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1.2 O Sistema político argentino

1.2.2 O sistema constitucional no contexto político argentino

Observa-se que o cenário político argentino é paradoxal. O poder político na Argentina, pode-se concluir, é exercido ora por governos de direito, ora por governos de fato. Tal alternatividade fragiliza as instituições, consubstanciando um Estado vulnerável às mutações de procedimento no exercício dos direitos políticos, que é obstado. Isso significa que, em certos momentos da vida política, os direitos políticos foram negados aos argentinos. No dizer de Miguel Ángel Ekmekdjian279, nos períodos de governos de fato, a categoria dos direitos políticos não era exercitável. As Constituições argentinas não foram, de modo geral, garantias político-jurídicas de regras na competição pelo poder político. As Constituições têm como um dos objetivos fixar regras políticas para o Estado, ou seja, estabelecer a forma e o procedimento de composição do poder político. Por isso, para interpretar o desenvolvimento político-constitucional argentino deve-se levar em conta o processo histórico. German J. Bidart Campos acentua a dificuldade de aceitar a idéia de que a Constituição argentina não é mero texto literal; não se pode entendê-la apenas como o que nela se contém. Para uma interpretação adequada do sistema constitucional argentino é necessário tomar em conta uma trilogia: “letra-espírito-raiz histórica”280.

A fórmula escrita da Constituição se vivifica com o espírito da Constituição, que para o caso argentino é o mesmo de sua filosofia política, sua idéia de direito, seus princípios e valores, ainda que nada ou pouco venha expresso literalmente no Texto Constitucional. Esse espírito oferece condições para uma interpretação dinâmica e histórica da Constituição; uma interpretação ágil, construtiva e atualizada, que vem desde as transformações encetadas na primeira Constituição, de 1853-1860281. A interpretação constitucional não deve perverter nem contrariar a vontade histórica do constituinte originário, o que não quer dizer que a letra da Constituição ao tempo de sua formulação

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Miguel Ángel Ekmekdjian acentua: “La circunstancia de que los derechos políticos no estuvieram reconocidos explícitamente en la norma constitucional hasta 1994 no significa que esta categoría de derechos no existiera en la República Argentina. Al contrario, desde el inicio mismo de nuestra vida constitucional, los ciudadanos argentinos tuvieron derechos políticos, salvo en los períodos de facto” (EKMEDJIAN, Miguel Ángel. Tratado de derecho constitucional. Buenos Aires: Depalma, 1995. p. 453).

280

BELAUNDE, D. Garcia; SEGADO, F. Fernandez; VALLE, R. Hernandez (coords.). Los sistemas constitucionales iberoamericanos. Madrid: Editorial Dykinson, 1992. p. 41.

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Segundo Bidart Campos, a Constituição de 1853-60 possui forte simbolismo: “Hemos hecho alusión al simbolismo que rodea a dicha Constitución. El fénomeno se hace perpeptible, de modo paradojal, en los momentos en que nuestra sociedad há creído y vivenciado que se producían apartamientos y violaciones de la Constitución. La reivindicación democrática toma, entonces, como bandera – como símbolo – de legitimidad, a la Constitución de 1853-60. Reclama su vigencia, su cumplimiento. Y con ese apoyo repudia aquellos apartamientos y violaciones. Este simbolismo contiene cargas emocionales. No en vano la Constitución del siglo XIX es propuesta y considerada como nuestra Constitución histórica y fundacional. Hay, incluso, quienes creemos que por eso mismo, por su proceso histórico antecedente, por sus fuentes, contiene un eje sustancial que ninguna reforma puede ni debe alterar su esencia”, p. 39.

tem o mesmo significado de hoje — isso seria equivocado, pois configura uma interpretação estática, que não se compadece com o espírito constitucional, porque não existe a pretensão de uma Constituição eterna. A interpretação histórica serve para vivificar a dinâmica da letra do Texto Constitucional e “La movilidad de la interpretación constitucional rechaza su congelamiento, pero se equilibra igualmente repeliendo creaciones interpretativas lesivas del espíritu de la Constitución”282.

Por fim, deve ser levada em conta a raiz histórica para que a interpretação constitucional seja completa. Bidart Campos assevera que o tipo de federalismo argentino tem suas raízes no constitucionalismo rioplatense. O federalismo argentino não é simétrico ao norte-americano, embora o constituinte argentino tenha tomado como modelo o texto da Filadélfia de 1787. O argentino é do tipo centralizado, com as competências nacionais concentradas no governo federal. Enrique Rojo corrobora o pensamento de Bidart Campos, afirmando que o centralismo deriva do fato de as províncias não estarem à altura das exigências públicas de educação, saúde, política social ou exploração racional e moderna das fontes de riqueza. Lançando mão desse pretexto, o governo federal assume tais funções, que poderiam ser exercidas pelas províncias283.

A Constituição Nacional da Argentina em vigência, datada de 1º de maio de 1853, foi reformada em 1860, em 1866, em 1898, em 1957 e em 1994.

A reforma de 1994 foi considerada por seus defensores a mais importante sofrida pela Constituição de 1853, devido a três fundamentos:

En primer término, la reforma constitucional de 1994 es la única en la historia argentina del último siglo que surge de un acuerdo político transcendental. (...) Ese acuerdo político-institucional le dio a la reforma previsibilidad y legitimidad política (...).

En segundo lugar, esta reforma (...) tiene una enorme transcendencia debido al extenso rango de materias que se incluyeron entre las enmiendas.

En tercer lugar, la reforma de 1994 tiene un fuerte componente simbólico y político porque, a la vez, marca la era final de la transición democrática iniciada

282

BELAUNDE, D. Garcia; SEGADO, F. Fernandez; VALLE, R. Hernandez (coords.). Op. cit., p. 41.

283

en deciembre de 1983 y fija importante agenda institucional (y legislativa) para los próximos años284.

Por outro lado, seus críticos creditam a reforma de 1994 à feitura de uma “cuasi- Constitución”. Valdés cita um artigo de Jorge R. Vanossi, denominado “Reforma constitucional o cambio electoral”, no qual faz ásperas críticas:

Se trataría de una “cuasi-Constitución”, que tendría que ser completada a través de leyes que deben conferirle su perfil definitivo. Pero lo grave es que estas leys pueden ser modificadas por otras leyes. En la práctica esto significa que cada vez cambie la mayoría parlamentaria es posible cambiar el perfil constitucional285.

Termina afirmando que a nova Constituição é superpresidencialista, pois confirma e reforça o poder do presidente.

Evidentemente as Constituições são produto da criação humana, e como tal imperfeitas. Mas o fato é que as Constituições são instrumentos de ruptura ou inovação na ordem política e jurídica, que tendem a modificar as relações intersubjetivas políticas, sociais e culturais. A reforma constitucional de 1994 na Argentina representa sobretudo a ruptura com o regime militar que se instalara em 1978, consubstanciando, no tema direitos políticos, como veremos a seguir, avanços no sistema democrático daquele país.