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A participação é um elemento que está presente tanto nos movimentos sociais como na discussão sobre Agroecologia e Educação do Campo. Nos movimentos sociais e na Educação do Campo que almejam democratizar a sociedade, a participação configura-se como meio e fim, porque os movimentos sociais necessitam da participação das pessoas para tornar a sociedade mais democrática e participativa (DEMO, 1988). Para o desenvolvimento da Agroecologia, a participação contribui para o desenvolvimento da visão holística, que nasce do encontro e diálogo de diversas áreas do conhecimento científico e do conhecimento tradicional popular. No contexto da educação, a participação também tem uma função pedagógica, porque na medida em que as atividades pedagógicas propostas envolvem os sujeitos, propiciando sua participação, o processo de aprendizado torna-se mais efetivo. Além disso, a participação é importante para se aprender a participar, segundo Paulo Freire (1967, p.92), “Na verdade, se há saber que só se incorpora ao homem experimentalmente, existencialmente, este é o saber democrático”.

Nos seus estudos Pateman (1992, p.30) afirma que para Rousseau e John Stuart Mill o papel da participação é

bem mais abrangentes e é fundamental para o estabelecimento e manutenção do Estado democrático. Estado esse considerado não apenas como um conjunto de instituições representativas nacionais, mas como aquilo que denominei de sociedade participativa (...).

Pateman (1992, p. 35) considera Rousseau "o teórico por excelência da participação". Segundo Pateman (1992) para Rousseau a participação direta de todos os indivíduos no processo de discussão e decisão política é elemento central da democracia. Dessa forma, uma sociedade que se organiza de modo a garantir que todas as pessoas possam influenciar e decidir sobre os rumos dela, é uma sociedade democrática, pois todas as pessoas tem igual poder de decisão. Para tanto, é fundamental que haja independência econômica entre as pessoas, de tal modo que as pessoas tenham autonomia para decidir segundo o seu interesse e não sejam obrigadas a vender seu voto em favor de interesses alheios. A sociedade idealizada por Rousseau, segundo Pateman (1992) não era uma sociedade sem diferenças sociais, mas que essas diferenças não conduzissem a desigualdade política, uma sociedade em que "nenhum cidadão fosse rico o bastante para comprar o outro e em que nenhum fosse tão pobre que tivesse que se vender" (Rousseau, apud PATEMAN, 1992, p. 36)

Segundo Pateman (1992), Rousseau defendia que todas as pessoas deveriam possuir alguma propriedade, que lhes garantiria segurança e autonomia. Porém, também defendia que a noção de interdependência entre as pessoas promoveria independência e igualdade. "Este argumento não é tão paradoxal quanto parece, porque a situação participativa é tal que cada cidadão seria impotente para realizar qualquer coisa sem a cooperação de todos os outros, ou da maioria." (PATEMAN, 1970, p. 36) Dessa forma, os indivíduos deveriam pensar no bem comum pois a relação entre o seu bem estava diretamente relacionado as outras pessoas da comunidade, "ou seja, haveria uma dependência igual por parte de cada indivíduo em relação a todos os outros, vistos coletivamente como o soberano, e a participação independente constitui o mecanismo pelo qual essa interação é reforçada." (PATEMAN, 1992, p. 36).

A Vontade Geral, que é a expressão da vontade de todos os indivíduos, irá limitar as vontades individuais (Juceley Freire, 2011) e somente a Vontade Geral poderá guiar as forças do Estado na direção do bem comum (Rousseau, 2001, p. 36). Como o bem comum é o que justifica e fortalece os laços sociais, ele deve ser conservado, isto significa que o bem comum está acima dos interesses particulares. No trecho que segue, Rousseau discute a

relação do direito coletivo e o direito particular, reforçando a importância do bem comum para a manutenção dos laços sociais e da soberania

Pode também acontecer que os homens comecem a unir-se antes de nada possuírem, e que, apropriando-se em seguida de um terreno suficiente para todos, o desfrutem em comum ou o dividam entre si, seja em iguais porções, seja segundo as proporções estabelecidas pela soberania. De qualquer modo que se faça tal aquisição, o direito de cada particular sobre sua parte do solo está sempre subordinado ao direito da comunidade sobre o todo, sem o que não haveria solidez no laço social nem força real no exercício da soberania.

A Vontade Geral do corpo do povo não pode ser transferida, ela é inalienável (Rousseau, 2001, p. 38), em outras palavras só o conjunto de indivíduos que compõe o povo pode dizer qual é a sua vontade, nenhuma pessoa sozinha pode ser porta-voz da vontade do povo. Para Rousseau, segundo Pateman (1992), a vontade do povo, discutida em assembleia, é soberana, dessa forma, não existem pessoas com a função de representar o povo.

