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D O TERRITÓRIO ÀS TERRITORIALIDADES : O CASO DO CONTINENTE AFRICANO

Mapa 21 África do Sul: 1994

3 MANUAIS ESCOLARES, COMPÊNDIOS E LIVROS DIDÁTICOS: O CASO DA

4.2 D O TERRITÓRIO ÀS TERRITORIALIDADES : O CASO DO CONTINENTE AFRICANO

Neste tópico apresentaremos algumas visões a respeito da conceituação de territorialidade para escolhermos a que melhor se identifica com a nossa pesquisa. O conceito de território é desenvolvido pela ciência geográfica e em outros campos das ciências humanas como Antropologia e Sociologia. Na Geografia, o território passa pelas discussões ligadas ao Estado de caráter social, político e cultural, dando legitimação científica às estratégias de poder. Os conhecimentos sobre o território que levam em consideração o Estado e as ocupações humanas a que nos referimos foram financiados pelo governo europeu e parte da população burguesa europeia que tinha interesse em conquistar colônias em outras partes do mundo. Ritter e Humboldt foram influentes na criação desse tipo de conhecimento no campo da Geografia no século XIX. As diretrizes teóricas desses dois autores influenciaram o pensamento dos demais geógrafos do século XX. Posteriormente a eles, temos as discussões do geógrafo alemão Friderich Ratzel, que insere a perspectiva positivista clássica62, desenvolvendo esse conceito em obras como Antropogeografia (1882) e Geografia Política (1897), a partir das quais se torna o principal representante da Geografia política. No livro organizado por Moraes (1990), Ratzel, em Antropogeografia, escreve que o território ser necessário à existência do Estado é coisa óbvia. Exatamente porque não é possível conceber um Estado sem território e sem fronteiras” (MORAES, 1990, p. 71). Percebemos em seu discurso a visão indissociável entre homem e natureza, o que valoriza a dimensão econômica e institui essa ideia como condição de existência da sociedade e, mais ainda, do Estado.

Para Raffestin (1993), Ratzel é o pai da Geografia política; aliás, Raffestin (1993) chega a dizer que a obra do alemão é um “momento epistemológico” ao referir-se à Antropogeografia e Geografia Política. O autor diz ainda que Ratzel “está num ponto de convergência entre uma corrente de pensamento naturalista e uma corrente de pensamento sociológica” (RAFFESTIN, 1993, p. 12).

Afora essa perspectiva “ratzeliana clássica”, o conceito de território discutido por Haesbaert (2004) desenvolve a noção de território relacional, terminologia com a qual o autor

62 De acordo com Moraes (2002, p. 15), em literatura da história do pensamento geográfico, “é quase unânime o

estabelecimento do marco inicial da Geografia moderna na publicação das obras de Alexandre Von Humboldt e Karl Ritter”, conceituações que passavam pelo conhecimento efetivo do planeta, ligado a uma expansão europeia, como a incorporação de novas terras, expedições exploradoras, dentre outras que se concretizaram em meados do século XVII a metade do XX.

elucida o estudo eminentemente político e cultural abrangendo demais partes desse conceito, como o de Ratzel (1897) e o de Raffestin (1993) no sentido político. Segundo Haesbaert (2004, p. 92), “o caráter simbólico do território está se tornando cada vez mais presente, em detrimento de sua dimensão material e mais objetiva”. Nota-se no trabalho desse autor que poder político e poder simbólico andam juntos, marcando limites à territorialidade. Em nossa tese acreditamos que a conceituação de territorialidade pode nos ajudar a entender como a África foi concebida nos livros escolares, resultado das ações políticas, imperiais e exploratórias nesse continente.

