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Consumo e identidade

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2. CONSUMO, IDENTIDADE E A QUESTÃO DA CRÍTICA

2.1 Consumo e identidade

O avanço das ciências sociais permitiu uma nova percepção do ato de consumo. Para Baccega (2009), os novos estudos apresentam uma outra visão sobre o consumidor que antes era visto sem senso crítico diante das pressões consumistas. Para a autora, esse "novo"21 consumidor entende o mercado e vai além do ambiente

de troca de mercadorias. É um "território de interações, no qual espaços de escolha, de diálogo entre sujeitos, de satisfação de necessidades materiais e culturais" (p. 3).

Por conta disso, cada vez mais as organizações precisam estar atentas às demandas e anseios daqueles que compram seus produtos ou adquirem seus serviços. O distanciamento entre as grandes marcas e seus consumidores tem diminuído, tanto por conta do advento da internet e mídias sociais, que não só aproximou consumidores e fornecedores, como também abriu um canal de diálogo entre eles.

As estratégias competitivas tanto de pequenas quanto de médias e grandes empresas têm se transformado devido às mudanças sociais e tecnológicas. No caso das empresas multinacionais, este fenômeno talvez seja mais perceptível pelo fato destas empresas terem que entender características específicas de um país ou continente para uma atuação focada e eficiente. Muitas abordagens evidenciam na perspectiva da estratégia a necessidade de atender às exigências do mercado em relação à gestão dos interesses dos stakeholders (CRUZ, 2013, p. 35).

Bauman (2008, p. 70-71) aponta que vivemos em uma sociedade de consumidores e que a própria sociedade passou a interpelar seus membros, uma vez que se dirige a eles, os saúda, questiona e os interrompe. Em contrapartida, essa sociedade (na personificação dos consumidores) espera ser ouvida, entendida e obedecida. Vale ressaltar que o objetivo dessa relação é mercadológico e em nada

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Maria Aparecida Baccega utiliza o termo "novo", entre aspas, para indicar que o consumidor é o mesmo e o que mudou foi a percepção sobre ele.

tem a ver com a humanização dos clientes e marca, mas sim com o atendimento de uma necessidade que esses clientes possuem para que se sintam satisfeitos. Satisfação essa que está ligada ao ritual de consumo, algo que está fortemente ligada ao fator psicológico que leva à ação.

Segundo Martin Lindstrom (2009, p. 91), “na maioria das vezes a compra de um produto é mais um comportamento ritualizado do que uma decisão consciente” e quando se trata de marcas favoritas, o autor aponta que esse consumo gera uma sensação de estabilidade e familiaridade que pode ser comparado ao sentimento de lealdade quase religioso. Esse consumo, então, funciona como um dos indicadores de práticas socioculturais (BACCEGA, 2009). Isso porque o consumo está diretamente ligado ao senso identitário.

Como já abordamos no capítulo 1, um sujeito não está preso a apenas uma identidade. Baccega (2009) aponta que, dentre as diversas identidades que temos, muitas delas são baseadas nas escolhas, como gostar de um determinado estilo musical, e outras são dadas naturalmente, como cor da pele e família, por exemplo. Um ponto a ser destacado é que, dentre as muitas identidades de uma pessoa, algumas são aquelas que ela prefere demonstrar. Assim como Bauman (2012) descreveu que a participação nos grupos requer um esforço, a autora traz um novo elemento à essa dinâmica: o consumo.

Baccega (2009) apresenta o consumidor como um membro ativo da comunidade e que define os próprios limites. Entretanto, a autora aponta que o consumo é uma das peças fundamentais para a formação da identidade. Estariam esses fãs dispostos a abrir mão de suas identidades para negar o consumo por livre e espontânea vontade? "A cultura consumista é marcada por uma pressão constante para que sejamos alguém mais" (BAUMAN, 2008, p. 128) e ser fã exige a adesão a essa pressão em relação aos produtos culturais que formam essa identidade. Entretanto, nada impede que esse consumo midiático seja feito de forma crítica.

Pela parte da crítica de mídia, temos a expansão e a pulverização do trabalho do exercício crítico como opinião. Essa é uma fronteira para a qual devemos atentar. A crítica está longe da dinâmica das ideias, não responde exatamente à valorização do objeto como culturalmente superior. A crítica de mídia acaba por ter

de repousar no que se comunica sobre os objetos de circulação popular. Se há privilégio neles, este se refere ao valor agregado pela circulação massiva. Gostaríamos de destacar a relação que está aí implícita e que caracteriza e diferencia a crítica de mídia: a valorização da relação do público com o objeto avaliado através das marcas de apropriação e ressignificação (LIMBERTO, 2015, p. 10)

Antes de tudo, o fã é um consumidor de produtos culturais e se esses produtos possuem valor, eles devem isso à circulação realizada pelos próprios fãs. Bauman (2008, p. 20) afirma que "na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria" e, nesse caso, o fã está constantemente se vendendo, tanto para os produtores como para os outros fãs em busca de reconhecimento dessa identidade.

