• Nenhum resultado encontrado

Download/Open

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Download/Open"

Copied!
119
0
0

Texto

(1)UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO. DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. THIÉRRI PARMIGIANI. COMUNICAÇÃO E PROCESSOS DE CONSUMO NA CULTURA FÃ: ANÁLISE DOS COMENTÁRIOS CRÍTICOS NO LANÇAMENTO DE STAR WARS BATTLEFRONT II. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2019.

(2) 2. THIÉRRI PARMIGIANI. COMUNICAÇÃO E PROCESSOS DE CONSUMO NA CULTURA FÃ: ANÁLISE DOS COMENTÁRIOS CRÍTICOS NO LANÇAMENTO DE STAR WARS BATTLEFRONT II. Dissertação apresentada à Universidade Metodista de São Paulo como requisito parcial para obtenção do título de Mestre Orientação: Prof. Dr. Vander Casaqui. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2019.

(3) 3. FICHA CATALOGRÁFICA. P241c. Parmigiani, Thiérri Comunicação e processos de consumo na cultura fã: análise dos comentários críticos no lançamento de Star Wars Battlefront II / Thiérri Parmigiani. 2019. 125 p. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) --Diretoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2019. Orientação de: Vander Casaqui. 1. Comunicação – Consumo 2. Comunicação digital 3. Fãs (Pessoas) – Cultura 4. Mídia digital 5. Star Wars Battlefront II (Jogos eletrônicos) I. Título. CDD 302.2.

(4) 4. A dissertação de mestrado intitulada: “A CRÍTICA COMO EXPRESSÃO DA CULTURA FÃ: A REVOLTA NO LANÇAMENTO DE STAR WARS BATTLEFRONT II”, elaborada por THIÉRRI PARMIGIANI, foi apresentada e aprovada em 10 de maio de 2019, perante banca examinadora composta por Prof. Dr. Vander Casaqui (Presidente da banca), Prof. Dr. Herom Vargas (Titular da UMESP) e Rosana de Lima Soares (Titular da ECA/USP). __________________________________________ Prof. Dr. Vander Casaqui Docente do PósCom Metodista – Orientador e Presidente da Banca Examinadora. ________________________________________ Prof. Dr. Luiz Alberto de Farias Coordenador do programa de Pós-Graduação em Comunicação. Programa: Pós-Graduação em Comunicação Social Linha de Pesquisa: Comunicação institucional e mercadológica.

(5) 5. AGRADECIMENTOS À minha esposa, Mayara de Oliveira, por me apoiar em todos os momentos da minha vida acadêmica e pela paciência por todas as madrugadas que passei em branco produzindo artigos e esta dissertação. Aos meus pais, Luiza e Sergio, e tia Ana, pela educação, apoio e incentivo. Ao meu irmão, Renan, por me preparar para as pedras no caminho do mestrado e por ter namorado a Bruna há uns dez anos. À minha ex-cunhada, Bruna Giovannini Prado, que foi fundamental nas buscas de pdfs nas madrugadas ao longo destes dois anos. Sem essa ajuda, muitos dos meus artigos não teriam as referências necessárias para que fossem concluídos da melhor forma. Aos meus professores Beth Gonçalves, Cicilia Peruzzo, Herom Vargas, José Faro, Kléber Marcus, Luiz Alberto de Farias, Magali Cunha, Marli dos Santos e Wilson da Costa Bueno pelas aulas e bons momentos. Ao meu primeiro orientador e amigo, Paulo Rogério Tarsitano, por todos os ensinamentos acadêmicos e gastronômicos. Ao meu orientador, Vander Casaqui, pela atenção, paciência e ensinamentos nesta reta final. Serei eternamente grato por tudo que fez por mim nesses últimos meses. Aos colegas de curso e amigos que fizeram desta jornada um caminho mais harmonioso e cheio de apoio. Abraço especial para a Lina, por todo o suporte. Ao Lula e Fernando Haddad, pelo ProUni. Sem esse primeiro passo não teria chegado até aqui.. À CAPES, pelo apoio financeiro que viabilizou esta pesquisa.

(6) 6. A long time ago in a galaxy far, far away....

(7) 7. RESUMO O presente trabalho apresenta um estudo sobre o comportamento crítico da comunidade fã da série Star Wars em relação ao lançamento do jogo Star Wars Battlefront II, publicado pela Electronic Arts em 2017. Depois de uma polêmica envolvendo métodos de rentabilização do jogo um pouco antes de seu lançamento, muitos usuários reclamaram nas redes sociais e a repercussão fez com que a empresa voltasse. em suas práticas mercadológicas. A pesquisa apresenta um. estudo sobre identidade do fã e estudos críticos relacionados ao modelo de negócio da indústria de jogos eletrônicos. Com base nesse referencial, foi realizada uma pesquisa netnográfica na área de comentários do trailer oficial do jogo, onde foi encontrado um grande volume desses que se valeram de um olhar crítico para culpabilizar a EA Games e as práticas de mercado, isentando assim as marcas Star Wars e Disney. Palavras-chave: Comunicação e consumo; cultura fã; mídia digital; crítica; Star Wars.

(8) 8. ABSTRACT This essay presents a study about the critical behavior of the Star Wars fan community regards the launch of the game Star Wars Battlefront II, published by Electronic Arts in 2017. After a controversy involving methods of monetization of the game shortly before its launch, many users complained on social networks and the repercussion caused the company to step back in its marketing practices. The research presents a study on fan identity and critical studies related to the business model of the gaming industry. Based on this reference was made an nethnographic research in the comment area of the official trailer of the game where a great volume of comments was made using a critical look to blame EA Games and market practices, thus absolving Star Wars and Disney. Keywords: Communication and consumption; fan culture; digital media; critic; Star Wars. ..

(9) 9. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - As diferenças entre nerds e geeks . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 Figura 2 - Comentário do usuário Obi-Wan Kenobi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 Figura 3 - Mapa das mediações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 Figura 4: Comentário do usuário Grand Moff Tarkin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 Figura 5: Print do trailer de divulgação oficial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95.

(10) 10. Sumário. INTRODUÇÃO. 11. 1 CULTURA FÃ E CAPITAIS EM STAR WARS. 16. 1.1 A identidade fã. 16. 1.2 O fã nerd. 19. 1.3 Os capitais econômicos, culturais e sociais. 28. 2. CONSUMO, IDENTIDADE E A QUESTÃO DA CRÍTICA. 35. 2.1 Consumo e identidade. 42. 2.2 O contexto de Battlefront II. 46. 3. METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE. 60. 3.1 A etnografia nos estudos de audiência e fandoms. 63. 3.2 Procedimentos de análise aplicado ao corpus. 67. 4. ANÁLISES DOS COMENTÁRIOS EM TORNO DE STAR WARS BATTLEFRONT II. 75. 4.1 (a) Críticas ao modelo. 75. 4.2 (b) Críticas direcionadas à EA. 81. 4.3 (c) Críticas ao produto. 88. 4.4 (d) Uso de jargões Star Wars para críticas gerais. 98. 4.5 (e) Crítica aos outros membros. 100. 4.6 (f) Sobre o vídeo. 103. 4.7. Resultados. 106. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 108. REFERÊNCIAS. 113.

