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RACIOCÍNIO PRÓ-SOCIAL E PERSPECTIVA COGNITIVA? 1 Alice Espirito Santo

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Lisboa

M. Stella Aguiar

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Lisboa

Resumo

No domínio da cognição social, a tomada de perspectiva cognitiva tem interessado a investigação recente e tem sido positivamente relacionada com a capacidade de comunica- ção, de relação interpessoal e de resolução de problemas pró-sociais. O presente estudo pretende agora determinar se o pensamento pró-social promove o desenvolvimento da competência de tomada de perspectiva cognitiva. Em duas sessões, de pré- e pós-teste, avaliámos a competência de tomada de perspectiva cognitiva de 40 crianças de 6/7 anos, do 1º ano do Ensino Básico, através da Prova da Macieira, adaptada de Flavell (1968). Os sujeitos foram divididos em dois grupos, de controlo e experimental, e o grupo experimen- tal foi submetido a duas sessões de treino do raciocínio pró-social, onde os sujeitos eram confrontados com a resolução dos dilemas repartir e ajudar, propostos e adaptados de Lou- renço (1991), e onde se induzia a experiência de conflito cognitivo entre o ponto de vista próprio e os pontos de vista contraditórios de vários modelos sociais. Verificámos que 60% das crianças do grupo experimental melhoraram o seu nível de desempenho do pré- ao pós- teste, o que só ocorreu com 5% do grupo de controlo e confirma o efeito positivo da indu- ção do pensamento pró-social na tomada de perspectiva cognitiva.

PALAVRAS-CHAVE: Tomada de perspectiva cognitiva, pensamento pró-social, treino pró-

social.

A competência da criança para compreender como os outros pensam, sentem e se comportam é crucial para a qualidade das relações sociais que vai estabelecendo (Dunn, 1991).

A investigação no domínio da cognição social procura, não só descrever como se desenvolve o conhecimento acerca do mundo social, mas responder também à necessidade prática de promoção de competências relacionais (Higgins, 1981; Shantz, 1981) e alguns estudos sugerem que a competência de tomada de perspectiva cognitiva facilita a interacção do sujeito com os

Psicologia Educação e Cultura 2004, vol. VIII, nº 2, pp. 357-380

© P.P.C.M.C.M. - Colégio Internato dos Carvalhos

Morada (address): Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade, 1600 Lisboa, Portugal. E-mail: aliespiritosanto@hotmail.com.

1Agradecimentos: Agradecemos a colaboração da directora da escola, dos professores e das crianças que nos permitiram

realizar este estudo. Agradecemos também à Dr.ª Sónia Barroso a sua colaboração para o tratamento estatístico dos resultados e ao Fernando Espirito Santo a realização do material gráfico que utilizámos.

seus parceiros sociais (Beaudichon e Bideaud, 1979; Flavell, 1968; Vander- plas-Holper, 1983).

O presente estudo inscreve-se nesta temática, mas pretende avaliar a efi- cácia de um procedimento de indução do raciocínio pró-social no desenvolvi- mento da tomada de perspectiva cognitiva.

Na definição de Flavell (1968, p.1), a tomada de perspectiva cognitiva ou

“role-taking” é “a competência e disposição generalizada para tomar o papel

de outra pessoa no sentido cognitivo, isto é, para avaliar as suas capacidades e tendências de resposta numa dada situação”. Metaforicamente, a tomada de perspectiva tem sido descrita como a capacidade de “ver o mundo através dos olhos do outro” ou de “nos colocarmos na sua pele” (Higgins, 1981, p. 119) quando emitimos juízos ou planificamos comportamentos.

Ainda segundo Flavell (1992), a tomada de perspectiva supõe a coorde- nação de descritivos mentais da realidade física ou social que, pela sua natu- reza, induzem a distinção de várias modalidades de tomada de perspectiva:

perceptiva, se o sujeito infere a percepção do outro; afectiva, se infere os seus

sentimentos e emoções; e cognitiva, se infere os pensamentos, motivos, inten- ções e comportamentos de outrem (Eisenberg, 1986; Flavell 1992; Higgins, 1981). Selman (1980) considera também a tomada de perspectiva social ou

interpessoal, ou seja, a inferência e coordenação de outros pontos de vista em

situações de relação social que não envolvem questões normativas ou ligadas ao dever.

