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4.2 Processo civil estrangeiro e ordem pública processual

4.2.4 Processo Civil Espanhol

Com o ideal de uma Justiça mais efetiva, conforme a sua exposição de motivos,498 a Ley de Enjuiciamento Civil de 2000, da Espanha, direciona o seu processo à realização dos direitos de garantias fundamentais dos seus cidadãos,499 dando mais autonomia as partes e fomenta um acesso à justiça mais adequada à solução das disputas, através da conciliação (art.

496 “Article 16 [...] 3. Il ne peut fonder sa décision sur les moyens de droit qu'il a relevés d'office sans avoir au

préalable invité les parties à présenter leurs observations”.

497 ROLAND, Sébastien. L’Ordre Public et L’État: bréves réflexions sur la nature duale de l’ordre public. In DUBREUIL, Charles-André (Direction). L’ordre Public. (Actes du colloque organisé les 15 & 16 décembre

2011 par le Centre Michel de I’Hospital de I’Université d’Auvergne (Clermont I). Paris: Éditions Cujas, 2013, p. 9-20.

498 “El derecho de todos a una tutela judicial efectiva, expresado en el apartado primero del artículo 24 de la

Constitución, coincide con el anhelo y la necesidad social de una Justicia civil nueva, caracterizada precisamente por la efectividad. Justicia civil efectiva significa, por consustancial al concepto de Justicia, plenitud de garantías procesales. Pero tiene que significar, a la vez, una respuesta judicial más pronta, mucho más cercana en el tiempo a las demandas de tutela, y con mayor capacidad de transformación real de las cosas. Significa, por tanto, un conjunto de instrumentos encaminados a lograr un acortamiento del tiempo necesario para una definitiva determinación de lo jurídico en los casos concretos, es decir, sentencias menos alejadas del comienzo del proceso, medidas cautelares más asequibles y eficaces, ejecución forzosa menos gravosa para quien necesita promoverla y con más posibilidades de éxito en la satisfacción real de los derechos e intereses legítimos”. Disponível em: <https://www.boe.es/buscar/pdf/2000/BOE-A-2000-323-consolidado.pdf>

499 “El punto de partida es naturalmente el propio ciudadano. La solución civilizada de litigios exige que el

ciudadano, como primeira norma de convivencia, renuncie a tomarse la justicia por su mano. Ello supone una primera e importante restricción de su libertad individual. Pero, en este aspecto, conserva el resto de sus faculdades: al ciudadano se le sigue reconociendo su capacidade de iniciativa, de actuación en interés próprio e incluso ajeno, de presencia continua en cada oportunidad, de abandono de su postura, etc. Es el usuario del sistema. En contrapartida, el resto de los poderes también acepta someterse a la disciplina del sistema, aviniéndose a usarlo al mismo nivel que él”. (MÉNDEZ, Francisco Ramos. El Sistema Procesal Español. 10ª ed. Barcelona: Atelier, 2016, p. 29).

415, 1),500 como questão prioritária da audiência prévia do procedimento ordinário, mediação e arbitragem (art. 19, 1).501

O processo civil espanhol contém um Título Preliminar com as diretrizes de aplicação da norma processual (De las normas procesales y su aplicación) e é dividido em quatro livros, sendo o primeiro livro referente às disposições gerais do juízo civil (De las disposiciones generales relativas a los juicios civiles), o segundo livro ao procedimento comum (De los procesos declarativos), o terceiro livro ao processo de execução e cautelares (De la ejecución forzosa y de las medidas cautelares) e o quarto livro aos procedimentos especiais (De los procesos especiales).

Nesse contexto, o processo civil espanhol tem uma grande marca na autonomia da vontade das partes, com a possibilidade de conservação (art. 230)502 dos atos processuais praticados após o ato com defeito de nulidade, ainda que comporte a possibilidade de atuação de ofício dos magistrados (art. 227, 2),503 principalmente em relação as questões relacionadas as nulidades e pressupostos processuais (art. 9, art. 48, art. 58 etc.),504 porém, sempre em atenção ao princípio da sanabilidade do processo (art. 231).505

Ademais, o processo civil espanhol admite a preclusão das nulidades, sendo vedado ao Tribunal conhecer de ofício da nulidade não devolvida pelo recurso, disciplinando o art. 227, 2, segunda parte, que “en ningún caso podrá el tribunal, con ocasión de un recurso, decretar de oficio una nulidad de las actuaciones que no haya sido solicitada en dicho recurso,

500 “Artículo 415. Intento de conciliación o transacción. Sobreseimiento por desistimiento bilateral.

