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Discussão geral e conclusões

O objectivo geral desta investigação era contribuir para a clarificação do papel de aspectos cognitivos e linguísticos no raciocínio inclusivo de crianças de 5/6 anos. No seu todo, os resultados dos dois estudos efectuados mostram que: (a) quando se elege como critério de sucesso apenas os juízos da crian-

ça, a introdução de uma pergunta prévia de comparação entre as subclasses não melhora significativamente o seu desempenho numa prova de inclusão com duas subclasses; (b) acontece o contrário na prova com três subclasses, quando a pergunta prévia pede uma comparação entre as duas subclasses menos extensas e a pergunta-teste pede uma comparação entre a classe supe- rordenada e a subclasse intermédia; (c) o nível de desempenho é sempre me- nor quando se utiliza o critério de juízos com justificações operatórias, caso em que, tanto na versão de duas como na de três subclasses, a diferença de desempenho nas duas condições linguísticas deixa de ser significativa; e (d) a maioria das crianças de 5/6 anos não domina ainda o raciocínio inclusivo, sendo isto particularmente visível quando se considera o seu desempenho na questão relativa ao conhecimento necessário.

Os nossos dados parecem enfraquecer a posição de Siegal e de muitos outros (e.g., Siegal, 1991, 1999; Siegal et al., 1988; Siegel, 1978; Trabasso et al., 1978) de que a linguagem tem uma influência no raciocínio inclusivo que Piaget deixou escapar. Sendo assim, no seu conjunto os dados deste estu- do reforçam a ideia de Piaget de que o raciocínio inclusivo é mais uma com- petência operatória que implica certeza lógica racional e sentimento de neces- sidade lógica. Ao contrário, desafiam a ideia de muitos dos seus críticos, Siegal em, especial, de que essa forma de raciocínio é uma competência de ti- po funcional na dependência directa de múltiplos factores de desempenho, lin- guísticos em particular, e que apenas leva a conhecimentos admitidos a título de probabilidade empírica.

Embora os resultados do Estudo 1 não tenham reproduzido os de Carpen- dale et al. (1996), a explicação Piagetiana, contrariamente à interpretação que dela faz Siegal, não é incompatível com a explicação que aqueles autores propõem para os resultados da sua investigação. Não podemos mesmo dei- xar de concordar com a sua posição de que é necessária uma teoria que in- corpore os aspectos linguísticos na explicação do raciocínio inclusivo e não uma teoria que assuma que a competência lógica é totalmente distinta da lin- guística. Em vez de considerarmos o défice linguístico como independente da competência inclusiva, parece-nos, tal como a Carpendale et al. (1996), que “é a própria dificuldade que as crianças mais novas têm com este tipo de ra- ciocínio que as leva a interpretar erradamente a pergunta-teste, dada a sua ambiguidade” (p.403).

Outro aspecto que importa salientar é que, contrariamente ao que aconte- ceu na versão com duas subclasses, a frequência de juízos correctos na versão com três subclasses, em ambas as condições, foi significativamente superior à dos incorrectos. Embora estas duas metodologias de avaliação não sejam di-

rectamente comparáveis, uma vez que, além da introdução de uma terceira subclasse, a pergunta-teste no segundo estudo pedia uma comparação com a subclasse de extensão intermédia e não com a subclasse mais extensa, é pos- sível que a versão com três subclasses facilite o desempenho das crianças mais novas. Uma explicação possível é que a introdução de mais subclasses au- mente a coerência e estabilidade da classe superordenada, o que favorece a manutenção diferenciada dos dois níveis hierárquicos (animais e vacas) no momento da comparação. Pode também pensar-se que a existência de três subclasses leva a mais juízos correctos porque uma das prováveis compara- ções entre subclasses (i.e., vacas e cavalos) dá lugar a juízos correctos (i.e.,

Há mais animais do que vacas), embora justificados de modo funcional (i.e., porque as vacas são poucas e os cavalos são muitos).

Este melhor desempenho na versão com três subclasses parece ser dificil- mente explicável em termos das teorias de processamento da informação (e.g., Meadows, 1977; Trabasso et al., 1978). Havendo três subclasses envol- vidas, o número de comparações que a criança teria de fazer tornaria esta ta- refa muito mais pesada, quer pelo espaço de memória ocupado, quer pelo número de passos envolvidos na resolução do problema em causa. A utiliza- ção do princípio de inclusão (se B = A + A’ + A’’, então B > A’) seria aqui mais heurística. O facto da frequência de juízos com justificações operatórias não ser significativamente superior à do estudo com duas subclasses mostra, contu- do, que a melhoria em termos de juízos na versão com três subclasses deve ser relativizada.

Poderá ser interessante, numa próxima investigação, utilizar novas varia- ções da prova com três subclasses, para se ter uma ideia mais precisa do seu efeito sobre o desempenho das crianças. Convém, contudo, lembrar que, ao introduzir esta modificação, não devemos cair no mesmo erro das investiga- ções que criticámos: supor que estamos a avaliar a mesma competência que a prova clássica de inclusão de classes.

O outro objectivo do presente estudo prendia-se com a avaliação do co- nhecimento necessário, conhecimento cuja origem e construção é, na teoria de Piaget (1967), uma questão epistemológica sempre presente (Smith, 1993) e, mais especificamente, um dos principais objectivos nos seus estudos sobre a inclusão de classes.

