a través del titular del poder constituyente, adopta por sí misma y se de a sí misma137.

As decisões políticas contidas nas Constituições dão a estabilidade necessária à existência do Estado. É condição necessária para realizar o pacto estabelecido pelo povo.

Nesse sentido, os direitos políticos demandam regras que estruturam e organizam a potência do Estado, no plano interno e externo, resultante de uma vontade geral, ou de um pacto social, construído pelo conjunto dos cidadãos.

Pode-se inferir que os direitos políticos produzem efeitos diretos e reflexivos. O exercício dos direitos políticos nasce, diretamente, com o poder constituinte e se estabiliza nas Constituições que prescrevem aos indivíduos a capacidade de, diretamente ou indiretamente, exercer a soberania popular. As Constituições, por seu turno, organizam e estruturam as instituições dos Estados, e as normas jurídicas regulamentam e disciplinam as competências e atribuições funcionais dessas instituições. Porém, existem normas gerais e atos que são resultados reflexivos das leis criadas pelo parlamento eleito pelo povo. São normas editadas por órgãos da Administração por meio da escolhas de pessoas para o preenchimento de funções de poder138. Kelsen descreve essa possibilidade ao distinguir lei e decreto:

[...] a Constituição atribui fundamentalmente a produção das normas jurídicas gerais a um parlamento eleito pelo povo, permitindo, porém, a elaboração mais pormenorizada das leis por meio de normas gerais que são editadas por certos

136

SCHMITT, Carl. Op. cit., p. 40.

137

Id., Ibid.

138

Um exemplo é a Constituição Federal do Brasil, que prevê que os ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (parágrafo único do artigo 101). Reflexivamente, a escolha é o resultado de dois órgãos eleitos pelo povo. Nota-se que o Executivo e o Legislativo têm a participação direta do povo em sua composição, mas o Judiciário é escolhido indiretamente ou reflexivamente pelo povo.

órgãos da administração, ou onde, para certos casos excepcionais, dê ao governo competência para, no lugar do parlamento, editar todas as normas gerais necessárias ou apenas certas normas gerais. As normas gerais que provêm não do parlamento, mas de uma autoridade administrativa, são designadas como decretos, que podem ser decretos regulamentares ou decretos-leis139.

Com efeito, essas normas ou atos de administração, que não provêm diretamente do legislador eleito pelo povo, são reflexos abstraídos pelo processo eleitoral, sendo normatizados pelos direitos políticos140.

Os direitos políticos, portanto, são aqueles que nascem diretamente do poder constituinte originário e ganham dimensão axiológico-valorativa superior em relação às leis meramente reflexivas. Dessa forma, conclui-se que os direitos políticos são aqueles que, inseridos nas Constituições, recebem dimensão de norma fundamental. Se os direitos políticos, considerados direitos fundamentais, são normas que disciplinam a soberania popular; são direitos que estabelecem a forma pela qual o povo decide sobre a condução do seu Estado, então as decisões emergidas do povo têm caráter fundamental.

Nessa dimensão, os direitos humanos refletem condição necessária e suficiente no exercício da democracia e sua plena realização, elegendo a pessoa humana, como cidadã, dotada de capacidade para decidir assuntos do Estado. O cidadão é responsável pelo presente e pelo futuro, ator do seu destino. É, portanto, sujeito dos direitos políticos e não mero destinatário daqueles que exercem o poder político. A cidadania vista em uma dimensão global "prega a idéia de que o indivíduo deve se conscientizar de que é preciso deixar algo para as gerações futuras"141. Dentro do corpo político a relação é de isonomia, pois não há distinção entre os que fazem a lei e aqueles que sofrem os efeitos da lei. Afinal, os que fazem as leis e os que sofrem seus efeitos constituem o mesmo corpo político. Esse sistema proporciona certa segurança, pois ninguém faria uma lei ruim contra si mesmo. De algum modo, as leis estabilizam o complexo relacionamento entre governantes/governados.

139

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 255.

140

O direito eleitoral é um subproduto dos direitos políticos. Portanto, não se deve confundi-los.

141

Flávia Piovesan142 acentua:

O conceito de cidadania se vê, assim alargado e ampliado, na medida em que passa a incluir não apenas direitos previstos no plano nacional, mas também direitos internacionalmente enunciados. A sistemática internacional de accountability vem ainda integrar este conceito renovado de cidadania, tendo em vista que, ao lado das garantias nacionais, são adicionadas as garantias de natureza internacional. Conseqüentemente, o desconhecimento dos direitos e garantias internacionais importa no desconhecimento de parte substancial dos direitos de cidadania, por significar a privação do exercício de direitos acionáveis e defensáveis na arena internacional.

Hoje pode-se afirmar que a realização plena, e não apenas parcial dos direitos de cidadania, envolve o exercício efetivo e amplo dos direitos humanos, nacional e internacionalmente assegurados143.

Desse fragmento podemos concluir que o homem é um cidadão universal, na medida em que seus direitos ultrapassam as fronteiras nacionais e atingem uma dimensão global. Celso Lafer, citando Hannah Arendt, afirma que

[...] os direitos humanos pressupõem a cidadania não apenas como um fato e um meio, mas sim como um princípio, pois a privação da cidadania afeta substancialmente a condição humana, uma vez que o ser humano privado de suas qualidades acidentais – o seu estatuto político – vê-se privado de sua substância, vale dizer: tornado pura substância, perde a sua qualidade substancial, que é de ser tratado pelos outros como semelhante.

Isso levou Hannah Arendt a concluir, segundo Celso Lafer, que a cidadania é o direito a ter direitos144.

Nesse diapasão, a garantia de que os direitos dos cidadãos sejam assegurados, o conjunto de direitos políticos, tornam-se meio fundamental para o alargamento dos direitos humanos nas arenas nacional e internacional.

Os direitos políticos, isto é, o direito de participar da formação da vontade coletiva, vem se desenvolvendo na mesma medida em que a democracia avança, resistindo aos regimes autocráticos. E assim, na medida em que a democracia se consolida, os direitos humanos têm seu exercício garantidos, pois se trata de direitos democráticos.

142

PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 72.

143

LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. 5. reimpr. São Paulo: Cia. das Letras. p. 151.

144

Pode-se concluir que o espaço para o desenvolvimento e exercício dos direitos humanos é o espaço democrático. A democracia deve ser compreendida não apenas como