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3.1 A expressão ordem pública na legislação brasileira

3.1.1 Constituição Federal 1988

A expressão ordem pública aparece cinco vezes no texto constitucional de 1988. Uma ao tratar da intervenção federal (art. 34, III, da CF),145 outra na decretação do estado de defesa (art. 136, caput, da CF),146 e três no capítulo da segurança pública (art. 144, caput, §5º, §10, da CF).147

Podemos constatar que a compreensão da ordem pública destes textos constitucionais, referem-se à manutenção e à tutela da estabilidade social ou à “paz social”,148

144 “Precisemos melhor o conceito de ordem jurídica: sistema de normas de natureza jurídica que determinam e

disciplinam vinculativamente certos âmbitos primários da vida em sociedade dentro do sistema social global. A ordem jurídica (em alemão: Rechtsordnung) ou ordenamento jurídico (em italiano: ordenamento giuridico) é, pois, um conjunto de normas jurídicas. Mas não se trata de um conjunto qualquer. Ele transporta uma certa

unidade e uma certa coerência intrínseca – unidade da ordem jurídica. Não se compreenderia, com efeito, que

uma simples soma de normas jurídicas, esparsas e desprovidas de conexão, fosse erguida a ordem e tivesse virtualidades suficientes para assegurar unidade e coerência àquilo que se apresenta de forma desarticulada e até contraditória”. (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1144).

145 “Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: [...] III - pôr termo a grave

comprometimento da ordem pública;” (grifo aditado).

146 “Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa

Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.” (grifo aditado).

147 “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a

preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...] § 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. [...] § 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas:” (grifo aditado).

148 “...(i) grave perturbação à ordem pública ou à paz social, graças à instabilidade institucional ou a calamidades

de grandes proporções na natureza (art. 136, caput); (ii) impossibilidade de restabelecer, pelas vis normais, a ordem pública e a paz social (art. 136, caput);” (BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1171).

aquela sensação de tranquilidade coletiva. Percepção de que a atividade social está em seu desenvolvimento regular, em certa normalidade.149

Assim, o comprometimento da ordem pública no texto constitucional, por questões históricas e culturais, ainda tem um sentido acessível ao senso comum de paz social e normalidade no desenvolvimento da vida, no cotidiano de instituições privadas ou estatais, encontrando certa guarida e utilidade, quanto a esse ponto.

Contudo, estas crises, desestabilidades ou desordens no sentimento de paz e normalidade social, como visto em uma das percepções da ordem pública no capítulo primeiro, representa a quebra ou inobservância das normas constitucionais, mais precisamente dos princípios fundamentais estabelecidos pelo próprio texto constitucional (art. 1º ao 4º, CF). Ou seja, a interferência que desestabiliza a soberania, a cidadania, a dignidade humana, o desenvolvimento nacional, a independência nacional, a defesa da paz, a prevalência dos direitos humanos150 etc., questões estas também de conteúdos bastante abrangentes.

Nesse sentido, em que pese o sentimento de senso comum da utilização expressão ordem pública nestes casos, como forma de adequação ao momento dogmático do constitucionalismo contemporâneo (força normativa da constituição, expansão da jurisdição constitucional, interpretação constitucional),151 ganha força dogmática a compreensão de que as medidas constitucionais excepcionais para garantia da estabilidade social, sejam entendidas como comprometimento dos princípios fundamentais da Constituição Federal e do ordenamento jurídico, e não como mera violação à ordem pública, sob pena de cometimento de arbitrariedades,152 mas sim uma infração das próprias normas constitucionais.

149149 “Ordem pública será uma situação de pacífica convivência social, isenta de ameaça de violência ou de

sublevação que tenha produzido ou que supostamente possa produzir, a curto prazo, a prática de crimes. Convivência pacífica não significa isenta de divergências, de debates, de controvérsias e até de certas rusgas interpessoais. Ela deixa de ser tal quando discussões, divergências, rusgas e outras contendas ameaçam chegar às vias de fato com iminência de desforço pessoal, de violência e do crime”. (SILVA, José Afonso da. Curso de

Direito Constitucional Positivo. 28ª edição, revista e atualizada até a Emenda Constitucional n.º 53, de

19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 777-778).

150 “...o princípio da prevalência dos direitos humanos nasce no direito internacional, possui força cogente e é

constitucionalizado pelo Estado. Em virtude disso, a análise mais crítica acerca da efetividade do referido princípio torna-se mais complexa. Pelo fato de ter sido elencado como um dos princípios que regem o Brasil em suas relações internacionais, qual seria a extensão do seu alcance enquanto norma constitucional? A natureza do princípio permite exame mais apurado do processo de internalização e permite ainda identificar se sua constitucionalização adotou as mesmas características que essa norma possui no direito internacional”. (GALVÃO, Vivianny Kelly. O Princípio da Prevalência dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 172-173).

