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A S POSSÍVEIS INFLUÊNCIAS EUROPEIAS NAS PÁGINAS DOS LIVROS BRASILEIROS

Mapa 21 África do Sul: 1994

3 MANUAIS ESCOLARES, COMPÊNDIOS E LIVROS DIDÁTICOS: O CASO DA

4.6 A S POSSÍVEIS INFLUÊNCIAS EUROPEIAS NAS PÁGINAS DOS LIVROS BRASILEIROS

No caso do Brasil, a proposta de construção da República e a formação do Estado moderno eram tentativas de mudança na estrutura administrativa do país, o que significava a necessidade de proteção do Estado brasileiro83. A publicação das obras escolares de Geografia e a História tornaram-se responsáveis por difundir e sistematizar o conhecimento escolar à população que tinha acesso a essa educação. Os elementos tidos como culturais, tais como a língua, costumes, tradições e ritos, passaram a ser dominados e massacrados pela colonização que buscava se fortalecer. O conteúdo escolar presente nesses livros demonstrava que o saber pátrio das comunidades europeias vinham se fortalecendo.

Na década 1890, o modelo de ensino de Geografia era baseado em propostas positivistas francesas de Auguste Comte (1798-1857), como classificação, catalogação, enumeração, listas e outros dados descritivos. Fez parte desse pensamento um conjunto de intelectuais ilustrados que viviam sob o positivismo, darwinismo social, spencerismo, neolamarckismo e outros saberes acadêmicos que propagavam a evolução e mudanças da sociedade. Nesse conjunto, os cientificismos ligados à história natural, à etnologia, às teorias de tropicalidade, às interpretações reducionistas e conservadoras sobre raças e população tomavam forças.

Não podemos afirmar que as influências europeias, ocorridas por causa da assimilação, aconteceram de forma padronizada em todos os campos das ciências humanas. Houve as interpretações dos autores, mas com ressalvas as reproduções das suas ideologias e saberes eram uma forma de legitimar o conhecimento científico, até porque é vasta a bibliografia no Brasil a respeito da difusão destas teorias e suas propagações. Por exemplo, as políticas implementadas no campo do darwinismo foram uma base teórica para práticas de cunho bastante conservador, como o imperialismo europeu que tomou a “seleção natural” como justificativa para explicação do domínio ocidental, segundo Schwarcz (1993, p. 56). Tais teorias foram construídas para desenvolver julgamentos morais sobre o território e a

83 De acordo com Rocha (1996, p. 158), nesse período ocorria a inculcação do nacionalismo patriótico, por meio

da abordagem (escolar) de temas de geografia e do ensino de Geografia: a fragmentação acerca da realidade brasileira, que foi até as três primeiras décadas do século XX.

população de diversos países, possibilitando a articulação entre natureza, clima, solo, vegetação e demais elementos (Machado, 1995, p. 309). Era a “ideologia do colonialismo”, que justificava a conquista do outro, domínios, protetorados e outras territorialidades europeias. Por sua vez, os saberes coloniais precisam ser entendidos como influências da política que era colonizadora, de representação geográfica que vinha sendo criada pelo Brasil, tendo como exemplo os europeus.

Tais elementos estavam relacionados às novas conquistas, que consolidaram a legitimação do Estado. As ideologias dos modelos civilizatórios estavam sendo difundidas pela nova elite republicana. Alguns desses intelectuais, como discorre Machado (2000, p. 14), utilizaram-se, “dentre muitas teorias do progresso disponíveis na época, do positivismo e do ‘spencerianismo’, sendo que as teorias raciais tiveram efeitos marcantes na vida intelectual e na concepção de políticas reformistas”, como as de Capistrano de Abreu, Oliveira Viana, Silva Romero e A. Orlando e outros intelectuais desse período, que eram personalidades representantes do pensamento moderno, que servia como instrumento do colonialismo e do imperialismo, alimentado pelas ideias geopolíticas ratzelianas. Saberes acadêmicos ligados à população e ao território eram discutidos e desenvolvidos no solo europeu e foram transpostos para o Brasil em forma de conhecimento acadêmico, cuja difusão no campo escolar temos como meta conhecer.

Como já registrado por Machado (1995, p. 319), João Capistrano de Abreu (1853- 1927) é considerado o iniciador das ideias de Ratzel no pensamento brasileiro, fazendo uma relação entre “zonas naturais e antigas áreas coloniais”. Sua proposta era aproximar as interpretações da antropogeografia de Ratzel com o meio físico, a organização social com o povoamento no país. Em certa medida, seu caminho teórico traz a ideia de colocar o Brasil ao lado dos países europeus. Esse propósito foi levado adiante por um conjunto de intelectuais que buscavam criar um estilo de pensamento e modelo no campo da academia e do ensino. Era o progresso em nome da civilização. Conhecimentos que legitimavam outros saberes acadêmicos, escolares e que fortaleciam o campo do ensino e da produção científica que vinha se desenvolvendo no Brasil. Nesse sentido, não podemos tomar os diferentes autores citados de forma isolada, mas vinculados às diferentes instituições das quais participavam e que representavam, por sua vez, seu contexto maior de discussão intelectual. Acreditamos que é preciso pensar na relação das ideias dos autores, no conjunto com o momento em que estavam vivendo, passando por influências teóricas e metodológicas específicas que refletem nos diferentes campos dos saberes. Muitos dos autores que integraram o final do século XIX

como registra Schwarcz (1993, p. 65), eram denominados “homens de ciência”, que tinham espaços privilegiados para a produção de ideias e teorias para seu reconhecimento político e social. Teorias essas que foram utilizadas no Brasil e na África como forma de justificar a colonização e a presença dos europeus.

Um dos difusores desse pensamento no Brasil foi Gilberto Freyre (1947), que recebeu forte influência do salazarismo português como um fenômeno que ajudaria a levar a colonização aos povos inferiores. A tese defendida por Freyre (1947, p. 84), sobre a “revolução social e cultural”, favorecia o entendimento do colonialismo português nas colônias africanas como no Brasil. Segundo ele, a colonização portuguesa foi agradável, protetora e humanitária com suas colônias. Exemplo desse fato foram as perpetuações das ideologias e saberes acadêmicos nos boletins da Sociedade de Geografia de Lisboa, publicados em novembro de 1940, a respeito da população africana, que foi denominada de “selvagem” e composta de indígenas subalternos84, registros que demonstram o estatuto dos

indígenas por meio de decretos e regulamentações da organização do território. Trataremos posteriormente como essas ideias desenvolvidas no início do período republicano são discutidas, rompidas ou postergadas no desenvolver dos anos, no território do livro escolar.