A emergência tardia e a complexidade desta conduta levam Flavell (1992) e os investigadores que se inspiram na teoria de Piaget a considerar que o desenvolvimento cognitivo é condição necessária, embora não suficien- te, do desenvolvimento da tomada de perspectiva (Beaudichon e Bideaud, 1979; Krebs e Gilmore, 1982).

Nos anos pré-escolares, a criança permanece cognitivamente egocêntrica e não concebe outras perspectivas perceptivas, afectivas e comportamentais para além da sua, mas, por volta dos 7/8 anos, começa a compreender que a sua interpretação ou ponto de vista coexiste com outras interpretações ou pontos de vista possíveis, adquirindo assim a capacidade de descentração, inerente e indissociável da competência de tomada de perspectiva (Piaget, 1926). Ainda segundo Piaget, a passagem do egocentrismo à descentração é favorecida pela experiência de conflito cognitivo ou de confronto, interpessoal e intra-psíquico, entre pontos de vista ou dimensões contrastantes face ao mes- mo problema físico ou social. Assim, do ponto de vista estrutural, a interacção social nem sempre favorece o desenvolvimento da tomada de perspectiva, pois só haverá mudança se o confronto com outras perspectivas levar o sujeito

a alterar o seu esquema cognitivo inicial para se acomodar e integrar os pon- tos de vista contrastantes (Shantz, 1981).

Paralelamente, os teóricos da aprendizagem social chamam a atenção para os componentes funcionais da conduta, também associados ao desen- volvimento da tomada de perspectiva, e mostram como a maioria dos com- portamentos humanos são aprendidos através da observação de outros que servem como modelos e do reforço social (Bandura, 1977; Bandura e Wal- ters, 1963; Eisler e Frederikson, 1980; Heiss, 1981). Por um lado, a observa- ção da conduta alheia numa certa situação - observação de modelos fisica- mente presentes (e.g., pais, professores, pares, etc.), representações pictóricas e/ou descrições verbais (e.g., personagens da televisão, cinema,

softwares, banda desenhada ou literatura) - leva o observador a construir

uma representação simbólica do desempenho modelado que serve de direc- triz para a sua própria acção. Por outro lado, as características sociais do modelo aumentam a probabilidade de ser imitado, sendo os modelos com elevado prestígio, poder, competência social ou similitude com o observador particularmente imitados. Por outro lado ainda, as consequências do padrão de comportamento modelado também são factor de aprendizagem social, pois a observação do reforço (reforço vicariante), positivo ou negativo, que o modelo recebe leva o sujeito a antecipar os reforços que ele próprio poderá obter com comportamento semelhante, o que influencia a reprodução ou ini- bição dessa conduta. Alguns estudos, que nos interessam especificamente, mostram que: (a) a exposição a modelos de conduta pró-social como, por exemplo, modelos generosos, favorece a aprendizagem deste tipo de com- portamentos, enquanto a exposição a modelos avarentos induz condutas egoístas (Eisenberg, 1986); e que (b) modelos simbólicos que dramatizam conflitos morais influenciam o desenvolvimento do juízo moral, pois veiculam a noção de conduta socialmente desejável ou repreensível e as respectivas consequências sociais (Bandura, 1991).

Mas a aprendizagem social é também conceptualizada como um proces- so dinâmico de construção do conhecimento, uma vez que a conduta do mo- delo raramente é reproduzida. O observador abstrai os atributos comuns a várias acções modeladas e/ou a vários modelos sociais, organiza princípios de conduta com características estruturais semelhantes e constrói um padrão idiossincrático de comportamento que pode mesmo transcender os conteúdos observados. O conhecimento acerca das pessoas, do que fazem e como fa- zem permite então coordenar a perspectiva própria com a de outrem e emitir juízos ou mobilizar condutas social e relacionalmente mais adequados (Ban- dura, 1977; Higgins, 1981).