Robert D. Sack (1986) escreve que a territorialidade, em termos geográficos, influencia o controle de recursos, de pessoas, além de atuar, por meio de suas estratégias, sobre uma determinada área geográfica. Para este, a territorialidade está basicamente relacionada ao uso da “terra”, é uma expressão social de poder em uma sociedade, na sua organização, no seu espaço e no tempo. Sack (1986, p. 32) escreve que a territorialidade “atravessa fronteiras, símbolos e formas diferentes de combinação direta no espaço, como a mais eficiente estratégia de força, de controle e de distribuição no espaço e no tempo”. Segundo o geógrafo inglês, temos a seguinte definição para a territorialidade:

Territorialidade é uma expressão geográfica básica de influência e poder, provê uma sociedade essencial de ligação entre sociedade, tempo e espaço [...] é o dispositivo geográfico por pessoas de construção de organização no espaço [...] não é nenhum instinto, mas uma estratégia complexa para afetar, influenciar, e controlar o acesso de pessoas, coisas, relações e comportamentos. (SACK, 1986, p. 216)

Podemos relacionar a visão de territorialidade de Sack (1986) com os fatos geográficos do século XIX, em que a Geografia possuía o sinônimo político e filosófico de conquista de terras. Ela estava embasada na teoria do imperialismo com ajuda da força, de doutrinas nobres como civilização e desenvolvimento. As nações europeias buscavam impor aos “novos” territórios conquistados sua língua, os chamados “bons” costumes e valores que, segundo eles, levariam os “bárbaros” aos caminhos da “civilização” e do “progresso”. É exatamente o que explica Sack (1986, p. 19), quando diz que a territorialidade é a “tentativa por um indivíduo ou um grupo de afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relacionamentos pela delimitação e afirmação do controle sobre uma área geográfica”. O ocorrido no continente africano foi a divisão, a imposição de novas fronteiras, via língua,

costumes, controle cultural e político, definindo e diferenciando os territórios europeus. Já o geógrafo Badie (1996), escreve sobre a ordem e desordem dos territórios, e que a territorialidade atuou como uma “política instrumental [...] por ser tanto mais admitida e respeitada como princípio de direito” (1996, p. 65). A territorialidade é vista por ele como controle de diversos aspectos do território, seja em relação ao seu espaço ou ao seu tempo. O que reforça nossa tese a respeito da sua conceituação de territorialidade europeia no continente africano via anexação de terras, domínios, protetorado e colônias. Com a ideia de Badie (1996), dissemos que na África não ocorreu somente o emprego do controle geográfico, mas o uso da Geografia como arma do poder, pela qual existiria uma hierarquia territorial entre europeus e os autóctones.

A territorialidade é o conceito da Geografia que melhor fundamenta a nossa pesquisa a respeito do conteúdo escolar da África no livro didático, fundamentando nossa análise a respeito da África no livro escolar. Nesse intento, as duas discussões de Badie (1996) e Sack (1986) se aproximam do nosso trabalho, seja pelo controle político, militar do território como pelas demarcações culturais, como a imposição da língua, hábitos e tradições particulares de cada colonizador. Aqui demarcamos nosso conceito de territorialidade no livro escolar.

De acordo com a leitura das obras escolares de Amaral (1890), Azevedo (1938), Beltrame (1975) e Vesentini e Vlach (2003), entendemos que o continente africano sempre esteve associado à Europa. Além disso, o continente africano também é visto como dependente da Europa, política, econômica e culturalmente. Dizemos que o continente africano foi representado na Geografia escolar como campo de disputa política e controle territorial de interesses europeus. Ademais, ao discutirmos esse tema, queremos demonstrar como o livro didático se constituiu, na sua essência, como um elemento difusor de características coloniais e racistas a respeito da África.

Feita a introdução conceitual a respeito de territorialidade, iniciaremos nossa análise da África no livro escolar. Com ajuda de Said (1995, p. 106), dizemos que “Compreender a África é entrar na batalha pela África, inevitavelmente ligada à resistência posterior, à descolonização e assim por diante”. Acreditamos que é preciso desconstruir preconceitos e buscar renovação nos métodos de análises e representações a respeito dessa temática no ensino da Geografia acadêmica e escolar. Dessa forma, observar as ligações entre os textos

escolares e o imperialismo racial europeu é tomar uma posição a respeito do tema63. Fato que

será analisado mais a frente nos livros didáticos.

4.3 A TERRITORIALIDADE COMO INSTRUMENTO DO IMPERIALISMO E COLONIALISMO: O