Porém, para os teóricos que defendiam a democracia baseada na escolha de representantes, como Benthan36, a representação é tema central e "em seus últimos escritos, nos quais defendia o sufrágio universal, o voto secreto e parlamentos anuais, esperava que o eleitorado exercesse um certo grau de controle sobre os seus representantes." (PATEMAN, 1992, p. 30). A preocupação de se construir estratégias que não permitam o distanciamento entre representantes e seus representados, também aparece nas análises de Demo (1988, p. 114) sobre a Comuna de Paris, "O compromisso democrático dos mandantes fica muito reforçado através dos exercícios democráticos da Comuna: possibilidade de deposição, prestação de contas, remuneração igual a dos trabalhadores para os funcionários, rodízio de poder, etc ..." Porém, segue afirmando que essas estratégias não garantem totalmente que não haja exorbitação de poder concedido aos representantes.

A declaração da Vontade Geral é um ato de soberania e ela produz leis (Rousseau, 2001, p. 38), leis que todos os indivíduos irão seguir pois emanam da Vontade Geral. Segundo Pateman (1992, p. 37) "a lei 'emergiu' do processo participatório, e é a lei, e não os homens, que governa as ações individuais" e como as leis foram elaboradas com a participação de cada um, os indivíduos estariam mais inclinados a segui-las, nas palavras de Pateman (1992, p. 41)

O domínio (impessoal) da lei, que se torna possível através da participação, e sua conexão com o fato de "ser próprio senhor" nos fornecem mais um indício no que concerne à razão pela qual Rousseau pensa que os indivíduos irão aceitar

36 Bentham e James Mill também são autores que escrevem sobre Democracia Representativa. Uma

conscientemente uma lei resultante de um processo participatório de tomada de decisões.

Dessa maneira, quanto mais as pessoas participam dos processos decisórios mais elas se sentem livres pois podem controlar de fato os rumos tomados pelo coletivo segundo Pateman (1992, p. 40) "Tanto a sensação de liberdade do indivíduo quanto sua liberdade efetiva aumentam por sua participação na tomada de decisões, porque tal participação dá a ele um grau bem real de controle sobre o curso de sua vida e sobre a estrutura do meio em que vive."

Para Pateman (1992, p. 41), além de a participação contribuir para que as pessoas aceitassem mais as decisões coletivas e se sentissem mais livres, ela também tem outra função de integração, que é a "sensação de que cada cidadão isolado 'pertence' à sua comunidade".

Por fim, uma função bastante ressaltada por Pateman (1992, p. 38) da participação na teoria de Rousseau é o seu caráter educativo,

Função central da participação na teoria de Rousseau é educativa, considerando-se o termo 'educação' em seu sentido mais amplo. O sistema ideal de Rousseau é concebido para desenvolver uma ação responsável, individual, social e política como resultado do processo participativo. Durante esse processo o indivíduo aprende que a palavra 'cada' aplica-se a ele mesmo; o que vale dizer que ele tem que levar em consideração assuntos bem mais abrangentes do que os seus próprios e imediatos interesses privados, caso queira a cooperação dos outros; e ele aprende que o interesse público e o privado encontram-se ligados.

Quanto mais os indivíduos participam mais se tornam aptos a participar, pois nesse processo se desenvolve a capacidade da escuta, da negociação, de tolerância ao diferente, de discernimento sobre o que é bem comum e o que é o interesse privado, enfim "na aquisição de práticas e habilidades necessárias ao procedimento democrático". (PATEMAN, 1992, p. 61).

John Stuart Mill, outro teórico que discute a democracia, enfatiza a relação entre uma sociedade democrática e as suas instituições, de tal modo que mesmo que o governo central seja eleito democraticamente, mas as outras instituições, principalmente as de nível local onde os sujeitos participam diretamente, não sejam democráticas isto comprometerá a democracia (Pateman, 1992). Isto é, a constituição de instituições democráticas em todos os níveis da sociedade contribui para consolidar a democracia como forma hegemônica das relações sociais, inclusive porque se tornam espaços onde é possível praticar e aprender a participação democrática.

A participação democrática é fundamental em projetos de construção coletiva como é o IALA Amazônico, pois sem ela não é possível a dinâmica de construção coletiva caracterizada pela i) divisão de poder de decisão entre todos os participantes, isto significa

que é a comunidade a detentora do poder; ii) não há distância entre representantes e representados; iii) quem está ocupando função de representação deve dialogar com os representados de maneira transparente; iv) ter espaços onde seja possível debater e refletir coletivamente; v) espaços caracterizados por respeito às diferenças; vi) existência de acordos coletivos, regras elaboradas em concordância com todos.

6. As interações entre as representações sobre o IALA Amazônico e Agroecologia,