(11) 11. INTRODUÇÃO. Esta dissertação resulta da pesquisa que aborda como a comunidade fã de Star Wars, constituída por consumidores de produtos culturais, se posicionam de maneira crítica frente a decisões mercadológicas de uma empresa que possui os direitos da marca Star Wars para produção de jogos eletrônicos. O estudo foi realizado dentro da linha de pesquisa "Comunicação Institucional e Mercadológica", de forma a produzir um estudo voltado às múltiplas formas de interação comunicativas entre as marcas e seus consumidores por meio das mídias e redes sociais. Desta forma, podemos ampliar as pesquisas que tratam o consumo cultural por parte da audiência e como sua interação afeta a perspectiva institucional das marcas e empresas. Estudos sobre as comunidades fãs são relativamente recentes. As primeiras pesquisas datam dos anos 1980, com autores como Jenkins (1992) e Fiske (1992). Contudo, a cultura fã precede esses estudos. Os fandoms já se organizavam antes da popularização da internet, entretanto, as redes sociais digitais possibilitaram que as pessoas com interesses em comum se agrupassem em espaços virtuais para discutir e trocar experiências. Muitas vezes o produto cultural que uniu esses internautas acaba por ser o responsável por um sentimento identitário desse grupo. A identidade de um grupo é formada pelas trocas culturais e de relacionamentos entre seus membros. A necessidade de pertencimento a um grupo identitário é uma necessidade humana (BAUMAN, 2012) e muitas vezes a autoidentidade do grupo acaba sendo fonte de debates para alinhamento de ideais ou disputa dentro do mesmo. Nesse novo espaço, o fã precisa se apresentar aos outros membros como um merecedor de pertencer àquele espaço, uma vez que o sentimento de pertencimento identitário não é algo que ocorra naturalmente (BAUMAN, 2012), necessitando, assim, de um esforço do indivíduo para pertencer ao grupo. Cabe a esse fã expressar a forma como ele consegue incorporar o produto cultural à sua vida cotidiana, uma.

(12) 12. vez que esse engajamento emocional vai diferir um fã de um consumidor comum (HILLS, 2015). Por mais que o gostar de um produto cultural seja a base para se tornar fã, ser um é uma escolha, mas, como apontado anteriormente, é uma escolha que demanda investimento. Ser fã de Star Wars é um comprometimento com o consumo de produtos e mídias que envolvam a franquia. Não basta assistir aos filmes, é preciso entender o máximo de referências, debater, ler os livros, histórias em quadrinhos e jogar os jogos eletrônicos para saber cada detalhe que torna o universo ficcional de Star Wars, tão rico. Estudar o consumo midiático de um grupo identitário formado justamente pelo interesse em comum nesse mesmo produto midiático, ajuda a entender a relação do indivíduo com as mídias. Afinal, como apontado por Silverstone (2002), não só consumimos a mídia, como ela nos consome. Em 2017, o lançamento de Star Wars Battlefront II, uma das franquias de jogos eletrônicos prediletas entre fãs, teve um lançamento conturbado por conta de uma polêmica decisão mercadológicaexposta por um fã nas redes sociais. Após pagar US$80 pelo jogo na pré-venda, esse consumidor descobriu que deveria jogar aproximadamente 40 horas para desbloquear alguns personagens, tempo que poderia ser poupado caso investisse alguns dólares a mais. O que se viu foi uma série de usuários se posicionando criticamente em relação ao produto e à EA Games, empresa responsável pelo seu desenvolvimento e distribuição. Uma semana antes do lançamento, a produtora anunciou uma alteração nesses pontos de questionamento, mas as críticas não cessaram. A pesquisa buscou entender o comportamento dos fãs em relação ao consumo mediado pela crítica. Para isso, realizamos uma pesquisa netnográfica com a finalidade de analisar o comportamento e conteúdo dos fãs que publicaram os principais comentários críticos na publicação do trailer oficial de lançamento do jogo Star Wars Battlefront II no canal oficial da EA Games Star Wars no YouTube. Para compreender essas relações entre o consumo de mídia e suas mediações, recorremos ao mapa das mediações de Martín-Barbero (2001), e.

(13) 13. buscamos relacionar cada uma das quatro mediações: institucionalidade, tecnicidade, ritualidade e sociabilidade com as ações da comunidade fã e das organizações envolvidas. Casaqui (2011), no cenário atual, aponta que as quatro mediações são combinadas na produção publicitária para configurar pontos de encontro entre produtores, mercadorias e fluxos de comunicação, e nos ajudam a ter um imaginário do consumo dessas peças. Diante deste cenário, o objetivo geral deste trabalho foi investigar o comportamento dos fãs de Star Wars na área de comentários do trailer oficial de lançamento do jogo e entender como a cultura fã pode ser expressada pela crítica. Como objetivos específicos, que estabelecem as etapas da pesquisa para -alcançar o objetivo geral, se apresenta: buscar os padrões de publicações críticas na rede; observar se há disputa entre fãs na área de comentários; verificar se há uma negação do consumo de Star Wars diante das polêmicas; observar se os fãs aproveitavam o espaço dos comentários para demonstrar seus capitais culturais (BOURDIEU, 2007) na busca por capital social. A pesquisa busca contribuir com os estudos de comportamento de comunidades fãs nas redes sociais. Tal entendimento das relações entre fãs, mídias e organizações que as produzem, é uma oportunidade para colaborar com um referencial teórico sobre esses consumidores, conhecidos por um comportamento participativo. O que difere esta pesquisa de outros trabalhos voltados à comunidade de fãs, é que buscamos entender como essa participação é mediada pela crítica. Partimos de Braga (2009) para entender que a crítica se destaca ao abrir um canal de interação entre os usuários e as marcas. Em um ambiente como a área de comentários do YouTube, que é visto como tóxico e de pouca harmonia (MOTA, 2016), é preciso entender que, nesse ambiente, todos são produtores de conteúdo, sejam eles os donos dos canais publicando vídeos ou os espectadores escrevendo seus comentários. Para atingir os objetivos propostos, optou-se por estruturar esta dissertação em quatro capítulos. O primeiro apresenta uma revisão bibliográfica sobre a identidade fã e como esses fandoms se constituem, colaboram e conflitam dentro das.

(14) 14. comunidades que são definidas por Jenkins (2009) como sendo de afiliações voluntárias. Entendendo que o fandom de Star Wars está diretamente ligado ao universo. nerd/geek. e. apresentamos algumas. pesquisas. que. tratam. das. particularidades desse público e como esse grupo consome produtos midiáticos. Partimos do entendimento dos três capitais: econômico, cultural e social, desenvolvidos por Pierre Bourdieu (2007; 2009). Posteriormente, apresentamos as aplicações de Recuero (2009) para entender as relações entre usuários na busca por capital social em comunidades online e em diálogo com a teoria de capital (sub)cultural de Thorton (2003), de busca por hierarquia dentro das comunidades. Essa revisão fundamenta as análises no sentido de entender os movimentos dos fãs dentro desse grupo. Na segunda parte do trabalho, apresentamos uma revisão dos estudos de crítica da mídia para entender o que leva a audiência a gerar um senso crítico e expressá-lo, principalmente, pelos meios digitais. Quais são os processos sociais e culturais que motivam essa expressão e como ela é feita. O terceiro capítulo trata do método da pesquisa que se valeu dos estudos etnográficos para analisar os comentários. Foram levantadas outras pesquisas trabalhadas tanto com etnografia virtual quanto com estudos de audiência e cultura fã, a fim de entender os detalhes que explicam como as pessoas estão interagindo com a mídia na prática (HINE, 2016, p.12). Ainda neste capítulo, partimos da tabela adaptada por Cruz (2013) para descrever os nove passos para a realização da etnografia em redes sociais virtuais. Para atender às demandas metodológicas, selecionamos 10% dos comentários originais na publicação do vídeo. Essa amostra foi retirada levando em consideração a classificação de relevância que é disponibilizada pela própria plataforma. Ao todo, foram pré-analisados 80 comentários. Destes, 54 que apresentavam conteúdo crítico, foram classificados e posteriormente analisados. A quarta e última parte é dedicada às análises dos comentários. Todos os comentários foram lidos e passaram pela interpretação do pesquisador pelo olhar etnográfico (ROCHA; BARROS; PEREIRA, 2005) que deve ser o guia para o entendimento da cultura que se está pesquisando..