Homologación y eficacia del acuerdo. 1. Comparecidas las partes, el tribunal declarará abierto el acto y comprobará si subsiste el litigio entre ellas. Si manifestasen haber llegado a un acuerdo o se mostrasen dispuestas a concluirlo de inmediato, podrán desistir del proceso o solicitar del tribunal que homologue lo acordado. Las partes de común acuerdo podrán también solicitar la suspensión del proceso de conformidad con lo previsto en el apartado 4 del artículo 19, para someterse a mediación”.

501 “Artículo 19. Derecho de disposición de los litigantes. Transacción y suspensión. 1. Los litigantes están

facultados para disponer del objeto del juicio y podrán renunciar, desistir del juicio, allanarse, someterse a mediación o a arbitraje y transigir sobre lo que sea objeto del mismo, excepto cuando la ley lo prohíba o establezca limitaciones por razones de interés general o en beneficio de terceiro”.

502 “Artículo 230. Conservación de los actos. La nulidad de un acto no implicará la de los sucesivos que fueren

independientes de aquél ni la de aquéllos cuyo contenido hubiese permanecido invariado aún sin haberse cometido la infracción que dio lugar a la nulidad”.

503 “Artículo 227. Declaración de nulidad y pretensiones de anulación de actuaciones procesales. [...] 2. Sin

perjuicio de ello, el tribunal podrá, de oficio o a instancia de parte, antes de que hubiere recaído resolución que ponga fin al proceso, y siempre que no proceda la subsanación, declarar, previa audiencia de las partes, la nulidad de todas las actuaciones o de alguna en particular.”.

504 “Artículo 9. Apreciación de oficio de la falta de capacidad. La falta de capacidad para ser parte y de

capacidad procesal podrá ser apreciada de oficio por el tribunal en cualquier momento del proceso.; Artículo 48. Apreciación de oficio de la falta de competencia objetiva.; Artículo 58. Apreciación de oficio de la competencia territorial”.

505 “Artículo 231. Subsanación. El Tribunal y el Secretario judicial cuidarán de que puedan ser subsanados los

salvo que apreciare falta de jurisdicción o de competencia objetiva o funcional o se hubiese producido violencia o intimidación que afectare a ese tribunal”.

Por fim, o fundamento do processo civil espanhol está assentado no texto constitucional (art. 24, 1),506 garantido ao cidadão uma respuesta sobre el fondo das pretensões deduzidas pelas partes em juízo.507

506 “Artículo 24. 1. Todas las personas tienen derecho a obtener la tutela efectiva de los jueces y tribunales en el

ejercicio de sus derechos e intereses legítimos, sin que, en ningún caso, pueda producirse indefensión”.

5 Remates Iniciais

Podemos perceber que os capítulos iniciais desta tese, tiveram como objetivo identificar a possível origem histórica e questionar como a percepção da ordem pública vem se desenvolvendo dogmaticamente ao longo do tempo, tanto na doutrina, legislação brasileira e estrangeira, bem como nos Tribunais Superiores pátrios.

Desta forma, constatamos, a princípio, que, segundo os estudiosos do Direito Internacional Privado, a expressão ordem pública, nasce com uma carga imperialista e absolutista muito grande, associando à ideia de sentimento de coisa pública, razão pública, associada ao Direito Público e ao interesse público marcado pelo direito imperial romano, disseminado e fomentado pelos textos normativos franceses.

Assim, por sua volatilidade e historicidade, a expressão ordem pública tem sua percepção em diversas acepções. Consistindo, em geral, como forma de distinguir a clássica divisão dos domínios públicos e privados (ordem pública e ordem privada), também como organização jurídico-social, não descartando totalmente a associação com o interesse público, porém como ordem social, paz social, ausência de guerra, bons costumes etc., bem como do ponto de vista instrumental, com um aspecto mais finalístico, no sentido de verificar qual a efetividade e utilidade para o ordenamento, não se preocupando com a sua essência propriamente dita.

Contudo, vimos que todas estas acepções além de não garantirem uma autonomia à ordem pública se vinculando ao interesse público, podem ser adequadas a certas realidades, o que não responde ao conteúdo que se defendia inicialmente.

Assim, em face de sua gênese, em que pese possua marcantes “lugares comuns” com a ideia de interesse público e Direito Público, tentou-se um corte epistemológico e o desmembramento da ordem pública das duas expressões geradoras desta, até para, pragmaticamente, tentar justificar a sua autonomia ou a sua real dependência destes seguimentos dogmáticos.

