• Nenhum resultado encontrado

3 CONTEXTO HISTÓRICO DE UM BRASIL AUTORITÁRIO

Women’s participation in the 1964 swat opposition: political and social context

3 CONTEXTO HISTÓRICO DE UM BRASIL AUTORITÁRIO

No Brasil do século XX, o ocaso das liberdades e garantias democráticas e a opressão como política oficial de Estado foram estruturados através de uma sólida base legislativa, que foi o sustentáculo do regime militar. O início dos anos 1960 marcou o princípio de uma forma de ação política específica, por meio da organização popular, que se voltava a questionar o arbítrio dos governos internos e a considerável dependência econômica externa, e exigia mudanças nas estruturas políticas, sociais e econômicas, visando cada vez mais a inclusão das camadas populares e trabalhadoras da sociedade no âmbito da política e dos objetivos da atuação governamental brasileira.

De fronte a isso, o grupo de militares que se estabeleceu no poder através do golpe de 1964 vinha de uma doutrina militar remota, que aludia à atuação do Brasil na II Guerra Mundial onde, ao atuar junto aos países da base aliada, terminou se sedimentando uma forte aproximação entre oficiais norte-americanos e militares brasileiros. Ao fim do grande conflito, uma considerável geração de militares brasileiros passou a se aprofundar nos modos como os Estados Unidos organizavam e estabeleciam a atuação das forças armadas em seu território. “Quando esses oficiais retornavam dos EUA, já estavam profundamente influenciados por uma concepção de ‘defesa nacional’” (ALVES, 1987, apud PRIORI, et al., 2012, p. 200).

Não obstante o entrelaçamento entre as forças armadas brasileiras e as concepções políticas belicitas norte-americanas, fez-se notória uma profunda submissão econômica, que ditou os rumos do desenvolvimento do país nos anos que se seguiram ao golpe. Nas palavras de Almeida (2016, p. 209-210)

o golpe militar, saudado por muitos como a preservação da unidade nacional diante dos perigos do comunismo, resultou em várias medidas econômicas que obrigaram as empresas brasileiras a se associar ao capital estrangeiro, o que coincidiu com o interesse dos países industrializados em transferir parte de suas linhas de produção para nações semi-industrializadas, como o Brasil. Os regimes autoritários são essenciais para retirar possíveis oposições de burgueses relutantes ou de trabalhadores descontentes, revelando que os exércitos se preparam menos para inimigos exteriores do que para reforçar a opressão em território nacional.

Com base nesta relação foi criada a Escola Superior de Guerra (ESG), diretamente ligada ao Estado Maior das Forças Armadas, órgão em que se elaboraram algumas das diretrizes da Doutrina de Segurança Nacional e muitos dos seus programas e dispositivos políticos derivados, como o Serviço Nacional de Informações (SNI). Toda essa estruturação dos meios e

MALZONI | ARAÚJO | DIOTTO | BRUTTI

tecnologias de controle veio a se materializar historicamente no Ato Institucional Nº 1. Como sistematiza Priori (2012, p. 200-201):

Por meio do AI-1, foi institucionalizado o sistema de eleição indireta para Presidente da República, bem como foi dado poderes ao presidente para ditar nova constituição, fechar o congresso, decretar estado de sítio, impor investigação sumária aos funcionários públicos contratados ou eleitos, abrir inquéritos e processos para apurar responsabilidades pela prática de crime contra o Estado ou contra a ordem política e social, suspender direitos políticos de cidadãos pelo prazo de dez anos e cassar mandatos legislativos de deputados federais, estaduais ou vereadores.

Sob a égide dos atos institucionais, como estrutura jurídica, e a autoridade indiscutível dos militares no quadro executivo serviriam como sustentação e salvaguarda da atuação de todas as forças repressivas, independentemente dos métodos de ação escolhidos. A criação de órgãos voltados à repressão foi algo comum durante a vigência do governo militar, como os DOI-CODI, o CIEX, a CISA, se contar com consolidação dos DOPS por todo o território brasileiro.

Esteve sempre presente, porém, o esforço em caracterizar o regime militar como um regime atrelado aos princípios democráticos, o que tornou a ideologia mais uma faceta da dominação e opressão, pois ainda que no visível exercício de um regime autoritário de exceção os seus mantenedores intentavam legitimá-lo como um sistema político e modo de governo baseado na vontade do povo. Conforme aduz Aquino (2000, p. 272) desde o primeiro general- presidente até o último buscou-se salientar, principalmente nos discursos de posse dirigidos ao povo, a adoção de “ações e comportamentos em nome da defesa da democracia no país”. Fator este que se faz presente hodiernamente onde, mesmo que “democratizado, o país se recusa a prestar contas às vítimas de um regime que [...] o próprio Estado brasileiro reconhece ter sido ilegal e antidemocrático” (ALMEIDA, 2016, p. 210).

Constata-se que no decorrer de 21 anos em que se mantiveram os militares com o poder, a existência de qualquer forma de administração democrática e republicana foi apenas ficta, ideologicamente construída, tendo em vista o notório papel de repressão exercido pelos órgãos policiais e instituições jurídicas, com claro objetivo de emudecer possíveis perturbações sociais que estremecessem o pleno andamento das ações e programas do Poder Executivo militarizado.

“Em princípio, o golpe foi tido como um movimento fadado a ser de curta duração e de alcance limitado” (CARONE, 1982, p. 3, apud PRIORI, 2012, p. 202). Todavia, no passar dos primeiros anos, a cúpula do comando militar cada vez mais se estruturava institucionalmente sobre os pilares do autoritarismo e entoava o discurso da defesa de valores nacionais, patriotas, dotado de tendências anticomunistas, pouco relacionadas com a verdadeira conjuntura política do país. O golpe buscou ser caracterizado como uma intervenção de cunho corretivo, destinada a preservar aspectos relevantes para a continuação do desenvolvimento que outrora o Brasil representou. No entanto, as formas de pôr em prática essas premissas não se deixaram limitar

A participação das mulheres na oposição ao golpe de 1964: contextualização política e social

pela axiologia democrática e republicana, quando, por exemplo, se usou da cassação de direitos políticos de uma grande parcela da população, de parlamentares e até membros do Poder Judiciário para uniformizar a prática institucional.

Portanto, o panorama da luta pelo retorno da democracia envolveu múltiplos arranjos e formas de resistência. O aparelhamento estatal canalizado para a opressão e o esforço para o silenciamento de qualquer voz que representasse a mínima oposição tornou o simples dissenso um objeto pelo qual se lutar. Dessa forma, o caráter de ilegalidade passou a ser a regra para grande parte dos focos de oposição, como os partidários de antigos partidos de esquerda, como o movimento estudantil e também a classe artística. Dentro desses variados agrupamentos voltados a se opor ao governo militar, contou-se com determinante participação feminina, desde a organização dos movimentos até a máxima expressão de resistência através da luta armada.

4 A PARTICIPAÇÃO FEMININA NO GOLPE DE 1964 COM BASE NA OBRA