(15) 15. Para melhor leitura, cada uma das seis categorias definidas na etapa de organização metodológica, deu origem a um subcapítulo: (a) críticas ao modelo de monetização, com os comentários dedicados a criticar as práticas adotadas pela Electronic Arts para monetização do jogo após a sua compra; (b) Críticas direcionadas à EA, categoria que apresenta mensagens dos usuários destinadas nominalmente à empresa produtora dos jogos; (c) crítica ao jogo, contendo comentários que dedicam suas críticas ao produto Star Wars Battlefront II; (d) uso de jargões referentes à Star Wars para críticas gerais, com comentários que se valem de conhecimentos de detalhes dos filmes para tecer. as mesmas; (e) crítica aos outros membros da. comunidade, cujo conteúdo é dedicado a interpelar outros fãs ou jogadores e (f) sobre o vídeo, com comentários que visam o conteúdo do trailer ou sua existência..

(16) 16. 1 CULTURA FÃ E CAPITAIS EM STAR WARS 1.1 A identidade fã O primeiro filme da franquia Star Wars foi lançado em 1977. Desde então, já foram lançados dez filmes, diversas animações e mais de 130 jogos eletrônicos. Não é de se estranhar que, com tantos produtos midiáticos, a cultura fã seja algo permeando essa marca. Mas o que diferencia o fã de um seguidor? Matt Hills (2015, p. 152) aponta que a diferença está no engajamento emocional, mas é preciso olhar para outro elemento se quisermos diferenciar os fãs dos seguidores. Um seguidor pode ser alguém que simplesmente acompanha uma série e tem certo envolvimento com o programa; para pessoas com esse grau de envolvimento, perder algum episódio ou assistir depois de um tempo, por exemplo, não seria algo para se dar importância. Já o consumo do fã não só é mais constante e intensivo, como ainda existe uma reivindicação de uma identidade cultural, afetando a vida cotidiana desse consumidor. Essa diferença da reivindicação de identidade é importante porque é uma forma de diferenciar esses grupos de maneira prática, uma vez que não é possível medir o engajamento emocional capaz de transformar seguidor em fã. A verdadeira diferença continua a ser que os seguidores, assim como os membros da audiência – as pessoas que não entram na categoria de fã neste argumento – são audiências que não constroem sua identidade cultural por meio deste consumo de mídia. Por este argumento, onde as audiências ou espectadores estão consumindo a mídia, elas não estão articulando este consumo de maneira significativa com a autoidentidade representada e vivida. E diria que nós todos fazemos isso em grande parte do tempo. Nós não apenas consumimos os textos da mídia dos fãs apaixonados; nós assistimos a todos os outros tipos de coisas muito frequente ou rotineiramente, mas sem integrar tais coisas de modo profundo em nosso sentido de identidade. Assim, a distinção fã/seguidor ainda é provavelmente útil de determinadas maneiras (HILLS; GRECO. 2015, p.152).. Outra pesquisa que estuda a cultura fã, especificamente os produtores de fãs filmes baseados em Star Wars, parte do mesmo princípio de significação do produto. Para Pedro Curi (2008), enquanto o consumidor comum, o que Hills chama de.

(17) 17. audiência, se caracteriza por parar seu consumo na produção enunciativa, o fã recebe o texto e cria novos sentidos a partir dele modificando seus hábitos e incorporando esses sentidos à sua vida. Dessa forma, não é o consumo de determinado material que vai fazer com que uma pessoa seja considerada fã, e sim a forma como esse consumo é realizado. Em seu trabalho sobre A identidade de fãs de quadrinhos: Entre a “vida civil” e a “vida nerd”, Tatiana de Laai (2016) explicita bem tal diferença ao expor que “um civil1 pode até ler e conhecer revistas em quadrinhos e ser fã de seriados, filmes e jogos considerados nerds, mas é a forma com que esses objetos são consumidos e experimentados que traz a distinção” (p. 51). Os fandoms2, como são chamados os grupos identitários baseados no consumo de um determinado produto midiático, possuem regras e valorizações próprias - são nos ambientes onde esses fãs interagem que os indivíduos passam a experimentar um novo espaço social com práticas sociais que podem ser distintas daquelas vividas cotidianamente pelo fã que pode, por exemplo, viver em um ambiente autoritário e controlador, mas dentro da comunidade de fãs, participa de práticas democráticas (OLIVEIRA, 2015). O que une um fandom é determinado gosto que esses fãs possuem em comum, como, por exemplo, um seriado de televisão, um estilo musical ou filme. Nesses espaços de interação, existe uma troca cultural não limitada ao que os uniu. Portanto, em um fandom de Star Wars, os assuntos discutidos não são necessariamente ligados à franquia, e outros produtos podem ser comentados ou indicados, entretanto, é de se esperar que esses outros produtos tenham alguma ligação para que os membros se identifiquem ainda mais. Nesse caso, em uma comunidade de Star Wars, podem surgir indicações ou debates de outros filmes de ficção científica. Todas essas trocas entre os membros, além de produção de capitais dentro do fandom, o que será abordado mais adiante, ajudam na criação da identidade desse 1. O termo “civil” é amplamente utilizado por produtores de conteúdos e fandoms nerds na internet brasileira para se referir ao público geral, ou seja, quem não é nerd se enquadra como civil. 2 O termo "fandom" é uma variação diminutiva da expressão em inglês "fan kingdom", que significa “reino dos fãs”, em uma tradução literal para o português..

(18) 18. grupo, algo que, segundo Bauman (2012, p. 46), "parece ser uma das necessidades humanas mais universais". Para Hills (2015), algumas discussões podem ser mais sobre autoidentidade do que sobre o real objeto do fã. Segundo Levy (2007), a internet possibilitou que as pessoas se encontrassem e somassem seus conhecimentos acerca de um determinado assunto. Para o autor, todo o saber está na humanidade e à soma desses saberes ele dá o nome de inteligência coletiva, que seria uma "inteligência distribuída por toda a parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em mobilização efetiva das competências" (p. 28-29). Henry Jenkins (2009, p. 56) complementa que essa cultura do conhecimento cria uma nova forma de comunidade que está substituindo os antigos laços - familiares ou definidos - por limites geográficos, por exemplo. Em seus estudos sobre conflitos em comunidades de fãs, Cecilia Lima (2016) ressalta que, em um primeiro momento, as relações conflituosas foram deixadas de lado para ressaltar o potencial criativo dessas comunidades em ressignificar e subverter o objeto da qual elas são fãs. Nesses primeiros estudos, imaginava-se que as comunidades de fãs eram grupos homogêneos e com unidade de discursos e onde as discordâncias poderiam existir, mas eram raras. O que se percebeu posteriormente é que nessas comunidades era possível "identificar processos de disputa contínua por domínio discursivo, não somente entre fãs e produtores, como também entre os próprios fãs" (LIMA, 2016, p. 57). Isso porque esses grupos, diferente do que se imaginava, são grupos formados por "indivíduos de procedência e formação extremamente heterogênea, de modo que as discordâncias surgem como um processo constitutivo da própria cultura de fãs" (idem ibidem). Nesse processo, é importante ressaltar a tecnologia que permitiu a pessoas tão diferentes se. agruparem em função de um produto cultural: a internet. A. importância da internet para o desenvolvimento da cultura fã não é só apontada por teóricos como Jenkins (2009), mas percebida pela própria comunidade como fundamental. Em pesquisa realizada entre fãs de Star Wars, membros do Conselho Jedi do Rio Grande do Sul, Silveira (2010) expõe que, ao serem questionados sobre o impacto da internet e tecnologias digitais na comunidade de fãs, todos os membros.