Quando se verificaram diferenças significativas entre as respostas correc- tas à pergunta-teste e à pergunta sobre o conhecimento necessário, o que ocorreu por vezes ao nível dos juízos e outras ao nível dos juízos com justifica- ção, os melhores resultados foram sempre a favor da pergunta clássica, não da necessidade lógica. Podem ser invocadas duas explicações para estes da-

dos, dados que parecem contrariar a ideia de Piaget de que as respostas ope- ratórias implicam conhecimento necessário.

É possível que tenha ocorrido uma sobreavaliação de justificações opera- tórias nas justificações dadas na questão-teste. Isto pode ter acontecido por- que, por vezes, as crianças davam uma justificação inicial do tipo, porque os

animais são muitos, e era necessário pedir-lhes que especificassem a que ani-

mais se estavam a referir, pedindo-lhes para mostrar os animais, por exemplo. Porém, quando apontavam para todos ou diziam todos, as crianças não esta- vam forçosamente a comparar em simultâneo este todo com uma das partes. Talvez fosse necessário utilizar aqui uma contra sugestão (e.g., Um menino(a)

da tua idade disse-me que havia mais cavalos/vacas que animais, achas que ele(a) pode ter razão?), para se poder avaliar com maior segurança o nível

da argumentação das crianças, em vez de o considerar sempre operatório. Outra alternativa prende-se com o facto de se excluir um quadro de refe- rência concreto na questão modal, o que a pode tornar difícil para crianças da idade em causa. De facto, como o enunciado da questão revela, Pode exis-

tir uma quinta onde haja mais cavalos/vacas que animais?, estamos a pedir à

criança que raciocine sobre possibilidades e não sobre dados concretos, o que pode ser excessivo, mesmo para as crianças operatórias. Embora a crian- ça operatória concreta aceite que o possível se pode afastar do real, estas eventuais possibilidades mantêm-se reduzidas a um número limitado. A utili- zação inicial e não diferenciada das noções modais é marcada por raciocínio circular e inconsistência, dando progressivamente lugar à construção de novas possibilidades, embora a eliminação total de erros modais seja o limite inatin- gível da mudança epistémica (Smith, 1993).

Poderia ser interessante, numa futura investigação, utilizar uma questão de conhecimento necessário em que se perguntasse aos participantes se, ma- nipulando material concreto, era possível fazer com que houvesse mais cava-

los do que animais? (ver, a este respeito, Markman, 1978, por exemplo), ou

utilizar uma questão do tipo, No mundo inteiro, há mais animais ou mais ca-

valos?, para podermos tirar conclusões mais definitivas a respeito do carácter

lógico das respostas das crianças.

A confirmar-se, o facto das respostas correctas na versão clássica das provas de inclusão de classes não implicarem conhecimento necessário pode pôr em causa o caracter lógico dessas respostas. Assim sendo, o sucesso nas versões clássicas poderá não ser “o critério mais perfeito” da compreensão operatória da classificação lógica (Piaget & Inhelder, 1967, p. 287), o que tornaria mais frágil a formalização Piagetiana. De facto, quando a criança fracassa na tarefa de conhecimento necessário, considerando possível que,

aumentando a extensão da subclasse, esta se torne superior à da classe supe- rordenada, está a violar a propriedade da idempotência ou tautologia da adi- ção de classes (i.e., A + A = A), característica da estrutura de agrupamento que descreve formalmente as operações concretas.

Seja como for, a questão levantada por Piaget não era se o pensamento das crianças de 5/6 anos era lógico. Em certo sentido todo o pensamento é lógico, porque assenta em estruturas organizadas de acção (Smith, 1991). A questão era como é que o conhecimento evolui e os nossos dados mostram claramente que as crianças pré-escolares evidenciam diferentes tipos de co- nhecimento: todas são capazes de realizar comparações correctas entre sub- classes; apenas uma minoria possui um conhecimento verdadeiro que lhe per- mite resolver problemas de inclusão; e apenas uma pequeníssima parte é capaz de raciocínio dedutivo envolvendo conhecimento necessário, o que está de acordo com estudos anteriores (e.g. Bideau e Houdé, 1989; Mark- man,1978; Müller et al., 1999).

Embora tenha gerado investigações engenhosas, a perspectiva funcional que tem dominado nesta área não é, como mostram os dados desta investiga- ção, isenta de críticas. Salientar as dificuldades das tarefas clássicas e como é que elas podem ser ultrapassadas através de versões simplificadas não nos elucida sobre o desenvolvimento relativamente natural desta competência nem sobre o modo como essas dificuldades são realmente ultrapassadas. Por estu- dada e debatida que tenha sido, a polémica em torno da natureza do raciocí- nio inclusivo exige ainda a realização de novas investigações. Nomeadamen- te, de estudos longitudinais, bem como de estudos com crianças de diferentes níveis operatórios. Uns como outros podem mostrar-se úteis para esclarecer algumas das inconsistências que têm sido encontradas neste domínio e que continuam certamente a provocar a irritação da dúvida que, como nenhuma outra, a teoria de Piaget tem sido capaz de alimentar.

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COGNITIVE AND LINGUISTIC ASPECTS IN