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O consumo envolve muito mais questões do que pare- ce. Como explica Solomon:

O consumo se constitui em um processo con- tínuo. Vai muito além da troca de valor monetá- rio por uma mercadoria ou serviço. Envolve questões que influenciam o consumidor antes, durante e depois da compra, e também todo o processo de busca, escolha e tomada de deci- são de compra de um produto, a experiência durante o consumo, o desempenho do produto após a compra e as conseqüências que essa compra traz. Quando se fala de consumo, se fala não só de objetos tangíveis, mas de expe- riências, idéias e características intangíveis (SOLOMON, 2002 apud AMUI, 2006, p. 7).

Conforme Carlos Ferreirinha, ex-presidente da Louis Vuit- ton44 no Brasil, os lojistas e prestadores de serviços não

oferecem produtos, apenas experiências. Para Ferreiri- nha, “produtos suprem necessidades, experiências su- prem desejos através da emoção”, conclui45. Atualmente,

as pessoas de maior poder aquisitivo estão dispostas a gastarem pequenas fortunas para vivenciarem experiên- cias únicas, proporcionadas pelos bens de luxo.

44 Louis Vuitton é uma das marcas do principal grupo de marcas de

luxo, o LVMH (Varella, O império do Luxo, artigo do site da revista Veja).

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Roberto Lopes, “Eles Entendem de Luxo”, revista Welcome Con- gonhas, setembro de 2007, p. 31.

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Os produtos de luxo46, aparentemente, sempre foram va-

lorizados e procurados, mostrando sua constância e per- sistência de códigos de diferenciação social47. O uso de

um determinado bem de luxo pode determinar o nível do consumidor na hierarquia social, na distinção de classes econômicas.

Segundo Lipovetsky (2005), desde o Paleolítico que os homens mantinham algum tipo de luxo, seja pelos ador- nos, tatuagens ou prazer pelas festas. Os templos da Anti- güidade são um exemplo disso, com suas grandiosidades físicas e decorativas. Há uma necessidade de beleza para satisfazer os sentidos. Sempre vivemos cercados de luxos de diferentes proporções.

As pessoas estão em constante busca pela diferenciação, e para obtê-la, buscam o consumo de bens de alto pa- drão. Há um desejo em ser diferente, em estabelecer uma personalidade particular e individual, distante dos modelos convencionais48.

Com a multiplicidade cultural resultante da globalização, o homem atual está em constante transformação de sua

46 Em um nível abaixo dos produtos de luxo encontram-se os produtos

“upmarket” e/ou “premium”. Juntos, formam uma faixa de mercado chamada de “produtos de prestígio” ou “produtos de alto padrão”. A definição de “premium” é bem semelhante à de “luxo”. A diferença é que, os produtos de luxo são produzidos por empresas que atuam ex- clusivamente no final de um conjunto contínuo que abrange todos os tipos de produtos à disposição. Não são versões sofisticadas de pro- dutos comuns, como normalmente ocorre com os produtos “premi- um”, que tanto podem ser produzidos por uma empresa que atua em diversas faixas de mercado, quanto por empresas voltadas ao luxo. (FAGGIANI, 2006).

47 Lipovetsky, 1989, apud Faggiani, 2006, p. 9. 48 Nietzsche, 2005, apud Faggiani, 2006, p. 12.

identidade, uma vez que vive em uma sociedade na qual se dissolve em suas referências culturais e sociais, ge- rando novas necessidades e valores a cada dia49.

Os produtos do mundo contemporâneo estão imbuídos de significado e sendo assim, refletem nossa imagem como espelhos, fazendo-nos descobrir aspectos de nós mesmos, como coloca Diechter (1970).

O consumo constitui um universo de significa- ção capaz de modelar as práticas cotidianas. Nele, os indivíduos se reconhecem uns aos ou- tros e constroem suas identidades, imagens trocadas e reconfirmadas pela interação social (ORTIZ, 1996, p. 170 apud FAGGIANI, 2006, p. 11).

Desta forma, tudo o que é consumido torna-se indicador de individualidade, identidade, gosto e estilo do consu- midor50.