(19) 19. foram unânimes no reconhecimento de que a internet facilitou a interação entre os membros do conselho e também entre outros fãs ao redor do mundo. Outro ganho apontado foi que esse contato permitiu um aumento tanto de produções independentes, como fanfilmes e fanfics, quanto a distribuição desses materiais produzidos pela comunidade. Com o advento das mídias digitais e subsequente multiplicação dos pontos de acesso à informação, o consumo de objetos midiáticos passou a ser extremamente facilitado, de modo que ser fã passou a ser um aspecto integrante do cotidiano da maior parte das pessoas. Todos somos fãs de alguma coisa (...). Essa definição não está mais restrita a grupos que se reúnem em convenções e fanzines, e as práticas não se limitam a usar as roupas de seus personagens favoritos, disseminar notícias ou produzir fan fictions. A migração das comunidades de fãs para a internet fez surgir uma infindável quantidade de sites, fóruns, listas de discussão, entre outros ambientes voltados para a adoração, em vários graus, de objetos midiáticos (LIMA, 2016, p. 59).. Dizer que a internet foi importante para o desenvolvimento da cultura fã parece óbvio, mas em comunidades de fãs, que são construídas com base no consumo cultural de forma individualizada, a rede foi fundamental para aproximar esses sujeitos. Por mais que hoje existam diversas convenções e eventos voltados aos fãs de Star Wars, esses encontros não eram tão comuns no passado e esse fandom acabou por se fortalecer mesmo sem tais espaços para interações presenciais, diferentemente de outros fandoms que se agrupam com mais frequência, como fãs de música, por exemplo. Devemos entender a internet como um artefato da cultura material, já que é um lugar onde universos particulares são criados: temos diversos contextos culturais unidos por uma rede de dispositivos eletrônicos conectados entre si.. 1.2 O fã nerd Sob o estereótipo de jogadores de RPG, leitores de histórias em quadrinhos, aficionados por videogames e fãs de ficção científica, os fandoms nerds sempre existiram, mas foram excluídos por anos. O próprio termo nerd foi utilizado por muitos.

(20) 20. anos como uma forma de ofender os ‘garotos estranhos’ com hobbies como esses e que, em geral, não tinham muitas habilidades sociais, tanto que hoje foi criada uma variação do termo e é comum usar geek para identificar pessoas com gostos, antes, de nerds. Existe toda uma categorização de subgrupos nerds e para muitos pesquisadores, esse é um tema controverso, uma vez que, independentemente do subgrupo ao qual um indivíduo pertença, sua identificação primária é como nerd (YOKOTE, 2014). Entretanto, se faz necessário entender que essas subdivisões foram criadas por necessidades identitárias de cada um desses subgrupos,cada qual com suas particularidades. Yokote (2014) aponta que o pressuposto para essa classificação é a mesma utilizada para definir identidades nacionais. O autor aponta que em um sentido mais amplo, o uso do termo nerd deve ser usado em situações mais abrangentes, enquanto que, em situações mais específicas, o uso dessas subcategorias pode ser mais apropriado. O exemplo apresentado é o de um sujeito que mora no exterior e que precisa apenas dizer ser brasileiro para demarcar suas identidade - já dentro do país, faria mais sentido ele se apresentar como paulista, por exemplo. Como o nosso objeto de pesquisa não trabalha com tantos grupos, vamos nos ater a apenas três dos subgrupos nerds apresentados por Yokote (2014) e que, por representarem o público-alvo do jogo Star Wars Battlefront II, merecem uma certa atenção: geeks, gamers e fãs..

(21) 21. Figura 1: As diferenças entre nerds e geeks. A denominação geek é um dos termos mais comuns relacionados ao mundo nerd e seu uso se popularizou como sinônimo do nerd, principalmente nos EUA. Sua origem foi criada para denominar pessoas que tinham um interesse em tendências tecnológicas. Para Santos (2014), "a ascensão do termo geek é interessante por enfatizar o quesito tecnologia do estilo de vida nerd e por servir, em alguns contextos, para retirar a aura de rejeição dos nerds.". Essa mudança de narrativa é apontada pela autora como uma forma de fazer o nerd parecer 'descolado' e isso pode ser visto no infográfico (fig. 1) produzido pelo Visually3 e traduzido pela autora. Na imagem, fica clara a forma caricata como o nerd dos anos 1980 sempre foi retratado e como o. 3. Empresa especializada em criação de conteúdo gráfico..

(22) 22. geek seria uma evolução de arquétipo. Um ponto interessante é a associação do gosto por Star Wars ao geek, enquanto o nerd gosta de sci-fi e Star Trek. Já os gamers, outro subgrupo relacionado à pesquisa, é formado por indivíduos que se dedicam não apenas aos jogos eletrônicos, mas cardgames4, boardgames5 e RPGs. Assim como outros subgrupos, a característica fundamental dos gamers não é somente seu gosto pela atividade exercida, mas o grau de interesse no assunto, que muitas vezes extrapola o ato de simplesmente jogar. Grandes campeonatos de games ocorrem e chamam bastante a atenção dos fãs, atraindo espectadores que acompanham os jogos em grandes eventos (YOKOTE, 2014, p. 61).. O último subgrupo é o dos fãs, mas o que difere a classificação de Yokote das que já tratamos anteriormente, é a subdivisão em mais dois grupos. Para o autor, um grande grupo é o dos fandoms, e ele não aprofunda esse grupo mais do que a origem do nome ou alguns exemplos. O que é apresentado de novo, e ainda não abordado nesta dissertação, é o subgrupo dos fanboys e fangirls, termos utilizados de forma pejorativa, dependendo do contexto, mas que representam um grupo "caracterizado pelo fanatismo obsessivo a respeito de determinado assunto" (YOKOTE, 2014, p. 65). E se a conexão com os produtos culturais é o que diferencia um espectador de um fã, nesse grupo, podemos concluir que é uma conexão que vai além do aceitável. Fanboys são conhecidos por estabelecer uma concepção exacerbadamente romantizada do seu objeto de fanatismo [que pode ser uma série televisiva, uma franquia de jogos, uma marca de console etc.], o que faz com que deixem de estar dispostos a discuti-los se seus interlocutores não partilharem da mesma opinião. Por essa razão, muitas vezes fanboys não são vistos com bons olhos pela comunidade nerd em geral (idem ibidem).. Mais uma vez, o fandom demonstra ser um grupo heterogêneo e o conflito dentro da comunidade de fã aparece, dessa vez entre os fãs e aqueles que também são fãs, mas que possuem um vínculo ainda maior. Esse processo de conflito e 4. Jogos de cartas temáticos nos quais os jogadores montam seus baralhos combinando, estrategicamente, suas cartas com os seus objetivos e estilos de jogo. 5 Os boardgames, ou jogos de tabuleiro, têm se popularizado nos últimos anos e muitos dos novos jogos trazem temáticas de gosto nerd, como zumbis, Star Wars ou Game of Thrones..

