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2. Caracterização do IALA Amazônico

2.3 O contexto de elaboração da assertiva "O IALA Amazônico como espaço em construção permanente"

A afirmação "o IALA Amazônico é um espaço em construção permanente" surgiu em um contexto de reflexão e elaboração sobre o que seria a proposta do Instituto. Ela é uma síntese das discussões e do processo de elaboração experimentado principalmente pela primeira turma do Curso de Especialização Residência Agrária, mas para compreendê-la é importante buscar em sua origem o que ela nega conforme comenta o educador da Unifesspa, Osvaldão.

A criação de uma rede de Institutos de Agroecologia na América Latina é resultado de vários debates no âmbito dos movimentos sociais que compõe a Via Campesina. Tendo em vista que, de modo geral, na América Latina os camponeses e as camponesas estão excluídas das instituições de ensino de nível superior, os IALAs se constituiriam em Universidades Camponesas (MARTINS, 2014).

A princípio o IALA Amazônico seguiria essa mesma lógica e para viabilizar a estrutura física elaborou-se um projeto que foi submetido ao Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES). Este projeto previa a construção de prédios de salas de aula, alojamentos, auditório, refeitório, além de estruturas produtivas de experimentação agropecuária (SILVA, 2014), isto é, um projeto nos moldes das faculdades de Agronomia e Escolas Agrotécnicas.

Em 2011, quando a primeira turma do Curso de Especialização Residência Agrária, que foi chamada de turma "Índia Tuíra15", iniciou suas atividades havia apenas algumas definições gerais sobre o que deveria ser o IALA Amazônico; o projeto do BNDES e a incipiente estrutura física herdada da experiência do Núcleo "Filhos da Terra". Essa primeira turma era composta por militantes de movimentos sociais que compõe a Via Campesina, majoritariamente do MST, e contou com a participação de três militantes de

15 Em 1989, numa audiência pública para discutir a construção da Usina Hidroelétrica que atualmente recebe o

nome de Belo Monte, a índia Tuíra encostou a lâmina do facão no rosto de José Muniz Lopes, então presidente da Eletronorte, e falou na sua língua sobre os problemas que o progresso traz para o seu povo. Desde então a Índia Tuíra é símbolo de coragem e resistência.

outros países da América Latina. Este contexto permitiu a participação decisiva da turma nas reflexões sobre o que deveria ser o IALA Amazônico, buscando coerência entre sua proposta pedagógica, fundamentada nos princípios da Educação do Campo e Agroecologia, e a construção da infraestrutura (SILVA, 2014).

Nesse processo de discussão e reflexão esta primeira turma juntamente com a CPP do curso foram questionando a necessidade de uma Universidade Camponesa na região, na medida em que o movimento de Educação do Campo havia se consolidado, por meio de várias iniciativas, entre elas, as que foram realizadas em parceria com a UFPA, Campus de Marabá, atualmente Unifesspa, com recursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) ou mesmo cursos com recursos próprios da Unifesspa. Estas iniciativas possibilitaram acesso e formação aos camponeses e às camponesas.

Por um lado, transformar o IALA Amazônico em uma Universidade Camponesa institucionalizada, a exemplo do IALA Paulo Freire na Venezuela, poderia solucionar o problema de recursos financeiros utilizados necessários para o funcionamento do Instituto, porque a falta de recursos pode se tornar fator limitante. Por outro lado, poderia resultar no cerceamento da participação dos movimentos sociais na elaboração dos percursos formativos e coordenação do Instituto.

Outra questão problematizada era o acesso das camponesas e dos camponeses ao conhecimento acumulado pela Ciência. Este conhecimento que parece estar pronto e acabado, não propicia o protagonismo das camponesas e dos camponeses na sua construção e também pouco contribui no enfrentamento dos seus problemas. Segundo Osvaldão "politizar a própria ideia do que é conhecimento, de que conhecimento não é neutro, o conhecimento para um projeto camponês não necessariamente está nos cânones da Universidade".

A concepção do campo experimental, elaborada no projeto enviado ao BNDES, também foi ponto de discussão. Uma vez que ela trazia marcadamente uma ideia de modelo a ser difundido pela extensão, resultando numa relação verticalizada e de transmissão de conhecimento, o que é muito diferente de uma relação dialógica. A ideia de modelo também está imbuída do conceito de algo que está pronto e acabado, algo ideal, que deve ser copiado, dessa maneira "[...] a ideia da construção permanente também criticava essa ideia que o IALA não estava ali para ser um modelo, porque a Agroecologia não se constrói num modelo único." (OSVALDÃO, entrevista no apêndice).

Paralelamente as essas discussões também surgiram questões relativas à necessidade de melhorar as condições das estruturas herdadas. A definição das ações práticas

que seriam realizadas pela turma tais como reestruturação do sistema de abastecimento de água e construção de cisterna asséptica, passou pelo debate sobre a Agroecologia e se aproximou da Permacultura, que traz ideias de desenhos de arranjos que potencializem a utilização dos recursos naturais e humanos; estas ideias inicialmente não estavam previstas na proposta. Este exercício, além de responder a questões práticas que estavam sendo postas pela realidade concreta, também enriqueceu os processos de aprendizado e foi incorporado ao percurso formativo, explicitando o caráter educativo do trabalho manual.

Segundo Michelotti (apud SILVA, 2014, p. 17):

Foi se constituindo uma leitura, pelo menos entre a turma, os professores mais envolvidos e a CPP de que o importante não era ter uma estrutura rígida, era que a própria construção do espaço fosse um processo de aprendizado permanente. Inclusive por que, ao assumir o protagonismo da construção, a leitura do espaço e a experimentação, a prática agroecológica poderia se fortalecer muito mais, do que pegar um financiamento, contratar uma empresa, virem uns arquitetos e dizer o que é para fazer. Uma empresa construir e entregar pronto.

A partir desse processo de reflexão sobre o que o IALA Amazônico quer afirmar e o que ele quer negar, foi construindo sua identidade de "espaço em construção permanente". Esta síntese, também parece representar o próprio processo que a primeira turma do Curso de Especialização Residência Agrária vivenciou de constantes debates, questionamentos, desconstruções e afirmações. Por isso, essa frase foi escolhida para ser impressa na camiseta da turma Índia Tuíra.