151 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e

a construção do novo modelo. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 296-301.

152 “[...] a ordem pública requer definição, até porque, como dissemos de outra feita, a caracterização de seu

significado é de suma importância, porquanto se trata de algo destinado a limitar situações subjetivas de vantagem, outorgadas pela Constituição. Em nome dela se têm praticado as maiores arbitrariedades. Com a justificativa de garantir a ordem pública, na verdade, muitas vezes, o que se faz é desrespeitar direitos

Até porque, não identificamos uma compreensão ou conteúdo de ordem pública isolada em si, não possuindo consequência jurídica nesse contexto se aplicada isoladamente. Pois, somente encontrará guarida e aplicabilidade a expressão ordem pública quando associada à determinada norma jurídica posta. Caso contrário não encontrará muito sentido ou significado.

3.1.2 Direito Civil

No âmbito do direito civil, mais precisamente no Código Civil de 2002, verificamos que a expressão ordem pública aparece em cinco artigos, quanto aos direitos da personalidade (art. 20, do CC),153 aos negócios jurídicos (art. 122, do CC),154 à prestação de serviço (art. 606, parágrafo único, do CC),155 à autorização para sociedade (art. 1.125, do CC),156 e nas disposições finais e transitórias quanto aos negócios jurídicos, atos jurídicos, propriedade e contratos (art. 2.035, parágrafo único, do CC).157

fundamentais da pessoa humana, quando ela apenas autoriza o exercício regular do poder de polícia”. (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ª edição, revista e atualizada até a Emenda Constitucional n.º 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 777).

153 “Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da

imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”. (grifo aditado).

154 “Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons

costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes”. (grifo aditado).

155 “Art. 606. Se o serviço for prestado por quem não possua título de habilitação, ou não satisfaça requisitos

outros estabelecidos em lei, não poderá quem os prestou cobrar a retribuição normalmente correspondente ao trabalho executado. Mas se deste resultar benefício para a outra parte, o juiz atribuirá a quem o prestou uma compensação razoável, desde que tenha agido com boa-fé. Parágrafo único. Não se aplica a segunda parte deste artigo, quando a proibição da prestação de serviço resultar de lei de ordem pública”. (grifo aditado).

156 “Art. 1.125. Ao Poder Executivo é facultado, a qualquer tempo, cassar a autorização concedida a sociedade

nacional ou estrangeira que infringir disposição de ordem pública ou praticar atos contrários aos fins declarados no seu estatuto”. (grifo aditado).

157 “Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste

Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”. (grifo aditado).

Os direitos da personalidade, como regra, possuem um núcleo rígido de proteção, inclusive o texto normativo civil158 os categorizam como irrenunciáveis, sem a possibilidade de limitações voluntárias.

Contudo, essa dinâmica já encontra questionamentos da doutrina civilista na atualidade, onde se constata que o ordenamento civil brasileiro tutelou de forma um tanto utópica estes direitos, pois verificamos a possibilidade de autolimitação de tais direitos, a exemplos dos famosos reality shows.159

E, o Supremo Tribunal Federal (ADI 4815),160 analisando o texto normativo civil

(art. 20 e art. 21, CC) e constitucional (art. 5º, IV, IX, XIV, e art. 220, §1º, §2º, da CF), considerou que as biografias de pessoas públicas não precisam de autorização do biografado ou de sua família, caso tenham falecido.

Assim, quanto à compreensão da expressão ordem pública, como possibilidade de indisponibilidade dos direitos da personalidade, não encontramos, nem nos Tribunais Superiores e nem na doutrina civilista, um questionamento quanto com seu conteúdo ou alcance semântico, muitas vezes somente replicando o que o texto normativo disciplina.161

Contudo, Paulo Lôbo faz uma oportuna constatação, apontando para que a exegese do dispositivo que trata da indisponibilidade dos direitos da personalidade (art. 11)

158 “Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e

irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.

159 “Todavia, é possível a autolimitação de algum direito da personalidade? Na atualidade, verificam-se

constantes exemplos de autolimitação, especialmente no que concerne à privacidade, com ampla divulgação e estímulo pela mídia. Um dos exemplos frisantes são os espetáculos televisivos de exposição do cotidiano de pessoas, cujas privacidades são propositadamente expostas, denominados reality shows, com transmissão aberta, verdadeira febre midiática, que têm por objeto a exposição de um grupo de pessoas reunidas numa única casa, isoladas do mundo e vigiadas por sistemas internos de vídeo e som. [...] O ser humano se torna um simulacro imagético, desprovido de autonomia em sua vida cotidiana, direcionada para o consumo de imagens sedutoras, pela exposição máxima da intimidade diante do olhar coletivo. Até que ponto essas situações podem ser consideradas compatíveis com o sistema de tutela dos direitos da privacidade e, a fortiori, da personalidade? O problema assume dimensão problemática em face da norma legal brasileira (art. 11): ‘não podendo seu exercício sofrer limitação voluntária’”. (LÔBO, Paulo. Direito Civil: parte geral. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 166).

