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Mapa 21 África do Sul: 1994

3 MANUAIS ESCOLARES, COMPÊNDIOS E LIVROS DIDÁTICOS: O CASO DA

3.6 O AUTOR E O CONTEXTO ESCOLAR GEOGRÁFICO

Ao estudarmos Aroldo de Azevedo (1938-1978) e a Geografia escolar por ele produzida, é preciso considerar sua inserção nas mudanças que vinham ocorrendo no país no campo da educação. Já escrevemos a respeito de sua concepção de Geografia, que, no que se refere à produção acadêmica, caracterizava-se por uma renovação nos padrões gráficos de apresentação dos conteúdos geográficos, próximos aos de Delgado de Carvalho (1925), que foi seu grande incentivador41. No campo da Geografia acadêmica, em 1925, o professor Delgado de Carvalho publica o livro Methodologia do ensino geographico. O autor aí registra que a Geografia tinha por objetivo o estudo do homem, criticando o fato de a Geografia ensinada no Brasil possuir caráter meramente de memorização. Segundo ele,

41 O grupo de que Carvalho fazia parte era da camada dominante que organizou a IV Conferência Nacional sobre

Educação, em 1931, e proclamou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Esse documento formalizava o pensamento mais avançado da intelectualidade brasileira no que concerne à educação. Sobre as propostas e sugestões que levaram aos debates na imprensa a respeito da educação controlada pelo poder estatal, ver Azevedo (1955, p. 59-82). Delgado de Carvalho (0000) encarava o homem como parte do meio, menosprezando as propostas da Geografia de nomenclatura, listas, dados, tabelas, módulos e demais lógicas matemáticas.

A geographia é o estudo de uma das modalidades da imaginação humana, isto é, da sua faculdade de atribuir nomes, de chrismar áreas geographicas. As montanhas, os rios, as regiões naturais não são estudados em si, mas apenas como merecedores de um esforço de nossa fantasia. Aqui, quem não sabe nomenclatura não sabe geographia, e deste modo a poesia e a geographia são produtos diretos da imaginação. (CARVALHO, 1925, p. 3)

Percebe-se no enunciado acima que, apesar de o autor tentar inovar em sua proposta metodológica, ela continua a mesma de Veríssimo (1890), repercutindo no conteúdo dos livros escolares, que passaram pela sala de aula, da sociedade brasileira. Tal situação é fruto das resoluções escolares do início do período republicano, pautadas na catalogação e adjetivação da sociedade e natureza. Essa obra traz uma forte orientação nos trabalhos de Aroldo Azevedo (1938-1978), que recebeu a orientação da Geografia moderna quando estava inserido nos cursos de Geografia e História. Tal união fazia parte do fortalecimento do Estado, de uma Geografia ligada às instituições políticas e à criação de um novo saber geográfico. Proposições que passavam pelo debate da pesquisa de campo e do ensino. Esses trabalhos demonstram um posicionamento intelectual, político-social, uma visão de mundo, métodos de investigação geográfica e posições quanto ao tema das questões educacionais.

A esse respeito, Pereira (1989, p. 27), que estudou o discurso didático na obra de Aroldo de Azevedo, discute que o autor recebeu “influência francesa [que] materializou-se com suas bases teóricas calcadas no positivismo-funcionalismo, cujas implicações [...] de abordagem baseavam-se na ‘tricotomia’ natureza-homem-economia”. Da mesma forma, o professor registrava em seus livros que não seguiria o programa oficial ao pé da letra, mas iria completá-lo com outros temas. Em alguns dos livros de Aroldo de Azevedo (1938; 1978), desconsideravam-se algumas das medidas políticas para o livro escolar42. Mesmo com a implementação de leis, diretrizes, normas, avanços no campo do saber científico, temas debatidos na Geografia acadêmica não chegavam ao saber escolar, e em particular ao livro didático.

Proceder ao levantamento dos livros didáticos de Aroldo de Azevedo permitiu-nos perceber que sua produção escolar mistura-se a sua vida na universidade. O autor inicia a

42 O próprio autor registra em suas obras o seguinte: “Com sincero pesar, a partir da presente edição,

apresentamo-la à metade embora sem sacrifício do exigido pelo programa oficial” (AZEVEDO, 1963, p. 9). A respeito do assunto, ver Santos (1984, p. 8-20) e Colesanti (1984, p. 59-145), que demonstram que grande parte dos livros didáticos de Azevedo foram republicados no intervalo entre os anos de 1934 a 1974 com títulos diferentes, monopolizando o setor dos livros escolares no Brasil.

