Análise Comparativa da Posição Condilar através da Tomografia Computorizada de Feixe Cónico e
I.1 Contexto e justificação do trabalho
As relações dentárias oclusais foram descritas pela primeira vez por Edward Angle[1] em 1899 e desde então, a oclusão tornou-‐se numa área de interesse e com aplicação a diversas áreas da medicina dentária.[1] O sistema de classificação de Angle consiste em quatro categorias considerando a relação molar: oclusão normal (relação molar de neutroclusão sem alteração da posição de outros dentes em relação à linha de oclusão), má oclusão de Classe I (com neutroclusão molar, com algum grau de desalinhamento da dentição), má-‐oclusão de Classe II (com uma relação molar onde o primeiro molar mandibular está posicionado distalmente em relação ao primeiro molar maxilar) e Classe III (quando o primeiro molar mandibular está posicionado mesialmente relativamente ao primeiro molar maxilar).[1]
No sentido de descrever a oclusão funcional ótima, Sears[2] introduziu, em 1925, o conceito de oclusão balanceada aplicada à prostodontia. No entanto, com o passar dos anos e evolução do conhecimento científico, questionou-‐se a aplicabilidade deste conceito à dentição natural e, com o aparecimento da gnatologia (estudo e tratamento de toda a dentição como uma unidade funcional), foi desenvolvido o conceito de contacto excêntrico unilateral nos movimentos mandibulares.[3, 4] Este conceito foi amplamente aceite e considerado como objetivo fundamental de tratamento em pacientes que não correspondessem à norma. Só em 1970 surgiu o conceito de oclusão dinâmica individual, que destaca a importância da saúde e função do aparelho estomatognático, em contraposição com a relação oclusal exclusiva.[5]
Posteriormente, Okeson[6] definiu a oclusão dentária ideal quando se verificasse estabilidade oclusal que seria conseguida se se cumprissem os seguintes critérios:
− contacto simultâneo de todos os dentes, ou seja, quando a oclusão em relação cêntrica (ORC) corresponde à posição de intercuspidação máxima (PIM);
− todos os contactos dentários permitem a distribuição das forças segundo o longo eixo do dente; − durante os movimentos de lateralidade apenas se verificam contactos oclusais nos caninos do
lado de trabalho e, ao mesmo tempo, desoclusão do lado de não trabalho, o que reflete a existência de guia canina adequada;
− nos movimentos de protrusão, existem contactos nos dentes anteriores e desoclusão dos dentes
posteriores;[7]
− na posição vertical da cabeça verifica-‐se maior intensidade nos contactos dos dentes posteriores
em relação aos dentes anteriores . [6]
Análise Comparativa da Posição Condilar Através da TAC de Feixe Cónico e IPC
Segundo o mesmo autor, além da importância da presença das premissas relativas à oclusão dentária ideal, também o disco articular se deve situar completamente interposto entre o côndilo e a fossa glenóide. Anika Isberg está de acordo com este conceito ao defender que, na posição de repouso da mandíbula, o disco articular localiza-‐se entre a parte antero-‐superior do côndilo e a zona posterior da eminência articular.[8] Esta situação permite criar as condições necessárias a um equilíbrio neuromuscular, de modo a que se desempenhem corretamente todas as funções do aparelho estomatognático sem prejuízo de qualquer outro elemento deste sistema. Para tal, o côndilo deverá encontrar-‐se na posição musculo-‐esquelética estável, ou seja, na sua posição mais antero-‐superior, transversalmente centrado e apoiado na zona central do disco articular, para muitos autores definida como relação cêntrica (RC).[6, 7]
No entanto, na dentição natural por vezes não se verifica esta correspondência entre a oclusão em relação cêntrica (ORC) e a posição de intercuspidação máxima (PIM).[9-‐20] A RC é, segundo Okeson, a posição mais estável da mandíbula em termos ortopédicos e musculoesqueléticos, anatomicamente determinada e reprodutível.[6, 21] Vários investigadores advogam esta posição como a mais estável para servir como referência na determinação da relação entre a maxila e a mandíbula, já que é a posição mandibular que pode ser reproduzida rotineiramente em condições fisiológicas pelo paciente.[6, 7, 14, 22] Neste contexto, o contacto dentário em RC é momentâneo e de extrema importância já que, nesse momento termina o ciclo mastigatório do paciente.[23] Se tal não se verificar, o ciclo mastigatório do paciente fica alterado e poderá desencadear-‐se uma oclusão patológica.[23]