Mesmo que o desligamento total não seja possível, em face dos lugares comuns que os institutos apresentam, o recorte da associação direta aos conteúdos de interesse público e Direito Público, aparentemente o são. Por isso, em que pese determinados valores, sentimentos sociais, morais e culturais sirvam de base para as normas jurídicas, a noção de ordem pública contemporânea, ao nosso sentir, não deve ser vista como um valor, mas sim

como uma situação advinda da norma jurídica, a qual garanta aos sujeitos processuais confiança e segurança, no sentindo de se obter a tão esperada integridade, estabilidade e coerência ao sistema jurídico processual.

Por óbvio que os valores extraídos de uma espécie de sentimento de ordem pública, que alguns doutrinadores defendem, não pode acabar, e é salutar que este discurso não acabe. Pois é ululante que o Direito e as normas jurídicas têm o fim de se buscar uma determinada ordem, equilíbrio e tranquilidade social.

Porém, por muitas vezes este escopo não é atingido, e essa promulgada paz social que a maioria dos autores pregam é fortemente violentada pelo próprio Direito e suas normas de conduta, o que poderia induzir a constatação de que o próprio ordenamento jurídico violaria a ordem pública, o que não se mostra salutar.

Nesse contexto, percebemos que aliar a percepção de ordem pública mais a segurança jurídica do que ao interesse público, pode ser uma maneira de minimizar determinadas situações, conforme verificaremos nos capítulos seguintes.

No âmbito jurídico este sentimento de ordem e segurança deve se traduzir por norma e não em um puro sentimento, vontade, razão individual ou coletiva, sob pena de se chancelar decisionismos casuísticos, e gerar insegurança, instabilidade e possíveis injustiças.

Desta forma, o direito processual civil não necessita de um ideal de valor ou um “estado de coisas” a ser seguido, como os doutrinadores examinados propagam, mas sim de normas que transpassem a segurança, a estabilidade, a coerência e a integridade sistêmica apropriada para se alcançar a sua principal finalidade na atualidade. Qual seja, um julgamento de mérito adequado, em tempo razoável, que possa ser considerado justo, no sentido de se cumprir todas as garantias constitucionais e processuais, e efetivo, entregando a cada parte o seu bem da vida, para que goze dele plenamente.

Ademais, verificamos que a noção de ordem pública deve ser encarada com os contornos do ideal doutrinário contemporâneo, marca também de sua historicidade, ponto este de consenso entre os estudiosos deste fenômeno, o qual, ao nosso sentir, firma-se na Constituição e nas normas constitucionais, como podemos constatar ao longo desses primeiros capítulos.

Outrossim, constatamos, nesta primeira parte, que as noções sobre as percepções de ordem pública processual começaram a ser questionados e possivelmente redesenhados, pois o que se entendia como insanável, inderrogável, não sendo objeto de renúncia, convalidação, preclusão e convenção das partes, vem se mostrando totalmente possível, como

vimos e veremos nos capítulos seguintes desta tese. O que já impõe uma mudança da própria nomenclatura, conteúdo e noção do que se deva entender por ordem pública no processo civil. E, ousamos dizer que, talvez, essas características que implementaram à ordem pública, desde os primórdios de sua discussão, com os estudos dos franceses e do Direito Internacional Privado, nunca tenham existido conforme divulgado.

Nesse contexto, procuramos estabelecer algumas premissas teórico- metodológicas, modificando que a percepção de norma cogente para norma rígida, a qual está associada ao Estado Constitucional, marcado pelo desenvolvimento democrático do processo. Passando a fase do interesse público à ordem pública, da ordem pública à ordem constitucional e da norma cogente para a norma rígida.

Ademais, verificamos que, mesmo tentando atribuir à ordem pública um distanciamento das noções de interesse público e direito público, verificou-se que a percepção de ordem pública não se subsiste sozinha. Ou seja, a ordem pública não possui autonomia, muito menos uma independência, pois todas as vezes que se tentou justificar a interferência da ordem pública em determinada questão, percebemos que ela não contribuía a contento para a solução do caso. Inclusive, se retirada a expressão ordem pública dos fundamentos jurídicos e de determinados textos legais, dificilmente modificaria o resultado ou as conclusões dos casos. Constatamos e confirmamos essas assertivas nos capítulos II e III desta tese.

Mesmo que a doutrina de direito material, os textos normativos de vários ramos do direito material e as decisões judiciais dos Tribunais Superiores (STF e STJ) analisadas no segundo capítulo tentem estabelecer ou justificar a existência do valor ordem pública no sistema jurídico, não encontra a sustentação dogmática sugerida.

