• Nenhum resultado encontrado

A importância atribuída ao jogo na aprendizagem da criança é uma perspectiva que se tem desenvolvido ao longo dos séculos. De facto, desde a Antiguidade que aquele tem constituído um tema de estudo que, recorrentemente, interessa aos investigadores. No entanto, é com a eclosão do movimento científico-experimental, no século XVIII, que o jogo assume um estatuto diferente devido, essencialmente, à influência de algumas cor- rentes filosóficas e pedagógicas, nomeadamente, às posições de Locke e de Rousseau; o primeiro ao defender a tese de que todo o conhecimento tem a

Psicologia Educação e Cultura 2004, vol. VIII, nº 2, pp.339-355

© P.P.C.M.C.M. - Colégio Internato dos Carvalhos

Morada (address): Luísa Morgado, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra, Rua do Colégio Novo, 3000-115 Coimbra, Portugal.

1Este artigo é o resumo de uma dissertação de mestrado em Psicologia, intitulada “Jogos de Regras: Realização e

Invenção. Análise de erros e estratégias em crianças de 5/6 anos”, realizada pela primeira autora sob a orientação científica da segunda. Esta dissertação foi apresentada à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, em 2004

sua origem nos sentidos, levou o segundo a reforçar o papel do jogo consi- derando-o como um importante recurso para proporcionar novas aprendi- zagens ao sujeito.

A Escola Activa, que surge na segunda metade do século XIX, vem, igual- mente, sublinhar a importância do jogo ao valorizar a experiência pessoal do aluno como fundamento da sua educação intelectual, social e moral. Na ver- dade, os seus pressupostos teóricos assentam em dois princípios fundamentais: o primeiro reside na afirmação de que o elemento básico da educação inte- lectual da criança é constituído pela sua actividade pessoal, fazendo-a pensar em vez de pensar por ela (Ferriére, 1969); o segundo refere-se à importância da concessão de liberdade à actividade infantil, com vista ao desenvolvimento da autonomia moral, social e intelectual, conduzindo à criação de um adulto adaptado, criativo e altruísta. Deste modo, a Escola Activa privilegia a experi- mentação, a qual assegura ao aluno um papel interventivo, reforçando e fun- damentando a utilização de novas estratégias e de técnicas pedagógicas. É, ainda, destacado por ela “que a cooperação social, o trabalho de grupo, a inter-ajuda e a manipulação directa dos materiais são os processos ideais pa- ra favorecer um ensino que leve à construção de novos conhecimentos” (Mor- gado, 1988, p. 88).

A partir do posicionamento geral dos autores da Escola Activa, de en- tre os quais é justo destacar E. Claparède , “Piaget vem apresentar uma vi- são crítica da chamada escola tradicional a qual apela para uma transmis- são de conhecimentos por via oral, considerando a criança como portadora de um espírito passivo e vazio onde se deveriam ir progressiva- mente imprimindo os conhecimentos que o professor achasse por bem transmitir-lhe” (Morgado, 1988, p. 87). Na verdade, desde muito cedo, Piaget (1928) revelou interesse pelas questões psico-pedagógicas, procu- rando contribuir para a análise da relação entre o desenvolvimento cogni- tivo, encarado como formação e construção de conhecimentos, e a prática pedagógica que lhe está associada. Dado o relevo que atribui à acção do sujeito, bem fundamentado nos seus estudos empíricos, Piaget confere su- porte teórico à pedagogia da Escola Activa na medida em que esta tem em conta a actividade mental da criança, considerada, aliás, pelo autor, como um dos factores principais do seu desenvolvimento cognitivo. Como afirma Piaget, “a tarefa da educação é formar o raciocínio”, ou seja, levar o alu- no a aprender a aprender (Piaget, 1972, p. 50). O autor sublinha, igual-

mente, a importância dos métodos activos no desenvolvimento psicológico da criança, bem como o valor da aprendizagem operatória , uma vez que ambos, se caracterizam basicamente por conduzir o aluno à descoberta de soluções para os problemas com que é confrontado, em função do seu nível psicogenético e dos seus interesses, conferindo especial relevo à sua pes- quisa espontânea.

É pois, neste contexto, que o jogo assume um papel fundamental, sen- do “por isso que os métodos activos de educação dos pequenos exigem to- dos que se forneça às crianças um material conveniente a fim de que, ao jogarem, consigam assimilar as realidades intelectuais que, sem isso, per- maneceriam exteriores à inteligência infantil.” (Piaget, 1970, p. 226). A própria concepção do conhecimento, como resultante da interacção entre o sujeito e o meio, constitui a principal razão para se intervir pelo jogo. O objectivo desta intervenção, junto das crianças, é possibilitar as trocas que desafiam o raciocínio de um sujeito que é construtor do seu próprio saber (Brenelli, 1996). No conjunto dos jogos destacam-se, pela sua boa adapta- ção à faixa etária do início da escolaridade obrigatória, os denominados jogos de regras, os quais podem ser caracterizados, fundamentalmente, por uma actividade que propõe ao sujeito uma situação-problema (objecti- vo do jogo), um resultado em função desse objectivo e um conjunto de re- gras. A sua execução, normalmente em grupo, impele o jogador a encon- trar ou a produzir estratégias, tendo em vista um resultado favorável, inserindo-o num contexto de oposição ao adversário. Na verdade, ao ser desafiado o raciocínio das crianças pelo jogo, desencadeiam-se os meca- nismos de regulação compensatória que intervêm no processo de equilibra- ção, responsável pelas estruturas mentais que possibilitam o conhecimento e a aprendizagem Nesta mesma linha (Brenelli, 1996) considera-se que, por meio dos jogos, se pode, de facto, intervir nos processos cognitivos, uma vez que estes permitem aos sujeitos criar estratégias, trabalhar proces- sos heurísticos, lidar com contradições, proceder à leitura de observáveis e construir coordenações, antecipações e retroacções, favorecendo a tomada de consciência e a abstracção reflexiva. .Em suma, aqueles, enquanto si- tuações de comunicação e de conflito intra e inter-individual, constituem-se como um excelente instrumento de intervenção pedagógica e, por isso, são reconhecidos, por diversos autores, como fundamentais para o desenvolvi- mento cognitivo (Brenelli, 1996; Furth & Wachs, 1974; Kamii & DeClark, 1986; Kamii & DeVries, 1991).