É também claro na literatura que esta posição será, portanto, um dos objetivos fisiológicos desejáveis de um tratamento ortodôntico.[6, 7, 14, 20, 21, 24] Neste sentido, facilmente se compreende a necessidade de aferir a posição condilar para a análise das arcadas e da relação esquelética.[25] Quando a oclusão em IM, ditada pelos contactos interdentários, não corresponde à ORC, a posição condilar em PIM também não corresponde a RC havendo, portanto, um deslocamento condilar adaptativo.[6, 9, 13, 15, 18, 19]
Várias investigações foram realizadas na população em geral por inspeção intra-‐oral no sentido de verificar o deslizamento em cêntrica (distância verificada desde a ORC até à oclusão em PIM). No entanto, nenhum dos métodos sugeridos provou a sua eficácia.[21, 22, 26-‐32] A explicação sugerida apoiou-‐se na fisiologia muscular e nos reflexos sensoriais. Com efeito, os músculos e os recetores propriocetivos do aparelho estomatognático, ao protegerem os dentes, alteram a guia condilar e, por sua vez, a posição da mandíbula.[6, 14, 17, 20, 24] Para além disso, diversos autores concluíram ainda que o deslizamento contabilizado a nível intra-‐oral não corresponde em magnitude ao deslocamento condilar.[9, 10, 15, 33-‐35]
Neste contexto foram desenvolvidos os articuladores que constituem instrumentos importantes de diagnóstico, capazes de registar as relações intermaxilares.[26, 36] Permitem ainda a duplicação dos movimentos bordejantes do ciclo mastigatório (movimentos limites) representando o único elemento de
diagnóstico funcional dos registos ortodônticos.[36-‐38] A montagem dos modelos em articulador permite ainda[39, 40]:
− eliminar os reflexos neuromusculares do paciente durante o estudo da oclusão; − estudar e medir a posição condilar e o seu movimento nos três planos do espaço; − estudar os pontos de contacto prematuros;
− realizar a conversão cefalométrica de PIM para RC;
− determinar a relação adequada dos tecidos moles associada à posição de referência de RC; − construir de goteiras;
− avaliar o arco de fecho mandibular;
− avaliar antes da cirurgia e fabricar a goteira cirúrgica; − fabricar um “setup” gnatológico e posicionador;
− ensaiar o tratamento nos modelos em articulador, previamente à sua realização no paciente, para testar a precisão da alteração oclusal;
− avaliar o resultado final;
− projetar a realização de um equilíbrio oclusal preciso; − representar um registo medicolegal mais completo.
Diagnósticos e planos de tratamento ortodônticos realizados sem a análise da montagem dos modelos em articulador em RC poderão incluir erros inerentes à falta da informação proveniente deste dado.[7, 41]
Neste sentido, para se considerar completa a descrição de um esquema oclusal, é necessário não só a obtenção de modelos das arcadas convenientemente articulados em RC, como também o registo da posição condilar determinada pelos contactos interdentários do paciente em PIM.[20, 42, 43] Só assim poderão ser detetadas alterações na posição condilar passíveis de influenciar significativamente o diagnóstico e o plano de tratamento que, caso contrário, passariam despercebidas.[12]
Nesta linha de pensamento, vários investigadores avaliaram o deslizamento condilar entre RC e IM e verificaram que estas duas posições não são coincidentes na maioria da população.[6, 20, 24, 25, 27, 39, 44-‐54]
Segundo Utt, discrepâncias entre ORC e PIM avaliadas no indicador de posição condilar (IPC) superiores a 2 mm nos planos sagital e vertical, ou de 0,5 mm no plano transversal apresentam significância clínica.[12] Também Ponces chegou a uma conclusão concordante aferindo valores de deslocamento condilar com significância clínica de 1,8 mm nos planos sagital e vertical e 0,5 mm no plano transversal.[55] No entanto, alguns autores observaram que, em populações ortodônticas não tratadas, a discrepância era inferior a 2 mm na generalidade da população e, como tal, aceite como normal.[56-‐59] Contrariamente, Utt defende que aproximadamente 19% da população de pacientes ortodônticos apresenta deslocamentos condilares superiores a 2 mm, o que reforça a necessidade de uma avaliação cuidadosa e completa de todos os parâmetros mencionados.[12] Os resultados obtidos numa investigação semelhante realizada por Weffort e Fantini, concluíram que 20% da população assintomática apresentava deslocamento condilar significativo entre
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ORC-‐PIM.[35] Também Fantini, Ponces Crawford, Roth, Williamson e Girardot obtiveram resultados sobreponíveis com os anteriores.[18, 20, 21, 27, 28, 60, 61]
Vários métodos foram desenvolvidos para aferir a posição condilar tanto a nível clínico, como a nível radiológico.