(23) 23. categorização do outro, faz parte do processo de autoidentidade do nerd na busca de se diferenciar dos outros, mesmo que esses, aos olhos de quem está de fora, entendam que pertençam ao mesmo grupo, como define Tatiana Laai (2016, p. 218), Quando se trata de questões identitárias, os conflitos, as contradições, categorizações e disputas estão sempre presentes, em maior ou menor escala. Ao considerarmos esse aspecto relacional das identidades e das interações no fandom, é de se esperar a existência de muitos atritos e disputas na busca pela distinção.. Nessas disputas na nerdosfera, como a autora chama esse espaço de conflito, existe um processo do nerd se provar diferente dos novos fãs ou do público civil, isso porque gostar há mais tempo daquele produto cultural, é visto como diferencial dentro daquela comunidade. Mas o que mudou nesse público a ponto de que ele se orgulhe tanto de ser nerd antes de estar na moda? Para entender a virada de jogo que fez os fandoms nerds deixarem de ser o alvo de bullying6 para se tornarem referência em moda e consumo de produtos culturais, o jornalista estadunidense Garottoni (2007) explica que isso se deu pela importância conquistada pelos nerds para o modo de vida que temos hoje. Nos anos 80, passar à tarde na frente de um computador era motivo de chacota. Hoje, nossa vida é muito mais digital. É aí que entram os nerds, pois foram eles que encabeçaram essa revolução digital. Segundo, Feineman, são eles que consertam os computadores, recomendam softwares, aplicativos, tiram as dúvidas sobre o uso de todos os recursos do seu dispositivo e ainda ajudam a explicar os mistérios das suas séries prediletas (na época em que escreveu seu livro, o autor usou Lost7 como exemplo, mas nesses últimos anos, o melhor exemplo seria Game of Thrones 8 ou a própria franquia Star Wars, que multiplicou suas produções recentemente). Em seu artigo, De deslocado a descolado: os processos de construção e reconstrução do. 6. Prática de intimidação sistemática; quando há violência física ou psicológica em atos de humilhação ou discriminação. A classificação também inclui ataques físicos, insultos, ameaças, comentários e apelidos pejorativos, entre outros. 7 Série de ficção-científica produzida pela ABC Studios que foi exibida entre 2004 e 2010 pelo canal ABC. No Brasil, teve exibição pelos canais AXN, Sony e Rede Globo. 8 Série de fantasia produzida pela HBO, exibida pelo canal desde 2011 e com previsão de finalização em 2019..

(24) 24. estereótipo do nerd no cinema, Patrícia Matos dos Santos (2012) ressalta como a mídia contribuiu para o desenvolvimento de um novo olhar sobre o nerd. se antes estes jovens eram estereotipados negativamente, notadamente através do cinema e da TV, hoje a figura do nerd aparece, no discurso midiático, como símbolo de juventude ideal, profissional bem sucedido, consumidor astuto capaz de fazer as melhores escolhas e gênios da tecnologia tão necessários nos dias atuais. O que antes era fonte de problemas para crianças e adolescentes, passou a ser defendido também como estilo de vida por alguns jovens e pela mídia e deu origem a um nicho de mercado, com lojas especializadas e serviços voltados para este público (p. 14).. Quando temos, de um lado, um grupo que se constituiu com base no consumo midiático/cultural no formato de livros, jogos, histórias em quadrinhos, filmes, séries, etc., do outro, temos a indústria do entretenimento que oferece não apenas esses produtos culturais, mas todo um incentivo ao consumo de produtos temáticos. Isso pode parecer normal dentro da sociedade de consumo na qual vivemos, mas que, como poderemos ver nesta pesquisa, foi alvo de muitas críticas por parte dos fãs da franquia Star Wars. Não é possível inferir se os fãs de Star Wars possuem um engajamento maior ou menor que outros fandom, mas é possível, pelo histórico da relação consumidor/produtor, dizer que sempre houve uma preocupação dos executivos com essa troca. Jenkins (2009) apresenta como a marca criou canais entre ela e os fãs para manter os consumidores mais ativos e participativos. A infinidade de possibilidades de novas histórias no universo de George Lucas atraiu, desde os anos 70, uma série de fãs ansiosos para contribuir com a história. Até os dias de hoje, caso o produtor siga certas regras, é possível produzir fan films legais com os personagens, músicas originais, efeitos sonoros e visuais disponibilizados pela própria empresa. Os fãs se manifestam como artistas, escritores e cineastas e se apropriam de elementos da cultura comercial para criar uma nova forma de cultura popular. Os fãs desenvolvem seus próprios meios de produção, distribuição, exibição e consumo, para poderem dividir seus produtos com outros fãs (CURI, 2008, p. 4).. Para Jenkins (2009), George Lucas entendeu muito bem esses anseios dos fãs em querer participar de alguma forma de sua série. Criar um concurso oficial para.

(25) 25. avaliar as produções cinematográficas, renovou a confiança dos fãs no cineasta e ainda permitiu que ele controlasse o que os fãs estavam produzindo e circulando. Posteriormente, uma plataforma oficial foi criada para que os fãs pudessem compartilhar todo tipo de produção referente ao universo Star Wars. Ao criar uma plataforma própria, George Lucas buscava criar um ambiente no qual seus fãs pudessem interagir entre si e com a marca, criando um ambiente favorável, e oficial, para a associação de todos os que se identificavam com o mundo criado por ele. Mas esse seria apenas um local de agrupamento desses indivíduos, uma vez que o público nerd tem toda uma gama de produtos culturais para consumo e Star Wars é apenas um deles. O que não podemos perder de vista é quais grupos de fãs são associações definidas por interesses comuns e dentro de um espaço virtual que permita ao sujeito se associar e desassociar de diversos grupos conforme suas necessidades ou interesses: essas novas formas de comunidade são definidas por afiliações voluntárias, temporárias e táticas, e reafirmadas através de investimentos emocionais e empreendimentos intelectuais comuns. Os membros podem mudar de um grupo a outro, à medida que mudam seus interesses, e pode permanecer a mais de uma comunidade ao mesmo tempo. As comunidades entretanto, são mantidas por meio da produção mútua e troca recíproca de conhecimento (JENKINS, 2009, p. 56-57).. Essa dinâmica é potencializada quando essas relações são formadas no ambiente online, e essa diferença de comportamento do fã nesse contexto é apontada por Hills (2015, p. 154) como difícil de ser encontrada no comportamento offline9. Para o autor, no ambiente virtual, muitos membros buscam construir um capital cultural de fã, do qual falaremos mais adiante, e a criação de uma persona que molda o próprio espaço. Essa autopromoção, quase que performática, que ocorre nas interações virtuais, dificilmente seria vista em outros ambientes como convenções, por exemplo.. 9. Ao usar o termo offline, Hills (2015) se refere ao comportamento nas interações presenciais, que seriam, segundo o autor, realizadas presencialmente..

(26) 26. Na relação virtual entre os fãs, eles podem expor apenas o que querem, excluindo outros contextos de vida que dariam uma maior profundidade dessas pessoas, provavelmente deslocando-as do objeto do fã. Um fã de Star Wars na internet pode se mostrar muito mais imerso no universo da franquia do que na vida real. Um exemplo dentro do nosso objeto, é um usuário que utiliza o nickname10 e avatar11 do personagem Obi-Wan Kenobi para fazer um comentário destinado à produtora para que ele seja incluído no jogo. Dificilmente algum outro membro da comunidade acreditaria que o próprio personagem estaria na caixa de comentários do jogo solicitando sua presença, mas essa apropriação da persona foi bem aceita pelos outros fãs, a ponto de que as interações são tão volumosas que, segundo o YouTube, este é o comentário mais relevante do vídeo.. Figura 2: Comentário do usuário Obi-Wan Kenobi12. Em estudos de etnografia virtual realizados por Gomes (2007), a pesquisadora aponta que esse comportamento é comum dentro das comunidades. A opção de alguns usuários em utilizar avatares relacionados ao objeto do qual são fãs é uma das formas de intervenção visual para demonstrar ao fandom que o usuário se apropriou da série ou do personagem para fazer as interações naquele meio. Muitas vezes, essas interações na busca por autoidentidade e projeção nesses ambientes, podem superar os debates sobre o real objeto do fã, ou seja, é possível que, em algum momento, os fãs de uma série parem de debater a série em si e comecem a investir seus esforços em uma discussão sobre quem é mais fã e por qual motivo. Esse movimento por uma identidade vai ao encontro do que Bauman (2012, p.44) aponta como esforço de participação e reivindicação de pertencimento do. 10. Nickname, ou nick, é como são chamados os apelidos utilizados na internet. A diferença do nickname utilizado em ambientes virtuais para um apelido comum é que, no geral, esses nicks são escolhidos pelos próprios usuários. 11 Imagem (ou cibercorpo) criada para dar corporalidade ao usuário em ambientes virtuais. 12 Disponível em: <https://youtu.be/Uvmx94cUVEY>. Acesso em 13 fev. 2019.