160 “O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto da Relatora, julgou procedente o pedido formulado

na ação direta para dar interpretação conforme à Constituição aos artigos 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para, em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica, declarar inexigível o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas)”. (ADI 4815, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 10/06/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-018 DIVULG 29- 01-2016 PUBLIC 01-02-2016).

161 “Contudo, a reprodução da imagem da pessoa pode sofrer exceções, autorizando-se sua divulgação,

independentemente do consentimento do retratado, caso seja necessária a administração da justiça ou a manutenção da ordem pública”. (BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 185).

deve se harmonizar com a Constituição.162 O que somente revigora a nossa premissa inicial quanto à percepção das situações de ordem pública deve ser identificada nas normas constitucionais.

Ressalte-se, por oportuno, que o Código Civil português (art. 81º, do CC português), admite a limitação voluntária dos direitos da personalidade, desde que não contrarie a ordem pública.163 E a doutrina civilista portuguesa possui como diretriz a compreensão da ordem pública como valores ligados às leis, à moral e aos bons costumes, realizando uma interpretação sistemática com os textos normativos do art. 280º, do CC português.164/165

Desta forma, podemos constatar, como já se vem defendendo, que a noção de ordem pública do Direito Civil português também está atrelada às situações jurídicas oriundas dos fatos jurídicos de determinada normas que manifestam um determinado interesse público ou coletivo, seja em uma regra ou ato normativo permissivo ou proibitivo.166

Da mesma forma a expressão ordem pública no âmbito dos negócios jurídicos, da prestação de serviços e autorização para sociedades, estão relacionadas à determinada norma jurídica dita cogente ou de direito cogente. Ou seja, normas jurídicas que podem gerar fatos jurídicos com situações que impõem determinadas limitações ou até proibições de atuação dos

162 “Na questão delicada da limitação voluntária de seu exercício, que o CC veda em princípio (art. 11), repisa-se

a distinção entre direito absoluto e direito ilimitado. Direito absoluto é todo aquele oponível a todas as demais pessoas (erga omnes), infundindo o dever geral de abstenção, mas pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente ou que afete seu núcleo essencial. Esse sentido parece-nos corresponder à interpretação do art. 11 em conformidade com a Constituição, especialmente no que concerne ao princípio da liberdade”. (LÔBO, Paulo. Direito Civil: parte geral. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 171).

163 “Artigo 81º (Limitação voluntária dos direitos de personalidade) 1. Toda a limitação voluntária ao exercício

dos direitos de personalidade é nula, se for contrária aos princípios da ordem pública. 2. A limitação voluntária, quando legal, é sempre revogável, ainda que com obrigação de indemnizar os prejuízos causados às legítimas expectativas da outra parte”. (grifos aditados).

164 “Este preceito deve ser interpretado e concretizado em ligação com o artigo 280º do Código Civil. Não é só a

contrariedade à ordem pública, mas também a contrariedade à lei e aos bons costumes que tornam ilícitos os negócios jurídicos que tenham como objeto bens da personalidade. Da omissão, na letra do artigo 81º, n.º 1, das referências à contrariedade à lei a aos bons costumes não legitima a conclusão ‘a contrario’, que seria manifestamente absurda. [...] A Ordem Pública, como constelação de valores carentes de concretização, fundada no Bem Comum e na utilidade colectiva, dirigida à protecção da Comunidade, comunga aqui com a Moral (bons

costumes) e com a Lei injuntiva a função de delimitar o âmbito material da autonomia privada. Só quando não

forem contrárias à Lei injuntiva, à Moral e à Ordem Pública, são lícitas as limitações voluntárias dos direitos de personalidade”. (VASCONCELOS, Pedro Pais de. Direito de Personalidade. Coimbra: Almedina, 2006, p. 155-156).

165 “Artigo 280º (Requisitos do objeto negocial) 1. É nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou

legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável. 2. É nulo o negócio jurídico contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes”.