Relativamente à tomada de perspectiva cognitiva que nos interessa, a con- jugação das descrições estruturais e funcionais sugere que esta competência leva o sujeito a apreender os atributos e antecipar o comportamento do par- ceiro social, ou seja, inferir os seus pensamentos, sentimentos, motivações e respostas, e a ajustar o comportamento próprio com o outro ou com a situa- ção, adaptando o seu papel social ao papel do interlocutor e/ou ao contexto de interacção. Para o conseguir, o sujeito utiliza e integra dois tipos de infor- mação: as expectativas de papel preexistente ou o conhecimento das reacções prováveis do outro que foi inferindo da observação da conduta de diferentes pessoas em diferentes contextos; e a sua percepção de papel actual ou a ob- servação que faz das reacções do interlocutor na situação presente (Beaudi- chon e Bideaud, 1979; Flavell, 1968; Vandenplas-Holper, 1983). Neste estu- do, procuramos também combinar as duas abordagens, estrutural e funcional, de compreensão do desenvolvimento da tomada de perspectiva cognitiva, tes- tando o efeito de uma situação experimental de modelação social indutora de conflito e reorganização cognitivos.

No âmbito da pesquisa básica, a tomada de perspectiva cognitiva tem si- do relacionada com o raciocínio moral, o juízo que se refere ao domínio nor- mativo, o raciocínio prescritivo do que é certo ou errado, bom ou mau, dos deveres e direitos de justiça (Bandura, 1991; Keller e Edelstein, 1991; Krebs e Gilmore, 1982; Selman, 1995; Walker, 1980). Mas, embora a tomada de perspectiva assuma particular importância na resolução de conflitos morais, Kohlberg (1987) considera que o desenvolvimento desta competência é ape- nas uma condição necessária e não suficiente do desenvolvimento moral.

Alguns estudos sugerem ainda que a tomada de perspectiva cognitiva se relaciona positivamente com o raciocínio altruísta ou pró-social, o raciocínio que vai além do normativo, da moralidade do dever (relativa aos deveres ne- gativos), pois aborda os deveres positivos, a moralidade do bem e os compor- tamentos voluntários que beneficiam o outro (Iannotti, 1978; Lourenço, 2002; Mendelshon e Straker, 1999). Eisenberg (1986) argumenta contudo que nem todos os estudos confirmam esta relação, pois embora níveis elevados de ra- ciocínio pró-social exijam capacidade de tomada de perspectiva cognitiva, es- ta competência nem sempre induz pensamentos e/ou comportamentos altruís- tas quando o sujeito observa outros em necessidade. Seja como seja, a maioria dos estudos abordam o impacto de variáveis cognitivas ou sócio-cog- nitivas no desenvolvimento moral e/ou pró-social, sendo sensível um padrão de décalage entre o desenvolvimento moral, que tende a ser posterior ao de- senvolvimento da tomada de perspectiva que, por sua vez, tende a seguir o desenvolvimento cognitivo.

A investigação do desenvolvimento do raciocínio moral positivo ou pró-so- cial confronta habitualmente sujeitos de vários níveis etários à resolução de dile- mas, situações hipotéticas ou da vida real que induzem a reflexão sobre diferen- tes modalidades de comportamento: repartir, ajudar, dar e confortar. São situações-problema onde as proibições, normas de autoridade e obrigações for- mais são mínimas, mas em que os pensamentos, sentimentos, motivações e ne- cessidades de uma pessoa entram em conflito com os de outra. A opção pelo melhor modo de pensar e agir moral nestas situações requer portanto um exercí- cio de descentração ou de coordenação de pontos de vista diversos (Lourenço, 1991, 2002; Radke-Yarrow, Zahn-Waxler, e Chapman, 1983).