(27) 27. grupo. Para ele, o sentimento de pertencimento só existe caso ele não seja natural, por isso o esforço é necessário. É interessante ressaltar que na sociedade atual na qual vivemos, um sujeito não se limita a apenas uma identidade e isso é normal. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um "eu" coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é porque apenas construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos (HALL, 2006, p. 13).. E se existe disputa nesses ambientes, inevitavelmente algumas dessas interações não seriam amistosas. Em seus estudos sobre cultura fã, Bruno Campanella (2012) apresenta essa realidade como um contraponto às ideias de Henry Jenkins e Pierre Lévy sobre como são as relações dentro dessas comunidades de fãs. Bruno expõe como o fãs blogueiros do programa Big Brother Brasil 13 disputam saberes na tentativa de se sobrepor aos outros, e como esse comportamento não é exclusivo dos fãs do programa de TV em questão. Para isso, ele cita o fenômeno estudado por Sarah Thorton que explorou as hierarquias dentro da (sub)cultura dos frequentadores de raves na Grã-Bretanha. Entretanto, antes de entrar na definição de capital subcultural, devemos compreender com mais profundidade os conceitos de capital cultural e capital social, pois ambos serão fundamentais para entendermos a base dos estudos de Thornton (2003) e, posteriormente, como se dão as relações entre os fãs dentro de uma comunidade.. 13. Programa de televisão, do gênero Reality Show, no qual competidores ficam confinados em uma casa cenográfica, sendo vigiados por câmeras 24 horas por dia, não podendo se comunicar com seus parentes e amigos, ler jornais ou usar de qualquer outro meio para obter informações externas..

(28) 28. 1.3 Os capitais econômicos, culturais e sociais Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu, a posição do indivíduo em uma classe social está baseada na sua relação com três tipos diferentes de capital: econômico, cultural e social. Em uma leitura desse conceito, feita por Alicia Bonamino et al. (2010), o capital econômico pode se ser encontrado de duas formas diferentes: fatores de produção (terras, fábricas, trabalho) e do conjunto de bens econômicos (dinheiro, patrimônio, bens materiais), é acumulado, reproduzido e ampliado por meio de estratégias específicas de investimento econômico e de outras relacionadas a investimentos culturais e à obtenção ou manutenção de relações sociais que podem possibilitar o estabelecimento de vínculos economicamente úteis a curto e longo prazo (p. 488).. O capital econômico em si não representa um diferencial dentro de uma comunidade de fãs. Ter mais recursos não é um diferencial no conflito de saberes ou de espaços dentro de um fandom. Entretanto, dentro desse ambiente, tal capital econômico é uma das bases para o acúmulo de outro capital explorado por Bourdieu: o capital cultural. O capital cultural está baseado nos conhecimentos acumulados e gostos desenvolvidos pelo sujeito ao longo da vida. Em outras palavras, consiste em ativos como educação, conhecimentos, estilo de vida e outros elementos adquiridos que podem ser usados pelo possuidor para obtenção de lucro ou vantagens (BOURDIEU, 2007, p. 17-19). Esse capital estaria disposto em três estados diferentes: institucionalizado, incorporado e objetificado. O capital cultural institucionalizado é aquele expresso por meio de titulações acadêmicas. É o que Bourdieu (2007, p.78) chama de objetificação do capital cultural sob a forma do diploma que confere valores convencionais, constantes e jurídicos de que o indivíduo possui uma competência cultural. "Contudo, se o agente possuir apenas a certificação, isto é, apenas o diploma, sem a incorporação de sua essência, leia-se: conhecimento, informações, diferentes saberes culturais legitimados, etc. não se beneficiará do brilho que sua certificação lhe anuncia" (SCARLATTO; SILVA, 2001)..

(29) 29. Essa incorporação citada acima é mais um dos estados propostos. O capital cultural incorporado seria a assimilação da cultura pelo indivíduo. O acúmulo desse capital depende de um esforço individual e, como definido pelo próprio Bourdieu (2007, p. 74-75): A maior parte das propriedades do capital cultural pode inferir-se do fato de que, em seu estado fundamental, está ligado ao corpo e pressupõe sua incorporação. Acumulação de capital cultural exige uma incorporação que, enquanto pressupõe um trabalho de inculcação e de assimilação, custa tempo que deve ser investido pessoalmente pelo investidor (tal como o bronzeamento, essa incorporação não pode efetuar-se por procuração). Sendo Pessoal, o trabalho de aquisição é um trabalho do “sujeito“ sobre si mesmo (falasse em “cultivar-se“). O capital cultural é um ter que se tornou ser uma propriedade que se faz corpo e tornou-se parte integrada da "pessoa", um habitus.. O capital cultural incorporado representa o quanto o sujeito consegue aprender com o último estado: o do capital cultural objetivado. Este é a representação dos bens culturais materiais como livros, quadros, discos etc. (BOURDIEU, 2007, p. 77). Este último estado está diretamente ligado ao capital econômico, pois é ele que permite acesso a tais bens. Entretanto, a incorporação ainda depende do sujeito, que, caso não tenha o entendimento desses itens como valores culturais, podem ser vistos apenas como capital econômico. Um fã de Star Wars que possui uma ampla coleção de livros e histórias em quadrinhos da franquia, apresenta tanto um acúmulo de ativo econômico (pelo valor financeiro da coleção) quanto cultural objetivado, mas esse segundo só será visto assim caso haja uma incorporação ou, nas palavras do próprio sociólogo: os bens culturais podem ser objeto de uma apropriação material, que pressupõe o capital econômico, e de uma apropriação simbólica, que pressupõe o capital cultural. Por conseqüência, o proprietário dos instrumentos de produção deve encontrar meios para se apropriar ou do capital incorporado que é a condição da apropriação específica, ou dos serviços dos detentores desse capital. Para possuir máquinas, basta ter capital econômico; para se apropriar delas e utilizá-Ias de acordo com sua destinação específica (definida pelo capital científico e tecnológico que se encontra incorporado nelas), é preciso dispor, pessoalmente ou por procuração, de capital incorporado (BOURDIEU, 2007, p. 77)..

(30) 30. Ao trabalhar com cultura fã, e precisamente pensando na cultura dos fãs de Star Wars, é inevitável dar atenção especial para esse capital cultural. Esse grupo, assim como muitos outros, expressa sua cultura fã pelo consumo, mas acima de tudo, possui um grande apreço pelo colecionismo, logo, o capital cultural objetivado é de grande valor para essa comunidade. Uma vez que existe uma grande demanda por colecionáveis, não é de se estranhar que a produção desses bens seja feita em larga escala pela indústria do entretenimento. Santos (2014) chama a atenção para o fato de que produtos produzidos em massa tenham tanta importância na construção de sentidos e narrativas individuais. Para a pesquisadora, o universo dos colecionáveis é um exemplo desse processo de mercantilização do singular e singularização do mercantil, já que se apoia muitas vezes em itens raros (ou ao menos que conseguem apelar para algum tipo de singularidade, como as famosas “edições de colecionador”) mas que, paradoxalmente, são produzidos em série (SANTOS, 2014, p. 61).. E o que torna determinado item especial para os fãs? Para a autora, esse é um processo que se dá pela própria comunidade, que valoriza determinados artigos em detrimentos de outros. A essa característica da cultura nerd ela dá o nome de "cultura de consumo curatorial". E é quando essa comunidade enxerga valor nesse tipo de elementos, que podemos começar a entender como funciona o capital social dentro desses grupos. Capital social é um elemento estudado por muitos autores para descrever os indicativos de conexões entre indivíduos de uma mesma rede social, mas não existe uma unanimidade entre eles sobre o conceito. Um estudo de Raquel Recuero (2009) apresenta as principais diferenças entre os principais teóricos do assunto: Robert Putnan, Pierre Bourdieu e James Coleman. Recuero (2009, p. 45) parte do referencial de Putnan para defender que o capital social se refere à conexão entre indivíduos, incluindo as redes sociais e as normas de reciprocidade e confiança que emergem delas. Para o cientista político estadunidense, o capital social se assemelha à ideia de uma virtude moral e cívica.

