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Mapa 21 África do Sul: 1994

2.3 O ANDAR DA PESQUISA : AMARRANDO AS IDEIAS

No decorrer da pesquisa, encontramos nos manuais escolares as denominações “Geografia da África”15 e “continente africano”. Ambas as terminologias serão usadas no

andamento deste trabalho. Com o apoio de Said (1995, p. 33), partimos da ideia de que a África é um continente formado por “territórios sobrepostos”, “histórias entrelaçadas”, que geraram Geografias particulares em cada área do continente africano.

Consideramos que nesse continente há uma homogeneidade e uma heterogeneidade, desde as variadas populações, suas religiões, formas políticas e distintos sistemas econômicos. E é no plano da educação, da política e da cultura que discutiremos o continente africano no campo do ensino da Geografia escolar. Sabendo desse referencial, buscaremos, na medida do possível, intercalar tais posicionamentos em nossa análise. Apresentaremos, além disso, as bases conceituais e metodológicas utilizadas no caminhar da pesquisa, tendo em mente que a metodologia é um processo em construção. Assim, construir instrumentos de pesquisa e reflexões mais apuradas a respeito do tema do continente africano nos manuais escolares apresentou-se para nós como tarefa obrigatória. Ao elencar os autores com os quais iremos dialogar, já estamos discutindo os passos da nossa investigação.

Para o desenvolvimento do nosso trabalho, utilizamos os termos “disciplina escolar” ou “matéria” em relação com o nível de escolarização básico. Em nosso caso, os termos “disciplina” e “matéria” aparecerão como sinônimos. Chervel (1990, p. 180), a respeito da acepção da palavra “disciplina”, assevera que “logo após a I Guerra Mundial, enfim o termo ‘disciplina’ vai perder a força que o caracteriza até então. Torna-se uma pura e simples rubrica que classifica as matérias de ensino”. Podemos dizer que, com o passar dos anos, o modelo disciplinar envolvido nos métodos e regras com as quais se trabalhava veio a se tornar um conhecimento escolar específico de cada disciplina. Em outro debate a respeito do tema e o emprego de conceituações e categorizações, registra Forquin (1992, p. 28) que os termos “disciplina” e “matéria escolar”

15 Ao escrevermos “continente africano” ou “África”, estaremos nos apoiando em Said (1995, p. 27), que fala em

uma Geografia recente “variada demais para chegar a constituir algo unitário e homogêneo; na verdade, a luta que trava em seu interior envolve defensores de uma identidade unitária e os que veem o conjunto como uma totalidade complexa, mas não redutoramente unificada”.

[...] são com freqüência utilizados indiferentemente, com, entretanto, uma nuance de sentido: o termo “matéria” é mais neutro, mais popular, mais “escolar” e mais “primário”, enquanto o termo “disciplina” se aplica mais aos níveis superiores dos cursos e implica sempre uma ideia de exercício intelectual e de formação do espírito. Em nosso trabalho, acreditamos que, para uma melhor compreensão do conteúdo sobre a África na disciplina escolar Geografia, é de grande importância o entendimento de sua transposição didática16 para os compêndios escolares. Fato é que a disciplina escolar ou seus conteúdos passaram por modificações internas no desenvolvimento de sua produção de conhecimento e principalmente no decorrer da transposição e publicação no livro escolar. Coube-nos pesquisar como cada autor aproximou o conhecimento científico do escolar.

Goodson (1983) argumenta que a conceituação de disciplina acadêmica vale-se de metodologias distintas e autônomas das escolares. Para fortalecer sua teoria, Goodson (1983, p. 124) escreve que muitas vezes o conhecimento acadêmico é independente das relações com as quais se estabelece entre sociedade e Estado. Discordamos desse argumento, porém não descartamos sua importância para o ensino. Isso porque a presença do conteúdo escolar sobre o continente africano nos livros didáticos em 1890 ou em 2003 fez parte de uma política, de um movimento social, o movimento negro, e de uma Geopolítica interna que é fruto das relações estabelecidas entre as leis educacionais e demais debates sobre ensino. O diálogo da produção universitária e escolar sobre este tema decorre disso, e nos faz retomar os objetivos citados anteriormente. Por essa comunicação, percebemos que as disciplinas escolares não estão sozinhas ou desarticuladas no livro escolar: fazem parte de um conjunto maior de saberes. Demonstraremos como alguns outros elementos entram na disputa para a elaboração do conteúdo de África no livro didático.

Em consonância com as leituras realizadas, afirmamos que foi preciso estar atentos aos conteúdos produzidos nesse processo educacional e às propostas teórico-metodológicas. A Geografia, como ciência que estuda o território, é base no debate no campo do ensino, que inclui o livro didático. Aqui recordamos Callai (2003, p. 12) quando esta afirma que o território “é a própria sociedade em movimento, pois ao mesmo tempo em que é a base, ele próprio é também agente no processo, pois interfere ativamente nos processos”. A Geografia contribui para o entendimento das dinâmicas educacionais na formação do território

16 O termo “transposição didática” foi introduzido por Yves Chevallard (1985), especialista em didática da

Matemática. Sua proposta possibilita explicar e estabelecer relação entre o saber erudito ou científico e o construído, ou seja, o diálogo entre o saber acadêmico e o saber escolar. Tais termos serão as bases para o entendimento e desenvolvimento da pesquisa.

brasileiro, assim como ajuda a explicar as transformações territoriais na organização da sociedade.

Para conseguir alcançar nossos objetivos, foi preciso trilhar um caminho de análise para nossa investigação. Na busca por respostas, foi preciso compreender a maneira como os autores de livros escolares compreendiam esse continente, sempre respeitando alguns fatores, como o livro, as propostas educacionais e a Geografia escolar da época.

Nos livros escolares de Tancredo do Amaral (1890), Aroldo de Azevedo (1938), Zoraide Victorello Beltrame (1975) e José Willian Vesentini e Vânia Vlach (2003), encontramos uma África que fazia parte das novas terras coloniais, fruto da expansão territorial do colonialismo europeu. É nessa perspectiva que o mundo é visto como conjunto de terras, colônias, domínios e protetorados pertencentes ao império português, francês, espanhol e demais países europeus. Para pensarmos a esse respeito, recordamos Lênin (1917; 1976) quando escreve que as colônias foram ‘um território de apropriação’ de uso, exploração e apropriação dos que nela vieram a ter controle e divisão territorial das colônias. Os autores dos livros escolares nesta tese analisados apresentam a África como um continente despovoado.

A legitimidade do princípio da territorialidade nas obras escolares não se deve ao simples domínio da política, pois ela se define pelos processos sociais em que o conceito se insere, a saber: religião, costumes, língua e tradições. O conceito de territorialidade será mais bem debatido posteriormente. Baseamo-nos na afirmação de Badie (1996, p. 12) segundo a qual o conceito de territorialidade está “longe de ser natural, este é assim claramente instrumental e, longe de ser a projeção geográfica de uma determinada comunidade, ele é, pelo contrário, um meio de definir e de delimitar uma comunidade”. Com o conceito de territorialidade, buscamos desmascarar o olhar colonial e imperial presente na Geografia escolar17. Ao assumirmos essa teorização, dizemos que a construção estabelecida pelos europeus estava concretizando mais uma parte do domínio territorial. Ao mesmo tempo, ela está relacionada com um discurso e diálogo do saber acadêmico e escolar.

17 Nomeação dada pelo colega professor e crítico literário, Wellington Migliari, fruto de diversas conversas sobre

3 MANUAIS ESCOLARES, COMPÊNDIOS E LIVROS DIDÁTICOS: O CASO DA