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Tanto quanto sabemos, o primeiro estudo empírico desenvolvimental no perdão é de Darby e Schlenker (1982). Estes autores estiveram sobretudo inte- ressados no efeito das desculpas na culpa e castigo em crianças com idades de 6, 9 e 12 anos, mas também incluem nas suas experiências uma escala do perdão. Numa das experiências apresentou-se aos participantes cenários des- crevendo uma personagem central, Pat, andando pelos corredores de uma es- cola e que inadvertidamente chocou contra outra criança. A responsabilidade de Pat pelo incidente, o nível do prejuízo causado e a resposta de Pat ao inci- dente foram sistematicamente variadas. Pat foi descrito quer como (a) conti- nuando simplesmente a andar depois do incidente, sem dizer ou fazer nada,

(b) dizendo simplesmente “Desculpa”, (c) dizendo “Lamento, sinto-me mal com isto”, ou (d) dizendo “Lamento, sinto-me mal por isto. Por favor deixa-me aju- dar-te”. Uma das questões colocadas aos participantes foi a seguinte “Pensas que Pat deve ser perdoado pelo que aconteceu, e se sim, até que ponto é que pensas que Pat deve ser perdoado?” Foi estabelecida uma escala de resposta de 10 pontos indo desde Nada até Muito. A média das respostas observadas mostrou que quanto mais elaboradas as desculpas mais Pat é perdoado (Ms = respectivamente 4,3; 5,4; 6,4; 7,3). Não foi encontrada interacção Idade x Desculpas.

Noutra experiência, Pat foi descrito a andar de baloiço com a turma. En- quanto andava, Pat provocou a queda de outra criança, que aparentemente se magoou. A intencionalidade, os motivos, a resposta ao incidente de Pat (a-d) foram sistematicamente variados. Mais uma vez as médias das respostas mos- traram outra vez que quanto mais elaboradas as desculpas mais Pat é per- doado (Ms = 4,8; 5,1; 6,3; 6,4) mas foi encontrada uma interacção Idade x Desculpas. O efeito das desculpas foi muito mais pronunciado aos 12 anos de idade (3,3; 4,6; 6,7; 7,8) do que nas crianças mais novas (6,4; 5,5; 6,0; 6,2).

Enright e o desenvolvimento moral do perdão

Enright e o seu grupo de psicologia do desenvolvimento podem ser credi- tados por terem conduzido o primeiro conjunto de estudos experimentais so- bre o desenvolvimento do perdão (Enright, Santos e Al-Mabuk, 1989, ver tam- bém Enright, 1991, 1994; Enright, Gassin e Wu, 1992). A teoria de Enright do desenvolvimento do raciocínio em relação ao perdão baseou-se na teoria de Kohlberg (1976) de desenvolvimento do raciocínio moral (ver também Spi- dell e Liberman, 1981). Como se pode ver no Quadro 1, cada estádio do mo- delo de Kohlberg corresponde a um e apenas um estádio do modelo de En- right. Nos estádios inferiores – Perdão Vingativo e Perdão Restituidor – o perdão pode apenas ocorrer depois de o culpado ter sido sujeito à vingança ou punição apropriadas. Nos estádios intermédios – Perdão Expectante ou Perdão como Harmonia Social – o perdão pode ser garantido apenas se estão presentes pressões de outros significativos.

Quadro 1 - Estádios de justiça e estádios de desenvolvimento do perdão (adaptado de Enright,

Santos e Al-Mabuk, 1989).

Sistema Social e Consciên- cia. As leis sociais são os

meus guias para a justiça. Faço cumprir as leis para ter uma sociedade ordena- da.

Estádio 4

Perdão Legítimo Expectante.

Perdoo porque a minha filosofia de vida ou a minha religião o exigem.

Imagine que Heinz é um homem muito religioso, O líder da igreja diz-lhe que ele não deve ficar tão zan- gado com o farmacêutico. Iria isto ajudar Heinz a perdoar?

Expectativas Interpessoais Mútuas. Aqui, penso que o

consenso do grupo deve decidir o que está certo e o que está errado.

Estádio 3 Perdão Expectante. Posso

perdoar se os outros me pressionarem para per- doar. Perdoo porque outras pessoas o esperam.

Suponha que os amigos de Heinz vão visitá-lo e dizem “Queremos que sejas amigo do farmacêutico”. Iria isto acabar com a sua tristeza e raiva e torná-lo como o farmacêutico?

Individualismo. Tenho um

sentido de reciprocidade que define justiça para mim. Se me ajudares, eu tenho que te ajudar.

Estádio 2 Perdão Condicional ou Restituidor. Se puder recu-

perar o que me foi tirado, então posso perdoar.

Imagine que o farmacêutico dá muito dinheiro a Heinz. Faria isto com que Heinz ficasse melhor? Iria isto ajudá-lo a perdoar?

Moralidade Heterónima.

Acredito que a justiça deve ser decidida pelas autorida- des.

Estádio 1 Perdão Vingativo. Posso

perdoar alguém que me ofende apenas se puder puni-lo num grau semelhan- te à minha própria dor.

Se Heinz tivesse ajustado as contas com o farmacêutico fazendo com que ele tivesse de fechar o seu negócio, iria isso tornar Heinz menos triste do que ele está agora?

Estádios de Justiça Estádios de Perdão Correspondentes

Exemplos de Questões Ligadas a cada Estádio

É apenas no estádio mais alto do modelo – Perdão como Amor – que o perdão é concebido como uma atitude incondicional e que o perdão é visto como fomentador de afecto positivo e de boa vontade. Este último estádio é aquele que melhor ilustra a diferença entre as concepções de perdão de Pia- get e Enright. De acordo com Enright (1994), o perdão, devido ao seu carác- ter gratuito não implica qualquer tipo de reciprocidade (mesmo reciprocidade infinita), como referido por Piaget (1932).