(31) 31. fortalecida por meio de relações recíprocas, uma ideia que leva em conta os aspectos individuais e coletivos para a construção do valor social. Para o autor, o capital social é envolvido por três elementos. Em primeiro lugar, vem a obrigação moral e as normas que representam o estabelecimento de regras (quase sempre implícitas), e que estabelecem a confiança e trocas sociais, algo importante para que os indivíduos estejam mais abertos aos outros membros e suas ações. Em seguida, vem a confiança que se baseia na crença da reciprocidade e "decorre de escolhas no nível interpessoal, nas interações que geram, aos poucos, reciprocidade e confiança" (RECUERO, 2009, p. 45). São escolhas individuais dos sujeitos que, ao interagirem, geram reciprocidade e confiança que vão ganhando escala até atingir toda a comunidade, gerando assim uma sociedade saudável. Por último, estão as redes sociais que representam as associações voluntárias que estimulam a cooperação entre os indivíduos. O que é importante entender da visão de Putnam sobre o capital social, é que ele o vê como um elemento fundamental para a constituição e o desenvolvimento das comunidades (RECUERO, 2009, p. 46). Em contraponto ao conceito harmonioso apontado por Putnan, Pierre Bourdieu defende que o Capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis (BOURDIEU, 2007, p. 67).. Essa visão das relações baseada no conflito e poder é reflexo de um viés mais marxista do autor que tem o conceito de capital social profundamente ligado aos ideais de disputa de classes (RECUERO, 2009, p. 47). Dessa forma, o conceito de capital social está baseado em dois componentes importantes: os recursos que fazem com. que. esses. indivíduos. pertençam. a. determinados. grupos. e. o. conhecimento/reconhecimento desses membros. Para Bourdieu (2007, p. 67), "os.

(32) 32. lucros14 que o pertencimento a um grupo proporciona estão na base da solidariedade que os torna possíveis". É importante entender que, ao usar o termo lucro, o autor se refere tanto aos "lucros materiais como a todas as espécies de 'serviços' assegurados por essas relações úteis, e lucros simbólicos, tais como aqueles que estão associados à participação num grupo raro e prestigioso" (2007, p. 68). Como as redes sociais não são organizações naturais, precisando de um esforço de seus membros para serem construídas, esse lucro seria o retorno desse investimento. Em síntese, Bourdieu defende que o capital social está diretamente relacionado aos interesses pessoais do indivíduo, uma vez que esse capital irá prover relações sociais necessárias para permitir que ele tenha determinadas vantagens. Já a última definição apresentada por Recuero (2009) é a de Coleman, que tem uma visão mais estruturalista de capital social, uma vez que, para ele, esse capital não está nos atores, mas sim em seus relacionamentos. Em linhas gerais, as principais diferenças entre os conceitos apresentados pelos três autores é que, para Putnan, o capital social percebido pelos indivíduos pode ser possuído por indivíduos ou grupos, diferente das visões de Bourdieu e Coleman que tira o capital social dos indivíduos e o coloca nas relações. Isso significa que esses indivíduos não podem possuir o capital social, mas ainda podem percebê-lo, transformá-lo e operacionalizá-lo em outras formas de capital (RECUERO, 2009, p. 49). Em uma visão mais voltada ao objeto desta pesquisa, o ideal de capital social defendido por Bourdieu é o que melhor representa os relacionamentos dentro de uma comunidade de fãs, e quando cruzamos as trocas de todos esses capitais em uma comunidade de fãs, podemos compreender melhor como as trocas se dão nesse ambiente. Nesse caso, não há como não dar um valor maior ao capital cultural, que muitas vezes será a moeda de troca para alcançar capital social. Isso porque não é apenas a adesão que garante o título de nerd, exige um acúmulo de capital cultural, o capital nérdico, que implica não só o gasto material com os quadrinhos, as coleções, os livros, os objetos e a participação em 14. Para Bourdieu (2007, p.68), os lucros proporcionados pelo pertencimento podem ser de dois tipos: materiais (representados pelos "serviços" garantidos pelas relações) ou simbólicos (associados à participação em grupos de prestígio)..

(33) 33. convenções, mas também no esforço de rastrear as referências intertextuais e transmidiáticas desses bens culturais. Ao mesmo tempo, existe uma trajetória, mudanças de posição social pela qual eles atravessam – ser visto de modo negativo ou infantil, o enobrecimento do hobby, profissionalização – que garantem a constituição da reputação nerd, quando ele se torna um ponto forte, uma referência entre os pares (MATOS, 2014, p. 219).. E esse capital cultural valorizado na comunidade específica (ou os pares, como na citação acima) é o que Sarah Thornton (2003) chama de capital subcultural. Em seu estudo, acabou por desenvolver a ideia do capital subcultural, que se distingue do capital cultural por se tratar de um aprofundamento naquele tema específico demonstrado de forma natural por aquele que quer se destacar. Não é apenas demonstrar o conhecimento, mas incorporar os elementos na vida cotidiana e que acaba sendo percebido como elemento de status apenas por aqueles que também estão inteirados naquela cultura em questão. O capital subcultural confere status ao seu proprietário, aos olhos do observador relevante. (...) Assim como o capital cultural é personificado em boas maneiras e conversas urbanas, o capital subcultural é incorporado na forma de estar "no conhecimento", usando (mas não abusando) da gíria certa e parecendo que você nasceu para executar os mais novos estilos de dança (THORNTON, 2003, p. 27, tradução nossa)15.. Vale ressaltar que a pesquisa que acabou por gerar a sua definição de subcultura, investigava as relações entre jovens frequentadores de raves no Reino Unido, focando nas hierarquias e disputas presentes dentro dessa subcultura. Por isso, em seus exemplos, um corte de cabelo ou coleção de discos apresentam diferenciais dentro desse grupo que é unido por um estilo musical e tem a peculiaridade de usar cortes de cabelo extravagantes e, apesar de estudar uma cultura que não é conhecida por ser muito discreta, ela ressalta que esse capital cultural deve ser exibido de forma natural, para que não pareça forçado.. 15. No original: Subcultural capital confers status on its owner in the eyes of the relevant beholder. (...) Just as cultural capital is personified in ‘good’ manners and urbane conversation, so subcultural capital is embodied in the form of being ‘in the know’, using (but not over-using) current slang and looking as if you were born to perform the latest dance styles..

(34) 34. Fazendo um paralelo com o nosso objeto, um fã de Star Wars pode expor sua tatuagem, publicar fotos da sua coleção de bonecos ou usar uma camiseta da franquia para ir trabalhar, mas sair de casa em um dia normal, fantasiado, como aconteceu em São Paulo em 201016, não soa comum nem mesmo para os maiores fãs da série. Isso vai ao encontro do que já foi dito anteriormente: esses elementos devem estar ali porque fazem parte da vida cotidiana do indivíduo e não porque ele quer se exibir, ou, nas palavras de Thorton: "Nada esgota o capital mais do que ver alguém tentando demais" (2003, p. 27, tradução nossa)17. Para a autora, amparada nos conceitos de Bourdieu vistos anteriormente, os sujeitos utilizam os conhecimentos e informações acumuladas sobre um determinado assunto para desenvolver um estilo que lhe conceda status dentro de um grupo que valoriza esse mesmo tema, o que lhe concederia um acúmulo de capital simbólico para que fosse trocado por admiração e respeito entre os membros. A autora defende que essas disputas acabam ficando restritas aos conflitos entre os próprios membros, pois, em sua visão (2003), essa perspectiva de capital subcultural busca investigar as micro-estruturas de poder oriundas dos debates sobre objetos culturais, e não um questionamento sobre dominações culturais ou disputas de classe dentro dessa estrutura.. 16. O fato ocorreu em uma sexta-feira de novembro de 2010, na linha 9-Esmeralda da CPTM. Como não havia nenhum evento temático no dia, o acontecimento foi pauta dos portais de notícia na época. Para saber mais, acesse: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2010/09/passageiro-vestido-comosoldado-da-serie-star-wars-pega-trem-em-sp.html 17 No original: Nothing depletes capital more than the sight of someone trying too hard.