Na investigação sobre o desenvolvimento do raciocínio moral positivo destacam-se os trabalhos de Eisenberg (1986) e de Lourenço (1990, 1991, 1993, 1994, 1997, 1998, 2002). Eisenberg descreve cinco níveis de organi- zação hierárquica, o raciocínio pró-social orientado por preocupações prag-

máticas e hedonistas (nível 1), pelas necessidades do outro (nível 2), pela aprovação interpessoal ou o estereótipo (nível 3), por preocupações empáticas

(nível 4) e por valores abstractos e/ou interiorizados (nível 5). Lourenço pro- põe a abordagem da percepção de custos/ construção de ganhos, que inspi- rou directamente o procedimento de treino que utilizámos neste estudo.

Na conceptualização de Lourenço, o facto da criança pré-escolar revelar pouco altruísmo pode ser justificado pela integração de dois micro-modelos invocados por Piaget (1926), em momentos sucessivos, para explicar a passa- gem do pensamento pré-operatório ao pensamento operatório concreto. Por um lado, a teoria dos jogos envolve a avaliação de custos e ganhos numa si- tuação de conflito de interesses e, por outro lado, a teoria da equilibração postula o primado estrutural da afirmação sobre a negação antes da criança atingir o equilíbrio compensatório inerente à aquisição da lógica operatória. Segundo Lourenço, as crianças altruístas, geralmente mais velhas, são capa- zes de pensar os actos pró-sociais em termos de ganhos, aspecto inferencial, operativo e negativo, enquanto as crianças egoístas, geralmente mais novas, tendem a pensar os actos pró-sociais em termos de custos, aspecto directo, sa- liente, figurativo e afirmativo.

Este corpo de estudos confronta crianças de 4/5, 8/9 e 10/11 anos à re- solução de dilemas pró-sociais relativos às condutas de repartir, ajudar, dar e confortar, questionando-as sobre os possíveis ganhos de um personagem, egoísta ou altruísta, consoante a escolha do sujeito. As respostas obtidas são classificadas em função da natureza dos ganhos referidos: material, se a criança invoca uma recompensa tangível e material; psicológica, se invoca re- compensas psicológicas como, por exemplo, a amizade ou a confiança do

personagem em necessidade; e moral, se invoca recompensas morais, ou seja, se refere que o personagem se sentiu bem porque respeitou uma norma moral ou pró-social. Os resultados mostram que a capacidade para construir ganhos nas quatro modalidades de conduta altruísta tende a ser mais frequente com a idade, capacidade que se relaciona positivamente com o comportamento pró- social efectivamente mobilizado pelo sujeito. Assim, aos 4/5 anos, as crianças fazem mais opções egoístas, pois percebem os actos pró-sociais apenas em termos de custos, geralmente materiais, para o personagem altruísta; as crian- ças um pouco mais velhas (desde os 8/9 anos) apresentam respostas oscilan- tes, de ganhos ou de custos, geralmente materiais; mas, aos 10/11 anos, já antecipam mais os ganhos, pois atribuem vantagens psicológicas ou morais ao comportamento pró-social do personagem altruísta (Lourenço, 1994).

Vimos que a maioria dos estudos descrevem o efeito da tomada de pers- pectiva cognitiva no desenvolvimento moral e/ou pró-social. Contra o que tem sido habitualmente investigado, o estudo empírico que realizámos procura a relação inversa, ou seja, o efeito do raciocínio pró-social no desenvolvimento da competência de tomada de perspectiva cognitiva. Mais precisamente, o presente estudo pretende verificar se o desenvolvimento da competência de to- mada de perspectiva cognitiva é favorecido por uma situação experimental que confronta um grupo de crianças de 6/7 anos com a resolução de dilemas relativos a duas modalidades de raciocínio pró-social e induz uma experiên- cia de conflito cognitivo entre o ponto de vista próprio e os pontos de vista contraditórios de diferentes modelos sociais.