O procedimento usado nos estudos de Enright para testar o seu modelo também foi directamente emprestado de Kohlberg (1976). Dois dos dilemas usados por este autor foram adaptados e ligeiramente alterados para estudar o raciocínio sobre o perdão. Estes eram os bem conhecidos “ dilema de Heinz” e o “dilema do prisioneiro em fuga”. O dilema original de Heinz é o seguinte.

Estádios de Justiça Estádios de Perdão Correspondentes

Exemplos de Questões Ligadas a cada Estádio

do Perdão

Suponha que Heinz não guarda nenhum sentimento de rancor em relação ao farmacêutico e até acaba por amá-lo. Agora o farma- cêutico esconde outro medi- camento quando Heinz está doente. Poderá Heinz per- doar o farmacêutico agora?

Estádio 6

Perdão como amor. Perdoo

porque tal promove um verdadeiro sentido de amor. Porque devo real- mente interessar-me por cada pessoa, um acto doloroso da sua parte não altera esse sentido de amor. Este tipo de relacionamento mantém aberta a possibili- dade de reconciliação e fecha a porta da vingança.

Princípios Éticos Universais.

O meu sentido de justiça é baseado em manter a defesa dos direitos indivi- duais de todas as pessoas. As pessoas são fins em si próprios e devem ser trata- das como tal.

Há benefícios quando uma pessoa zangada como Heinz perdoa o farmacêuti- co?

Estádio 5 Perdão como Harmonia Social. Perdoo porque isso

restabelece harmonia ou boas relações na socieda- de. É uma forma de manter relações pacíficas.

Contrato Social. Estou

consciente que as pessoas têm uma variedade de opiniões. Uma pessoa deve sempre seguir os valores e as regras do grupo. Alguns valores devem ser mantidos apesar da opinião da maioria.

Uma mulher está perto de morrer de cancro. Um farmacêutico descobriu um medicamento que os médicos acreditam poder sal- vá-la. O farmacêutico está a cobrar $2000 por uma pequena do- se – dez vezes mais o que lhe custa fazer esse medicamento. O marido da mulher doente, Heinz, pede emprestado a todas as pessoas que conhece mas apenas consegue juntar $1000. Ele su- plica ao farmacêutico para lhe vender o medicamento por menos ou deixá-lo pagar mais tarde. O farmacêutico recusa, dizendo, “Eu descobri o medicamento e vou ganhar dinheiro com isso”. Heinz, desesperado, assalta a farmácia e rouba o medicamento. Deveria Heinz ter feito isso? Porquê ou por que não?

A alteração feita por Enright diz respeito à última parte do dilema. O farmacêutico esperava que Heinz roubasse o medicamen- to. Por isso, o farmacêutico escondeu-o onde ninguém o pudesse encontrar. A mulher de Heinz morreu. Heinz sentiu-se profunda- mente triste com a morte dela e muito zangado com o farmacêuti- co por este ter escondido o medicamento e ter causado a morte. O fim do “dilema do prisioneiro em fuga” também foi alterado. Um con- junto de questões, idealizadas para corresponder com um e apenas um nível do desenvolvimento do perdão, foi apresentado a cada participante (N=119) em formato de entrevista. No quadro 1 também são dados alguns exemplos de questões de diferentes níveis. Foram também apresentados três items selec- cionados do Defining Issue Test (Rest, 1979).

O resultado médio observado nos participantes entre os 9 e os 10 anos de idade esteve perto do 2 (estádio 2). Isto significa que, em média, os partici- pantes mais novos estavam dispostos a considerar que o perdão pode apenas ocorrer depois do que foi retirado estiver propriamente substituído ou compen- sado. Isto correspondia com o que Enright designou de estádio pre-perdão. O resultado médio observado nos participantes entre os 15 e os 16 anos esteve perto do 3 (estádio 3). Isto significa que, em média, os adolescentes mais no- vos estavam dispostos a considerar que o perdão pode ocorrer como uma consequência de atitudes favoráveis expressas por outros mais próximos, mes- mo se o que foi retirado não tiver sido restaurado. (Para os participantes entre os 12 e os 13 anos de idade, o resultado médio esteve localizado entre os dois). Finalmente, o resultado médio observado em estudantes universitários e em adultos esteve perto do 4 (estádio 4). Isto significa que os adultos, novos ou de média idade, estavam dispostos a considerar que o perdão pode ocor-

rer como uma consequência das atitudes religiosas ou filosóficas, sem qual- quer intervenção da família ou dos amigos, mesmo se a restituição não ocor- reu. Poucas pessoas podem ser classificadas no estádio 6, Perdão como Amor (sete adultos, para pelo menos um dilema).

Foram observadas diferenças individuais substanciais no interior dos gru- pos de idades. O desvio padrão médio obtido dentro dos grupos de idades rondou os 0,70. Isto significa que, em cada nível de idade, cerca de 40% dos participantes obtiveram resultados acima ou abaixo do nível modal de perdão observado. Não foram observadas diferenças de género. A correlação entre a idade e o estádio do perdão foi forte (rondou os 0,70). A correlação entre o score Defining Issue Test e o estádio do perdão foi mais baixa (à volta de 0,50). O padrão dos resultados obtidos por Enright em amostras nos E.U.A. foi subsequentemente replicado numa amostra da Formosa (Huang, 1990, ci- tado em Enright, Gassin e Wu, 1992) e numa amostra da Coreia, usando um dilema da vida real assim como dilemas Defining Issue Test (Park e Enright, 1997).

O perdão na última fase da adolescência e no meio da