produção de textos geográficos de cunho acadêmico43 paralelamente às obras escolares. Em 1936, publica seu primeiro livro escolar em 1938, que vai receber outras edições e publicações até 1975. No total, o autor teve 30 livros de Geografia entre textos acadêmicos e escolares, lançados no território nacional, pela Companhia da Editora Nacional, de São Paulo. O primeiro deles foi Geografia Geral para a Primeira Série Ginasial (1936), de Aroldo de Azevedo. Até 1975 foram publicados os outros 29, alguns republicados até 1978. Entre eles podemos citar Geografia do Brasil, Geografia Física, Geografia Regional, Geografia Física e Humana, Geografia das Crianças, Regiões e Paisagens do Brasil, Leituras Geográficas (I e II), todos com diferentes edições. Em nossa pesquisa, atentaremos para a obra Geografia Geral, publicada em 1938 e republicada em 1943, com reedições em 1956, 1959, 1961, 1963, 1966, 1969 e 1978, preservando o mesmo conteúdo. Isso mostra que mudavam os títulos dos livros escolares, sua produção, distribuição, a figura do autor, os textos e as iconografias. Elencamos aqui algumas das principais obras escolares do autor Aroldo de Azevedo:

- Geografia Humana, São Paulo, 1934 – Obra destinada aos cursos pré-jurídicos. - Geografia, São Paulo, 1935-36 – Obra em cinco volumes destinada ao curso secundário, de acordo com os programas oficiais de 1931.

- Corografia do Brasil, São Paulo, 1939 – Para o curso propedêutico de comércio. - Geografia Geral, São Paulo, 1938-78 – Primeira série ginasial, de acordo com o programa atual.

- Monografias Regionais, São Paulo, 1943 – Planos sumários para pesquisas de caráter geográfico.

- Geografia do Brasil, São Paulo, 1944 – Terceira série ginasial, de acordo com o programa atual.

- Subúrbios Orientais de São Paulo, São Paulo, 1945 – Tese de concurso à cátedra de Geografia do Brasil da Faculdade de Filosofia da USP.

- Geografia Física, São Paulo, 1947 – De acordo com o programa da primeira série do curso colegial.

- Geografia das crianças, São Paulo, 1947 – Destinada ao ensino primário. - Regiões e Paisagens do Brasil, 1950 – Vol. 274, da coleção Brasiliana. - Leituras Geográficas, São Paulo, 1957 – Destinada ao Curso Ginasial.

43 A fundação da USP faz parte dos novos elementos que surgem para enriquecer a formação do profissional

Como podemos notar, o professor Aroldo de Azevedo era um autor com um grande número de publicações e títulos diferenciados. Suas obras escolares influenciaram um conjunto da população nas principais cidades do país.

O livro Geografia Geral será analisado nesta tese, através de seu conteúdo sobre a África, que já pode ser identificado no Sumário da obra.

Quadro 3 - Conteúdos sobre África em Geografia Geral, de Aroldo de Azevedo (1938).

ÁFRICA SUMÁRIO

Cap. XVI

África: estrutura física – África, um continente maciço. Características gerais do relevo. Os enrugamentos montanhosos. Os maciços vulcânicos da África equatorial. Os planaltos e as planícies. O Nilo é o maior rio da Terra. As bacias secundárias. As regiões lacustres. O clima africano. As florestas da África. Savanas, estepes e desertos.

Cap. XVII

África: vida humana. – Características gerais. Um continente pouco povoado. A África e a civilização. A penetração europeia. Os povos da África. Principais cidades. A vida cultural na África. Atividades agrícolas. A vida industrial e o comércio. Os transportes. O canal de Suez e sua importância econômica.

Cap. XVIII

África: regiões geográficas. – As regiões geográficas da África. A África do Norte. O Saara e o vale do Nilo. A África Ocidental e a região de Guiné. A região do Congo. A África Oriental. A África do Sul.

Fonte: Azevedo, (1938, p. 01.). Organizado pelo autor 2012

Em particular, nossa ênfase estará no capítulo XVII, Vida humana. O autor admite a grande influência da Geografia francesa (vidaliana), importante nos anos 70 do século XX, porém incorporou igualmente contribuições procedentes dos EUA, Alemanha e Inglaterra. Para esta pesquisa, foram selecionadas somente as obras de Azevedo (1938; 1978) que tratam do tema da África. Isso porque suas publicações escolares foram destinadas ao antigo curso ginasial, o que significou um total de 23 livros reeditados, acompanhados de cinco livros para o curso colegial, um para o curso primário e um para o programa de admissão ao ginásio. Seu ex-aluno José Bueno Conti (1976, p. 32), depois professor na USP, assevera que “em 1936, antes mesmo de licenciar-se, elaborou sua primeira obra, intitulada Geographia para a primeira série ginasial, editada pela Companhia Editora Nacional, com uma tiragem de 10.000 exemplares”.

No que concerne ao tema das políticas educacionais no período tratado, as leis orgânicas do ensino, reformas entre 1930 e 1975 a partir de decretos-lei que estruturaram o ensino, não alteraram a forma como se abordava o tema da África. Como registrado por

Aroldo de Azevedo (1938; 1978) no decorrer das suas obras escolares, muitos dos seus livros foram publicados sem levar em consideração algumas das diretrizes escolares. Sendo assim, o livro escolar não consegue absorver as mudanças colocadas pelas leis, diretrizes, normas e avanços no campo do saber científico. O que não exime da análise em nossa pesquisa a respeito do continente africano em suas obras, até porque, como já salientado, Aroldo de Azevedo foi um grande nome para a Geografia brasileira44.