Fazemos grandes esforços para o reconhecimento “público” dessa identidade escolhida. E essa exposição se garante sobretudo com as escolhas do que se consome. O consumo serve, portanto, como alavanca do desfile de identidades cambiáveis do sujeito (BACCEGA, 2009, p. 11).

Essa percepção de que o consumo é utilizado para expor aos outros as características de identidade que queremos destacar, também é abordada por Baudrillard (2008) ao colocar que os consumidores não consomem os objetos em si, e sim seus valores que irão colocá-lo em determinada posição perante o grupo. Nas palavras do autor, "o consumo surge como sistema que será a ordenação dos signos e a integração do grupo; constitui simultaneamente uma moral (sistema de valores ideológicos) e um sistema de comunicação ou estrutura de permuta" (Idem p. 91). Esse relacionamento intermediado pelo consumo também foi abordado por Bauman. Nas palavras do autor:

Os encontros dos potenciais consumidores com os potenciais objetos de consumo tendem a se tornar as principais unidades na rede peculiar de interações humanas conhecidas, de maneira abreviada, como “sociedade de consumidores”. Ou melhor, o ambiente existencial que se tornou conhecido como “sociedade de consumidores” se distingue por uma reconstrução das relações humanas a partir do padrão, e a semelhança, das relações entre os consumidores e os objetos de consumo. (BAUMAN, 2008, p. 19)

O que podemos entender é que essa relação entre consumidores e objetos de consumo sofre uma transformação. Uma vez que o consumo é utilizado para inserir o indivíduo em um aspecto social, ele mesmo passa a ser vendido como uma mercadoria que possui valor para pertencer àquele meio. Baccega (2009, p. 4) aborda esse ponto ao dizer que "o objetivo da sociedade de consumo não é levar os sujeitos ao consumo objetivando satisfazer suas necessidades e sim transformar o próprio consumidor em produto consumível". E o preceito também é abordado por Bauman (2008, p. 13) quando diz que os consumidores são colocados no mercado por eles mesmos.

Na sociedade de consumo, o individual prevalece e o consumidor (...) tem medo de não estar adaptado e submete-se ao consumo dos bens colocados no mercado como ferramentas infalíveis para sua adaptação. Ou seja, o próprio medo do consumidor torna-se ele próprio objeto de consumo, através desses produtos (BACCEGA, 2009, p. 4).

A autora conclui reiterando o papel da publicidade como fundamental para a manutenção dessa nova dinâmica envolvendo consumidores/produtos que aderem ao consumo para fortalecer suas identidades perante seu meio social. Para entender melhor o conceito de publicidade, recorremos ao dicionário de comunicação

Desde o século XIX, o conceito de publicidade está vinculado às práticas de divulgação de produtos, serviços e empresas. A atividade publicitária, que engloba as agências, produtores, veículos de comunicação, refere-se à concepção, produção e transmissão das mensagens comerciais, que atendem à necessidade de comunicação dos anunciantes. Sua veiculação engloba inúmeras possibilidades, do anúncio impresso à mídia digital, em formatos tradicionais e também por ações diferenciadas de interação com o público. Nesse sentido, a publicidade, em sentido amplo e no contexto da sociedade de consumo, é um fenômeno que se dissemina pela produção cultural contemporânea, como no cinema, no jornalismo, no esporte, na mídia de maneira geral, em espaços públicos e privados (CASAQUI, 2009, p. 295).

A partir da compreensão de que a publicidade se utiliza da produção cultural para disseminar mensagens que visam atender às demandas dos anunciantes, partimos para uma percepção do valor estratégico da propaganda para garantir o

consumo como mecanismo de comunicação para a distinção social do indivíduo. Para Baudrillard (2008), a publicidade

nunca se dirige apenas ao homem isolado: visa-o na relação diferencial e quando dá a impressão de retardar as suas motivações profundas, fá-lo sempre de modo espetacular, isto é, convoca sempre os vizinhos, o grupo, a sociedade inteiramente hierarquizada para o processo de leitura e encarecimento que ela instaura (p.72).

Ao destinar suas mensagens para um grupo na intenção de atingir não apenas os membros dele, mas todos os que aspiram integrá-lo, as campanhas publicitárias voltadas a grupos identitários, como a comunidade fã de Star Wars, busca oferecer pelo consumo a possibilidade de construção de identidade dessas pessoas. É, segundo o mapa de Martín-Barbero (2001), a produção definida pela institucionalidade voltada para ser consumida dentro da mediação de sociabilidade.

Mas quem é esse produtor? No capítulo 1, abordamos a identidade fã e apresentamos um pouco do universo nerd, no qual esses fãs de Star Wars se encontram. No começo do capítulo 2, abordamos o consumo crítico e como a questão identitária se faz presente nos processos de consumo. Agora, apresentaremos outros dois elementos importantes que compõem o processo de consumo e crítica do nosso objeto: a empresa Electronic Arts (EA Games) e o modelo de negócio de jogos eletrônicos.

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