Conforme Baudrillard (1981), é o código presente em cada objeto e em cada relação de consumo que classi- fica o indivíduo que o consome. A concorrência entre as classes e a luta pela distinção sustentam a efemeridade do consumo, fazendo com que os consumidores este- jam sempre procurando inovações e deixando para trás o que não é mais novidade.

49 Silva, 2004 apud Faggiani, 2006, p. 10. 50 Featherstone, 1996 apud Faggiani, 2006, p. 11.

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Como afirma Silva (2004), a principal influência da nova identidade do homem atual é a indústria cultural51 que,

através de símbolos e significados aliados à globalização, massifica e transforma produtos em mercadorias de fácil assimilação e aceitação, além de modelar os desejos e necessidades humanos52.

De acordo com Faggiani (2006), a indústria cultural utili- za imagens, signos e símbolos evocativos de sonhos, anseios, ambições e fantasias que sugerem uma identi- dade ao consumidor. Os produtos de prestígio incitam a sofisticação individual e o status, funcionando como ob- jetos de ascensão social e de pertencimento a um de- terminado grupo ou classe social.

O simbólico é um componente determinante na escolha dos produtos de luxo e torna-se um diferencial, especial- mente quando os produtos de luxo têm as mesmas fun- ções, materiais, qualidades e preços.

De acordo com Faggiani (2006), as estratégias para se- duzir os compradores de produtos de luxo e premium são diferentes das utilizadas para o consumo de massa. O consumo de bens de prestígio apresenta característi- cas tangíveis do produto, como design, matéria-prima, durabilidade, conforto.

51 O que é produzido pelo sistema industrializado de produção cultural

(TV, rádio, jornal, revistas, etc.) elaborado de forma a influenciar, au- mentar o consumo, transformar hábitos, educar, informar, pretenden- do-se ainda, em alguns casos ser capaz de atingir a sociedade como um todo (Neto, 1996).

52 Hall, 2002 apud Faggiani, 2006, p. 11.

O luxo não é ditado ou imposto pelas necessi- dades básicas, mas sim pela concepção de pra- zer, transformando sonhos em necessidade. A- tualmente, no nosso mundo globalizado, onde a qualidade não é mais um diferencial dos produ- tos e serviços, mas um aspecto inseparável, se compete mais pelo apelo original e pela emoção e sentimentos que se desperta nos consumido- res através de signos e símbolos (FAGGIANI, 200, p. 12).

Os significados atribuídos aos bens de luxo não são construídos apenas individualmente, mas também soci- almente. Os indivíduos possuem motivações e interes- ses diferentes uns dos outros. Existem fatores psicológi- cos, sociais, culturais e ambientais que implicam nessa escolha53.

Como define Twitchell (2000), o surgimento da sociedade de consumo apenas consolidou o desejo de consumir que já existia. Ele afirma que esse desejo encontrou uma opor- tunidade com a Revolução Industrial de se manifestar. An- tes da Revolução Industrial, só não se consumia tanto porque as pessoas não tinham tanta escolha e tampouco essa diversidade de objetos para desejar.

Assim, com o surgimento da sociedade de consumo, os bens passam a depender mais do seu significado social do que de sua utilidade funcional. O valor simbólico contido nos produtos tornou-se o principal combustível para sua compra e uso. Assim como a escolha por pro- dutos ou marcas, o consumo é regido por códigos que

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enfatizam a análise e a relação entre os objetos54. Con-

forme Da Matta,

o valor simbólico se adiciona ao valor de uso e ao valor de troca, para permitir, tal como ocorre também nos sistemas tribais e tradicionais, a sua associação sensível, imagística, concreta, com qualidade e relações humanas que a sociedade define como preciosas e importantes. (DA MATTA 1984, apud AMUI, 2006, p. 11-12).