Seus textos escolares eram redigidos em uma linguagem simples, com a presença da conceituação e terminologia geográfica. Buscavam sempre apresentar uma Geografia com estilo próprio, que, segundo o autor, fosse “prazeroso e estimulante para o aluno” (AZEVEDO, 1938). O autor tinha suas concepções geográficas, sua visão de mundo, seu posicionamento político, cultural e econômico. Por exemplo, Aroldo de Azevedo tinha orientação francesa, contudo a influência da Geografia moderna nos livros escolares era de tal modo levada em conta que fugir dela era renunciar ao papel de formador da consciência moderna e científica, de cunho expansionista, anunciada pelo positivismo. A respeito da Geografia moderna, Aroldo de Azevedo (1965, p. 109) escreve: “[...] a Geografia moderna é uma Geografia muito mais real e exata. Depois de localizar, descreve e interpreta a paisagem, com tudo quanto a caracteriza, por mais simples que seja. Interessa-se por detalhes do relevo ou da vegetação”. Segundo ele, a Geografia moderna focaliza o homem na sua vida rotineira e naquilo que a luta pela existência o levou a construir (AZEVEDO, 1946a, p. 231). Demais posicionamentos e conteúdos serão discutidos no decorrer do trabalho45.

No que se refere à Geografia moderna, Aroldo de Azevedo (1962, p. 292-293), em outro momento, analisa melhor esse processo, registrando que

[...] a Geografia moderna [....] não se contenta em descrever, ela explica. [...] abarca o essencial do que todos [....] especialistas podem comprovar, mas nunca visão de síntese que só a Geografia é capaz [....] Mãe das ciências [...] síntese das ciências [....] vastidão do seu campo [....] Geomorfologia, Climatologia, População, Geografia da Colonização, Geografia Agrícola, Metodologia da Geografia [....].

44 De acordo com Issler (1973, p. 181-182), no período em que vigorou a reforma Capanema, de 1942 a 1962,

houve a maior repercussão dos livros didáticos de geografia de autoria do professor Aroldo de Azevedo: “suas obras tiveram, no período considerado, a preferência e a sua adoção na maioria das escolas fez com que se sucedessem centenas de edições [...] O magistério que adotava essa coleção servia-se também dos seus volumes para a documentação e preparação das atividades escolares”. A maioria dos professores não possuíam uma formação especializada e, por muito tempo, atuaram na área de Geografia no ensino secundário.

45 Em Azevedo (1954, p. 45), a geografia-corografia estendia-se por “enumeração dos fenômenos naturais,

humanos, econômicos e políticos com uma riqueza de detalhes impressionante, que obrigava os alunos decorar listas imensas de nomes e números”.

Com os dois fragmentos citados, buscamos situar o posicionamento teórico de Aroldo de Azevedo sobre a Geografia escolar em seus livros, que para ele era uma ciência completa. Para o autor, a Geografia Moderna dialogava com as discussões relativas ao homem, natureza, meio, política, educação e cultura.

Em sua obra Geografia Geral, encontramos uma Geografia escolar ligada às grandes transformações de cunho capitalista, por meio da dominação e pelo debate entre homem e sociedade. Percebemos ali a presença do possibilismo geográfico. Seus registros carregam os traços da etnografia, afirmando que o progresso vai ultrapassar a individualidade.Era uma tentativa de ofuscar seu posicionamento político-filosófico em face das teorias e metodologias que utilizou.

Imagem 3 - Capa do livro Imagem 4 - Capa do livro

Geografia Geral, de Aroldo de Azevedo (1938). Geografia Geral, de Aroldo de Azevedo (1978).

Na primeira página da edição de 1938 da Geografia Geral, temos a apresentação da obra escolar:

Quem percorrer as páginas deste livro realizará, com o autor, uma longa viagem através de todos os continentes. Conhecerá algo a respeito daquele em que vivemos, tão variado nos seus aspectos, mas uno em sua essência; e compreenderá os motivos que nos levam a ter orgulho de haver nascido em terras da América. Percorrerá as paisagens da Europa, com a emoção de quem estivesse pisando o solo em que habitaram os seus ancestrais; e saberá por que devemos admirar os que ali vivem, autores de uma civilização que também é nossa. Fará uma ideia das multidões da Ásia e do caleidoscópio vivo que elas representam. Sentirá o continente africano em todos os seus contrastes, suas areias ardentes e suas florestas impenetráveis. Tomará conhecimento da existência, em plena Oceania, de terras em que os europeus ergueram uma civilização que em quase nada difere da que brilha da Europa. Imaginará, finalmente, qual deve ser a paisagem nas solidões geladas que circundam os polos da Terra. (AZEVEDO, 1938, p. 1)

A partir dessa apresentação, podemos pensar que a Geografia escolar a respeito do continente africano não valoriza a região, já que contrasta com o brilho da civilização europeia, favorecida pelo clima e conhecimento produzido pelos seus antepassados.