(35) 35. 2. CONSUMO, IDENTIDADE E A QUESTÃO DA CRÍTICA. O objetivo deste trabalho é analisar como se dá o consumo crítico das mídias e se esse senso crítico é extrapolado para uma reflexão sobre consumo, não só de bens culturais, como do consumo de bens e serviços. O que tornam os estudos de crítica desses elementos tão relevantes para esta pesquisa, é o fato de que as análises serão de comentários críticos feitos em uma plataforma de mídia, o YouTube, no caso, e, sobretudo, pelo fato dessa plataforma de mídia ser usada para divulgação do lançamento de um jogo eletrônico. Ao estudar as reações a um produto midiático (propaganda) e que remete a um bem de consumo - que na verdade é outro produto cultural (jogo) - faz desse referencial teórico um ponto importante no entendimento da relação dos usuários com essas mídias. A forma como esse consumo de mídia está atrelado à nossa sociedade, foi abordada por Roger Silverstone (2002, p.150) quando apontou que “consumimos a mídia. Consumimos pela mídia. Aprendemos como e o que consumir pela mídia. Somos persuadidos a consumir pela mídia. A mídia, não é exagero dizer, nos consome”. O que Silverstone apontou, é que a mídia desempenha um papel central na relação entre produtores e consumidores. Se observarmos como a internet se modelou de forma a valorizar a participação dos usuários, podemos identificar todos esses processos levantados pelo autor em cada ambiente de interação virtual. A área de comentários do YouTube é conhecida pelos produtores de conteúdo por agrupar usuários que apresentam um comportamento intitulado no meio como tóxico18 (MOTA, 2016). Essa percepção de que os comentários negativos são maioria, vai ao encontro do que José Luiz Braga (2009) aponta como um reflexo das interações críticas que tendem a se destacar em mídias capazes de possibilitar a interação com o consumidor. Portanto, não devemos confundir o comentarista tóxico com o crítico: o primeiro busca apenas tornar o ambiente ruim para os outros usuários, já o segundo representa uma forma da sociedade de expor seu consumo dos produtos, mas que. 18. Em um artigo publicado por Carvalho et al (2015), os autores apresentam o conceito de que os usuários tóxicos são nomeados desta maneira por agirem de uma forma nociva nos meios digitais dos quais participam, prejudicando os outros por meio de um comportamento agressivo..

(36) 36. esse consumo é acompanhado de uma reflexão e, consequentemente, uma exposição do ponto de vista gerado a partir disso. Nesse processo, o consumidor crítico desempenha o papel de produtor do seu próprio conteúdo, abrindo espaço para quê, tanto os produtores do conteúdo original quanto outros consumidores, possam ter acesso a novos sentidos, questões que gerem mais dúvidas ou esclarecimentos (SILVA; BITTENCOURT, 2015). Quando um usuário decide não apenas consumir um conteúdo, mas comentar sobre ele, esse consumidor de mídia está abrindo um canal para uma interação social e essa interação tem algumas especificidades. Silva e Bitencourt (2015, p. 28) se valem dos estudos de Braga para apontar como as críticas produzidas pela sociedade - as interações críticas - completam o ciclo comunicacional. Em primeiro lugar, temos a produção de conteúdo, seguida do sistema de recepção e, por último, "haveria o sistema de resposta social – ou, ainda, sistema de interação sobre a mídia. Este, ao lado da produção e da recepção, completaria o ciclo comunicacional". Essa relação da sociedade com os produtos midiáticos são produtivas "porque a sociedade, ao se relacionar com os produtos que assiste, lê e ouve, produziria novos significados sobre os conteúdos, muitas vezes, publicando suas opiniões, divergências e colocações na própria mídia" (idem ibidem). As autoras apontam que diversas áreas da comunicação pesquisam sobre as interpretações dos públicos em relação ao consumo de mídia e que Martín-Barbero propõe enquadrar os estudos de interação como uma forma de recepção, uma vez que buscamos entender como esses conteúdos interferem nos processos de trocas sociais. Neste ponto, se faz necessário nos apropriarmos do mapa de mediações apresentado no prefácio da quinta edição da obra do autor, Dos meios às mediações. O mapa desenvolvido busca apresentar uma visão que tira da tecnologia o papel de grande mediadora entre as pessoas e o mundo para reconhecer que esse é um papel exercido pelos meios de comunicação, pois esses "constituem hoje espaços-chave de condensação e intersecção de múltiplas redes de poder e de produção cultural" (MARTIN-BARBERO, 2001, p. 20). Para esta pesquisa, focaremos nas quatro mediações propostas pelo autor: institucionalidade, tecnicidade, ritualidade e sociabilidade ou socialidade..

(37) 37. Figura 3: Mapa das mediações. (MARTIN-BARBERO, 2001, p. 16). No esquema proposto, as relações entre as Matrizes Culturais e as Lógicas de Produção são mediadas pela institucionalidade. Podemos definir essa mediação como sendo uma força que busca dar estabilidade e utiliza a comunicação como um meio para a produção de discursos públicos hegemônicos. Embora o autor utilize o Estado para definir essa força dentro do nosso objeto, podemos entender que ela é representada pela empresa produtora do jogo, a EA Games. A tecnicidade é a mediação que está entre as Lógicas de Produção e os Formatos Industriais. Ela se refere à construção de novas práticas realizadas por meio das diferentes linguagens midiáticas. Ronsini (2010) descreve que "pensar em termos de tecnicidade significa um esforço em compreender a complexidade dos discursos (...). Além disso, a tecnicidade aponta para os modos como a tecnologia vai moldar a cultura e as práticas sociais" (p. 9). Ao serem moldadas pelo uso da tecnologia, essas práticas também foram abordadas por Bauman (2008) ao relatar que levar uma vida social eletronicamente mediada não era mais uma opção para um determinado grupo19 que já havia incorporado essas práticas ao seu cotidiano. Esse exemplo. 19. Bauman (2008, p. 8-9) se refere aos jovens da Coreia do Sul, país que, segundo ele, já tinha a vida social transformada pela rede e que priorizava as relações virtuais no lugar das interações face a face..

Referências

Documentos relacionados

Enfatizar as brincadeiras, jogos, músicas, teatros e ações semelhantes, são fontes riquíssimas de “arrancar” da criança em sala de aula, pequenas expressões do tipo:

A EasyWorker master é o modelo ideal para a sua iniciação na área CNC, mas também para a realização de trabalhos que não precisam de áreas de trabalho grandes, como por

Veja o significado de alguns prefixos de uso comum em nossa língua. O hífen colocado depois de prefixo indica que ele sempre vai aparecer junto com um radical, nunca sozinho como

Se considerarmos para facili- tar a conta que 300 dessas árvores tem mais de 10 metros, serão menos 432 mil árvores a cada dia, ou seja menos 129 milhões de litros de água

Tópicos: A sociedade assume, ipso jure, com o registo, os direitos e obrigações resultantes da exploração normal de um estabelecimento que constitua objecto de uma entrada em

Para isso faço um recorte de alguns resultados encontrados na investigação dos modos como às imagens de referência impactam e produzem os/as estudantes, e os modos como

Fernando Elísio Leboucher Freire de Andrade.. CONVENÇÃO DE AUXÍLIO JUDICIÁRIO EM MATÉRIA PENAL ENTRE OS ESTADOS MEMBROS DA COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA Os Estados

[r]