166 “Constitui um bom exemplo das limitações à autonomia privada, fundadas na ordem pública e na moral, as

proibições de disposição de tecidos ou órgãos de origem humana. É sempre proibida a venda de órgãos ou de substâncias humanas, e a sua disposição tem sempre de ser rigorosamente gratuita. Pelas mesmas razões as doações só podem, em princípio, ter por objeto substâncias regeneráveis entre parentes até ao 3º grau, mas, neste caso, não quando feitas por menores ou incapazes”. (VASCONCELOS, Pedro Pais de. Direito de

indivíduos particularizados.167 Conduto, estas normas não são totalmente inderrogáveis, por isso defendemos que há normas jurídicas de caráter rígido, ainda que transpassem um maior ou menor grau de interesse público e imponham uma limitação no autorregramento da vontade,168 não são indisponíveis em si, mas admitem uma maior ou menor flexibilização.

3.1.3 Direito Penal

No âmbito das normas jurídicas de Direito Penal, não aparece a expressão ordem pública no Código Penal de 1940, em que pese traduza uma época de tentativa de implementação de ideais liberais, liberdade e igualdade, ainda carregava traços de proteção e intervenção autoritária estatal.169

Todavia, a expressão e a possível carga imperativa que exprime a percepção da ordem pública, não foi literalmente escrita no texto normativo criminal, porém a doutrina penal identifica como normas imperativas ou cogentes, as normas de ordem pública, inclusive destacando as normas relacionadas à individualização e à aplicação da pena como de ordem pública,170 em face da elevada carga de interesse público.

167 “O direito cogente, que é o que limita o auto-regramento da vontade, opera impositiva ou proibitivamente; de

maneira que as pessoas têm de fazer ou de não fazer (no sentido mais largo); o que elide qualquer escolha, ainda quando a regra jurídica cogente contenha alternativa de fazer isso ou aquilo; ou de não fazer isso, ou de não fazer aquilo; ou de fazer isso (ou aquilo), ou de não fazer aquilo (ou isso); ou vice-versa”. (MIRANDA, Pontes de.

Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo III. Negócios Jurídicos. Representação. Conteúdo. Forma.

Prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 116).

168 “O direito estabelece pressupostos que hão de ser atendidos para que a vontade possa entrar no mundo

jurídico como negócio jurídico. Ao dono é livre vender os bens de que é titular; o pai, porém, não pode vender ao filho se os demais e o cônjuge, exceto no regime de separação de bens, ou o companheiro, em caso de união estável, não consentirem. O concubino que for casado não pode doar à concubina. As limitações à livre manifestação da vontade negocial, em si, são inúmeras. Não há, portanto, um caráter absoluto no poder de auto- regramento da vontade, mas, apenas, um permissivo que o sistema jurídico outorga às pessoas.” (MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: plano da existência. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 184- 185).

169 LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História: lições introdutórias. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.

271-274.

170 “[...] norma cogente em direito penal é norma de ordem pública, máxime quando se trata de individualização

constitucional da pena. A previsão legal, definitivamente, não deixa qualquer dúvida sobre a sua

obrigatoriedade, e eventual interpretação diversa viola não apenas o princípio da individualização da pena

(tanto no plano legislativo quanto judicial) como também o princípio da legalidade estrita”. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. Vol. I. 22ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 788).

No Código de Processo Penal a expressão ordem pública aparece em cinco passagens. No título dedicado ao inquérito policial (art. 7º, caput, do CPP),171 no capítulo do interrogatório do acusado, como uma das formas do interrogatório por videoconferência (art. 185, §2º, IV, do CPP),172 como fundamento para decreto da prisão preventiva (art. 312, caput, do CPP),173 como causa de desaforamento do julgamento pelo Tribunal do Júri (art. 427,

caput, do CPP),174 e no caso de homologação de sentenças penais estrangeiras (art. 781, do CPP).175

Na fase do inquérito policial, percebemos que, a ideia de ordem pública empregada ao texto normativo processual penal, perfaz um direcionamento para a preservação e tutela dos direitos do acusado de cometimento do ilícito penal,176 na fase inquisitorial.

Direitos estes que, diga-se de passagem, já se encontram expressamente consagrados no texto constitucional (art. 5º, LV, LVII, LXI, LXIII – contraditório, presunção de inocência, permanecer calado, não produzir prova contra si).177 Assim, não se mostra tão útil e necessário a utilização da expressão ordem pública como sinônimo de tais direitos, o que somente a banaliza atribuindo várias acepções distintas. Desta forma, como vem sendo defendido desde o início, bastaria invocar as normas constitucionais e não a ordem pública em si.

Com a mesma compreensão, a ordem pública é suscitada como fundamento do interrogatório do acusado por videoconferência. Inclusive, neste caso, o Supremo Tribunal

171 “Art. 7o Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade

policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem

pública”. (grifo aditado).

172 “Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será

qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado. [...] § 2o Excepcionalmente, o

juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu