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3.2 As legislações dos Tribunais Superiores e a ordem pública

3.2.1 Regimento Interno do STF e STJ e as questões de ordem

3.2.1.1 Supremo Tribunal Federal

O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal – RISTF, prevê a expressão ordem pública em três passagens, em seu art. 170, §3º,262 nos casos de decisões urgentes que envolvam “interesse de ordem pública”, nos casos de declaração de inconstitucionalidade, a qual será submetida ao Pleno, dispensada a inclusão de pauta para julgamento, no art. 216,263 nos casos de homologação de sentenças estrangeiras, e também no art. 226, § 2º,264 nos casos de cumprimento de carta rogatória.

260 Regimento Interno do STJ (Art. 256-S. É cabível a revisão de entendimento consolidado em enunciado de

tema repetitivo, por proposta de Ministro integrante do respectivo órgão julgador ou de representante do Ministério Público Federal que oficie perante o Superior Tribunal de Justiça. §1º A revisão ocorrerá nos próprios autos do processo julgado sob o rito dos recursos repetitivos, caso ainda esteja em tramitação, ou será objeto de questão de ordem, independentemente de processo a ela vinculado. [...] §3º O acórdão proferido na questão de ordem será inserido, como peça eletrônica complementar, no(s) processo(s) relacionado(s) ao enunciado de tema repetitivo).

261 Regimento Interno do STF (art. 13, III – decidir questões de ordem ou submetê-las ao Tribunal quando

entender necessário; art. 21, III – submeter ao Plenário, à Turma, ou aos Presidentes, conforme a competência, questões de ordem para o bom andamento dos processos; art. 83, § 1º Independem de pauta: I – as questões de ordem sobre a tramitação dos processos); Regimento Interno do STJ (art. 21, IX – submeter questões de ordem ao Tribunal; art. 34, IV – submeter à Corte Especial, à Seção, à Turma, ou aos Presidentes, conforme a competência, questões de ordem para o bom andamento dos processos; art. 91. Independem de pauta: [...] II – as questões de ordem sobre o processamento dos feitos.;).

262 “Art. 170, § 3º Se, ao receber os autos, ou no curso do processo, o Relator entender que a decisão é urgente,

em face do relevante interesse de ordem pública que envolve, poderá, com prévia ciência das partes, submetê-lo ao conhecimento do Tribunal, que terá a faculdade de julgá-lo com os elementos de que dispuser”.

263 “Art. 216. Não será homologada sentença que ofenda a soberania nacional, a ordem pública e os bons

costumes”.

264 “Art. 226, §2º A impugnação só será admitida se a rogatória atentar contra a soberania nacional ou a ordem

Conforme se percebe, o fundamento com base na ordem pública para a prolação de decisões urgentes, no capítulo da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, possui uma exegese associada aos dispositivos normativos das leis da ação direta de inconstitucionalidade e da arguição de descumprimento de preceitos fundamentais (§3º, do art. 10, da Lei n.º 9.868/99 e §1º, do art. 5º, da Lei n.º 9.882/99).265

Assim, independentemente de se considerar uma questão como de ordem pública ou não, o procedimento para a apreciação das medidas de urgência em matéria de análise concentrada das normas constitucionais, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, possui regramento específico, despiciendo a expressão ordem pública no regimento interno para tanto. Até porque o interesse ou a relevância para concessão ou não da medida de urgência estará atrelada as próprias normas constitucionais e não em face de um conteúdo vago e abstrato, o qual se apresenta a ordem pública.

Quanto aos dois últimos dispositivos, o regimento do Supremo Tribunal Federal, em que pese consulta do texto atualizado até julho de 2016,266 encontra-se desatualizado e incompatível com a própria Constituição Federal. Pois, como é sabido, desde de 2004, com a emenda constitucional n.º 45, não perfaz mais a competência do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, h), da CF), a homologação de sentenças estrangeiras e execução às cartas rogatórias, sendo este o fundamento base para os dispositivos do regimento interno supracitados. Desta forma, ao nosso entender, houve uma revogação tácita dos referidos dispositivos, pois, em que pese os dispositivos do regimento interno não possam sofrer alteração ou revogação por disposição do próprio Supremo Tribunal Federal,267 a própria

265 “Art. 10. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria

absoluta dos membros do Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias. [...] § 3o Em caso de excepcional urgência, o Tribunal poderá deferir a medida cautelar sem a audiência dos órgãos ou

das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado”.; “Art. 5o O Supremo Tribunal Federal,

por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na arguição de descumprimento de preceito fundamental. § 1o Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda,

em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno”.

266 http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF.pdf (consulta em 01.07.17) 267 “O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF) foi recepcionado pela Constituição Federal com

força de lei, isso por que o STF, de acordo com a CF/1969 (art. 119, §3º, ‘c’), possuía essa competência legislativa atípica. Mudanças feitas pelo STF em seu Regimento Interno, posteriores à CF/1988, não têm natureza de lei; somente as normas regimentais produzidas até 1988 têm essa natureza. A observação é importante, pois, após a CF/1988, pode o legislador federal editar leis que revoguem as normas processuais criadas pelo STF em seu Regimento Interno, bem como não pode mais o STF criar novas normas processuais nem revogar as normas processuais decorrentes do seu RISTF e produzidas ao tempo em que ele, STF, possuía essa competência legislativa excepcional”. (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de

Direito Processual Civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 14ª ed. reform. Salvador: Juspodivm, 2017,

Constituição tornou os dispositivos inconstitucionais de maneira superveniente, não necessitando de lei federal para tal revogação ou designação nesse sentido.

Além disso, a análise da ordem pública nesses casos, perfaz o conteúdo já apreciado nos tópicos 1.7. e 1.8. deste capítulo, referentes a discussão da ordem pública no Direito Internacional Privado e na Arbitragem, este quando da homologação de sentenças arbitrais estrangeiras e execução de decisões arbitrais estrangeiras.

3.2.1.1.1 Avocação de causas e ordem pública

Um dispositivo histórico bastante interessante e questionável, que ainda se encontra no regimento interno do Supremo Tribunal Federal está no Título IX – das ações originárias, no texto do art. 252, caput,268 o qual destaca que quando uma decisão proferida em qualquer juízo ou tribunal do país provocar imediato perigo de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou às finanças públicas, o Procurador-Geral da República poderá requer ao Supremo Tribunal Federal a avocação da causa para que suspendam os efeitos, inclusive conhecer integralmente da demanda. Somente não caberá a referida avocação, caso a decisão tiver transitado em julgado ou comportar recurso com efeito suspensivo.

De início, a ideia, à época, segundo o próprio Supremo Tribunal Federal,269 de ordem (ordem pública) do referido texto estava totalmente ligada à noção de interesse público, o que acaba por fundir os conceitos e deixando ainda mais confusa a percepção de algum conteúdo isolado de ordem pública.

Até porque a avocatória foi inserida no texto constitucional durante o período de regime militar, através da Emenda Constitucional n.º 7/1977, denominada de “pacote de

268 “Art. 252. Quando, de decisão proferida em qualquer juízo ou tribunal, decorrer imediato perigo de grave

lesão à ordem, à saúde, à segurança ou às finanças públicas, poderá o Procurador-Geral da República requerer a avocação da causa, para que se lhe suspendam os efeitos, devolvendo-se o conhecimento integral do litígio ao Supremo Tribunal Federal, salvo se a decisão se restringir a questão incidente, caso em que o conhecimento a ela se limitará”.

269 “O pedido de avocação de causa, previsto no art. 119, inc. I, letra o, da Constituição da República (E.C. n.º 7,

de 13.04.77), pressupõe a existência de demanda em andamento e o interesse público decorrente de ‘imediato perigo de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou às finanças públicas’, a justificar a devolução do ‘conhecimento integral do litígio ao Supremo Tribunal Federal, salvo se a decisão se restringir a questão incidente, caso em que o conhecimento a ela se limitará’ (art. 252 do Reg. Int. do STF)”. (páginas 48-49 do voto – STF - MS 20494, Relator(a): Min. DJACI FALCÃO, Tribunal Pleno, julgado em 15/05/1985, DJ 09-08-1985 PP-12607 EMENT VOL-01386-01 PP-00024 RTJ VOL-00115-01 PP-00105).

abril”,270 incluindo à competência originária do Supremo Tribunal Federal a alínea o), no art.

119, I, da CF/1967.271 Desta forma, a percepção de ordem pública à época era bastante absolutista e autoritária, marcada por uma excessiva repressão na tentativa de centralização e controle de toda a sociedade, inclusive dos órgãos jurisdicionais.

Assim, ainda que atualmente fosse legalmente possível a referida avocação de causas, o que não é mais, desde o advento da Constituição Federal de 1988,272 constatamos que havia uma limitação que nos faz refletir muito.

Quando se tratasse de decisão com trânsito em julgado, ainda que existisse uma violação ou afronta ao que possa se entende por ordem pública à época, não poderia mais ser discutida. Ponto nodal que nos faz questionar, mais uma vez, o argumento da inderrogabilidade ou insanabilidade da matéria dita de ordem pública. Assim, com o trânsito em julgado encontramos a convalidação, a regularização do ato decisório, como forma de garantir a segurança jurídica do sistema.

Ressaltamos que o presente instrumento não encontra mais previsão na norma constitucional e no ordenamento jurídico, inclusive, como visto, totalmente incompatível com o novo sistema constitucional até em sua tramitação, a qual previa a realização de sessão secreta de votação, sem a presença das partes (art. 256, §2º, do RISTF),273 o que se mostra inconciliável com a publicidade dos julgamentos que busca o atual texto constitucional (art. 93, IX, da CF).

270 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante. 4ª ed. revista,

atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 332.

271 Constituição Federal de 1967 – Art. 119. I, o) as causas processadas perante quaisquer juízos ou Tribunais,

cuja avocação deferir a pedido do Procurador-Geral da República, quando decorrer imediato perigo de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou às finanças públicas, para que se suspendam os efeitos de decisão proferida e para que o conhecimento integral da lide lhe seja devolvido;

272 “AVOCAÇÃO DE CAUSAS A REQUERIMENTO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPUBLICA.

PEDIDO FUNDADO NO ART. 119, I, 'O' DA C.F. DE 1967, C/ A REDAÇÃO DAS EMENDAS 1/69 E 7/77. LIMINAR DEFERIDA PELO PRESIDENTE DO S.T.F. E PRORROGADA PELO RELATOR. SUPERVENIENCIA DA C.F. DE 5.10.1988, QUE NÃO PREVIU O INSTITUTO DA AVOCATORIA PARA O S.T.F. OU PARA QUALQUER OUTRO TRIBUNAL. EXTINÇÃO DO INSTITUTO POLÍTICO- PROCESSUAL. PEDIDO QUE SE JULGA PREJUDICADO, EM QUESTÃO DE ORDEM, COM REVOGAÇÃO DA MEDIDA LIMINAR. [...] Trata-se de pedido de avocação de causas, que se encontram em curso perante Juízos e Tribunais Trabalhistas, formulado, perante o Supremo Tribunal Federal, pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral da República, com base no art. 119, I, ‘o’, da Constituição Federal de 1967, com a redação dada pelas Emendas 1/69 e 7/77 e combinado com o art. 252 do R.I.S.T.F. [...] Desapareceu, com a nova Constituição, o instituto da avocação de causas, que não é previsto para o Supremo Tribunal Federal ou para qualquer outro. [...] O instituto da avocatória, contudo, como ficou dito, extinguiu-se. Não passará para o Superior Tribunal de Justiça, quando se instalar, nem para qualquer outro. Nem ficará com esta Suprema Corte. Não se trata, pois, aqui, de preservação temporária de competências e atribuições do S.T.F. Mas de subsistência, ou não, de instituto político-processual. E meu voto conclui por sua insubsistência”. (STF – PAv 16 QO, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 12/10/1988, DJ 25-11-1988 PP-31055 EMENT VOL-01525-01 PP-00031).

273 “§ 2º Encerrados os debates, o Tribunal passará a deliberar, em sessão secreta, sem a presença das partes e do

Assim, a avocação de causas ficou para a história jurídica processual brasileira e da ordem pública e, em que pese a sua revogação tácita pelo texto constitucional, ainda continua no regimento interno do Supremo Tribunal Federal, pois somente poderia ser retirada por lei federal, em face da norma constitucional ter o recepcionado com força de lei, o que impede a Corte Suprema de revogar ou retirar os referidos dispositivos regimentais sem o procedimento legislativo junto ao Congresso Nacional.