Segundo Veblen (1965), no passado o objetivo do con- sumo era exibir os produtos como sinal de diferenciação e status, e não usufruir a qualidade destes. Para Veblen, a riqueza em si possui significado social, ela deve ser exi- bida, e não simplesmente consumida ou possuída. Como afirmam Strehlau e Aranha (2002), os bens de luxo funcionam como forma de distinção e reconhecimento social. Para as classes mais favorecidas esses produtos são formas de diferenciação das outras classes. Através dos avanços contínuos no consumo, as classes inferiores desejam os modelos adquiridos pela classe superior, fa- zendo com que o luxo os distanciem ainda mais55. Assim,

esses bens transformam-se em objetos de hierarquia so- cial, gerando uma satisfação pela exibição de riqueza monetária.

A pesquisa de Dubois e Duquesne (1993) identificou du- as formas de acesso a bens de luxo: uma diz que a os- tentação é o principal motivo para a aquisição desses

54 Faggiani, 2006, p. 13..

55 Allérès, 2000 apud Faggiani, 2006, p. 26.

bens, privilegiando aspectos tangíveis como design e qualidade (assemelhando-se com a teoria do consumo conspícuo de Veblen); e a outra afirma existir uma possi- bilidade de extensão de si mesmo e expressão de valores individuais ou de um grupo, onde a característica simbó- lica é destacada.

Desta forma, como existem várias motivações para o consumo, existe um público variado para o consumo de bens de prestígio.

Mudanças no mercado de luxo foram identificadas pela Risc International (2001)56 entre as décadas de 80, 90 e

2000. Conforme dados da empresa, nos anos 80 preva- leceu o hedonismo e a ostentação, ou seja, competição de status, marcados pela ascensão dos yuppies57. Já a

década de 90 teria sido marcada menos pela ostenta- ção e mais pela responsabilidade e ética, onde o luxo teria servido à arte de viver, saindo da competição social e indo para a satisfação pessoal58.

Os anos 2000, por sua vez, teriam iniciado uma época de prazer, com os produtos de luxo servindo a uma erotiza- ção da vida diária59.

Conclui-se, portanto, que os bens de luxo atendem a propósitos diferentes e a consumidores diversificados. A

56 Risc Internatonal é uma empresa de consultoria européia que es-

tuda os principais mercados de luxo do mundo anualmente.

57 Homem jovem, bem-suedido profissionalmente (Ferreira, 1999). 58 Dubois, Laurent, 1996 apud Faggiani, 2006, p. 27.

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multiplicidade na oferta do luxo é o reflexo da diversida- de da sociedade.

Assim, a real necessidade é a da diferenciação, e não do objeto em si. Conforme Faggiani (2006), o desejo pode ser visto como capricho da alma, ou seja, os pro- dutos têm valor porque satisfazem vontades do espírito. Muitas pessoas se permitem adquirir produtos de luxo como forma de compensação do sofrimento com uma situação de vida indesejável.

A fronteira entre desejo e necessidade é muito sutil. Para Faggiani (2006), apesar do mercado atual produzir falsas necessidades, o que para alguns consumidores possa ser falsa necessidade, para outros pode ser essencial. O ser humano precisa do supérfluo e desnecessário para viver, pois somente o essencial não o atende. Segundo Coelho (2000), “transferimos sonhos e expectativas para o objeto”.

De acordo com Sousa60, “(...) na medida em que são

preenchidas as necessidades básicas, as pessoas pas- sam a procurar produtos que respondam a expectativas sociais e pessoais mais elevadas”.

Desejamos produtos que preencham nossas necessidades emocionais porque quando eles vão além das necessidades mecânicas, utilitá- rias e funcionais, não apenas tornam-se neces- sários em nossas vidas, mas apresentam uma

60 Sousa 2000 apud Faggiani, 2006, p. 28-29

sensação de glória e satisfação (Manu apud Sousa, 2000 apud Faggiani, 2006, p. 29).

Na atual sociedade, o grau de sucesso é medido pelo acúmulo de riquezas e pela disponibilidade de consumo de bens materiais. “(...) Comentando sobre a cultura do consumo, as pessoas gastam um dinheiro que não pos- suem, pra comprar coisas que não necessitam, para im- pressionar pessoas que não conhecem” (Penna, 1999 apud Faggiani, 2006, p. 29).

O consumo e suas influências na atualidade