Ainda que o senso comum popular (=leigo) possa associar a violação à ordem pública ao caos social e a intranquilidade social, em inúmeras situações que possam traduzir o descontrole do Estado, o que pode exprimir uma utilidade da expressão, ainda sim, a ordem pública somente encontra guarida, nesses casos, em face das situações jurídicas de normas já postas que garantem a segurança pública, o equilíbrio das instituições estatais, a estabilidade social, econômica e financeira, e não pelo simples fato de ser um sentimento coletivo ou uma razão pública denominada ordem pública.

Na verdade, ao que parece, a ordem pública é uma forma de revigorar ou dar mais força à noção de interesse público, como se as questões ditas de ordem pública imprimissem uma carga ou maior grau de relevância dentro da perspectiva do interesse público.

De sorte que se há possibilidade de quebra da soberania nacional ou dos direitos e garantias fundamentais, há sim violação às normas constitucionais postas pelo ordenamento, e

não por exclusividade do valor ordem pública. A violação se dá em face da norma e não de um valor ou um puro sentimento.

Por esse motivo, a ideia de ordem pública não possui autonomia, não tem institutos ou compreensões próprias, servindo sempre como um soldado que tenta proteger o seu Estado (interesse público), encontrando este também, fundamento em normas jurídicas postas pelo ordenamento jurídico de cada nação e território. Assim, desde a análise dos textos normativos constitucionais até os infraconstitucionais no segundo capítulo, não encontramos o que justificasse a autonomia e independência dogmática da expressão ordem pública.

Outrossim, no terceiro capítulo, que perfaz o verdadeiro objetivo da ordem pública de nosso estudo, também demonstramos que os autores brasileiros que estudaram este fenômeno em suas teses, ao replicarem a noção de ordem pública ao processo civil (ordem pública processual), voltado à metodologia da instrumentalidade do processo, transmitindo um sentimento valorativo da ordem pública ao exercício da jurisdição, ainda justificando e atribuindo a sua permanência no ordenamento jurídico processual por determinadas consequências jurídicas no processo civil, o que não nos aparenta adequado.

Além disso, atribuem ao fenômeno uma percepção com base em suas consequências, cognição a posteriori, e não partem de sua própria gênese, em uma cognição a priori, o que faz caírem em contradições e até admitirem uma gradação da ordem pública (questão de ordem pública processual absoluta, questão de interesse público processual e questão disponível), o que somente torna mais confusa a expressão e totalmente liga a ideia de público versus privado, indisponível versus disponível, não se adequando ao momento dogmático contemporâneo, como identificamos nas premissas fixadas no primeiro capítulo.

Assim, a doutrina processual brasileira tenta, de forma hercúlea, estabelecer um conceito ou uma compreensão de um fenômeno que não possui autonomia e independência, partindo de consequências jurídicas já postas pelo ordenamento, o que nos leva a conclusão de que a ordem pública processual ainda é uma desconhecida e que pode representar uma situação de “tû-tû”, descrita por Alf Ross ao ironizar a percepção de direito subjetivo.

Talvez, por essa razão, os sistemas processuais estrangeiros de origem romana, estudados aqui (português, italiano, francês e espanhol), não se preocupem com esse tipo de categorização das normas processuais, porque parece não contribuir ou influir nas consequências jurídicas já postas pelo ordenamento. Pelo contrário, os sistemas processuais estrangeiros destacam somente o grau de interesse público de determinadas normas processuais, as quais o próprio sistema possibilita que o magistrado possa trazer a discussão no processo sem a provocação das partes.

Porém, em que pese tal grau de interesse público, constatamos a possibilidade de preclusão de determinados casos, como a incompetência absoluta no sistema processual italiano (art. 38, 3, do CPC italiano), e a sanabilidade dos atos processuais no processo civil espanhol (art. 231) e no processo civil francês (art. 126, 1 e 2).

Ademais, em que pese o Code de Procédure Civile trazer em vários momentos literalmente a expressão ordem pública em seu texto, ela não é encarada como uma situação absoluta, de insanabiliade ou não afeta à preclusão. Ao que nos parece, somente se justifica essa menção e os vários estudos sobre o tema, em face dos franceses serem os precursores da percepção de ordem pública, extraindo dos escritos romanos, os quais a ligam com o interesse público e as questões do Estado.

Portanto, com base em todo esse caminhar da percepção de ordem pública, passaremos a enfrentar a sua perspectiva no desenvolvimento histórico-dogmático do processo civil brasileiro, fixando, no capítulo VI, a tese por uma nova dogmática do que um dia se convencionou chamar de ordem pública.

6 A ordem pública no caminhar do processo civil brasileiro