Metodologia

Sujeitos

Participaram neste estudo 40 crianças, 20 rapazes e 20 raparigas, de idades compreendidas entre os 6 anos e 5 meses e os 7 anos e 8 meses (Mé- dia: 6 anos e 7 meses), que frequentavam o 1º ano do Ensino Básico de uma escola pública da área de Lisboa e pertenciam a famílias de nível sócio-eco- nómico médio baixo. Escolheram-se portanto níveis etários em que a maioria dos sujeitos permanecem centrados na sua perspectiva própria (Flavell, 1968). Materiais e Procedimento

Os sujeitos foram observados individualmente, numa sala da escola cedi- da para o efeito. As entrevistas eram realizadas pela primeira autora que, nas

sessões de pré-teste e pós-teste, contava com a presença de um colaborador, e as sessões foram gravadas e posteriormente transcritas (Cf. igualmente Santo, 2004).

Todos os sujeitos foram submetidos a duas sessões, de pré-teste e pós-teste, distanciadas de duas semanas, em que se avaliava a competência de tomada de perspectiva cognitiva através da Prova da Macieira, adaptada de uma si- tuação experimental proposta por Flavell (1968, p.71). Como a maioria das crianças (38/40) se situaram no nível I de tomada de perspectiva, à excepção de duas de nível II, a amostra foi dividida em dois grupos, de controlo e experi- mental, com 10 rapazes e 10 raparigas cada um. Nas duas semanas que de- correram entre o pré- e o pós-teste, o grupo de controlo não sofreu qualquer intervenção, mas os sujeitos do grupo experimental foram submetidos a duas sessões de treino do raciocínio pró-social (uma sessão por semana) e confron- tados com a resolução, espontânea e modelada, de dois dilemas de comporta- mento pró-social relativos às condutas de repartir (1º sessão de treino) e ajudar (2ª sessão de treino), propostos e adaptados de Lourenço (1991).

Em cada sessão de treino, num primeiro momento, pedia-se ao sujeito pa- ra resolver a versão original de um dos referidos dilemas pró-sociais, o que permitia avaliar as suas respostas espontâneas. A título de exemplo, recorda- mos o dilema relativo à conduta de repartir (1º sessão de treino). Consoante o sexo do sujeito, o experimentador apresentava a versão feminina ou masculi- na da história que se segue ilustrada por três cartões, um que representa um potencial receptor e um potencial doador e dois cartões que representam res- pectivamente as duas possibilidades de resposta, egoísta ou altruísta, sendo a ordem de apresentação alternada entre os sujeitos.

“Esta(e) é a(o) Paula/Pedro. É um(a) menina(o) da tua idade que anda na escola. Um dia, tinha fome, queria lan- char, mas não tinha lanche, nem dinheiro para o comprar. Então pediu à(ao) Sara/Sérgio que repartisse o seu bolo com ela(e). Mas a(o) Sara/Sérgio tinha muita fome e só ti- nha esse bolo para o lanche. Se o repartisse com a(o) Pau- la/Pedro, só poderia comer metade e ficaria com fome”.

Após a apresentação do dilema, o experimentador indagava a criança: (Q1) “O que te parece que a(o) Sara/Sérgio vai fazer? Vai repartir? (opção altruísta). Ou não vai repartir? (opção egoísta). Porquê?”; (Q2) “Onde é que achas que a(o) Sara/Sérgio se sente mais feliz? Se repartir? Se não repartir? Porquê?”; e (Q3) “Onde achas que a(o) Sara/Sérgio ganha mais? Quando reparte? Quando não reparte? Porquê?”.

Num segundo momento, o sujeito era confrontado com uma adaptação do dilema original destinada a avaliar as suas respostas modeladas. O expe- rimentador apresentava um novo cartão com duas figuras estilizadas que ilus- tram respectivamente o comportamento altruísta e egoísta e, recuperando os cartões originais que ilustram as duas possibilidades de resposta, recordava a opção de comportamento que a criança tinha atribuído ao potencial doador e colocava o respectivo cartão ao lado da figura estilizada correspondente: “Tu disseste que a(o) Paula/Pedro vai ... (repartir ou não repartir). Então vamos coloca-la(o) aqui ao pé deste boneco que ... (reparte ou não reparte).” Em se- guida, o experimentador apresentava, sucessivamente e sempre na mesma or- dem, seis novos cartões que ilustram o dilema, mas cujas figuras do potencial doador representam diferentes modelos sociais - médico, ladrão, adulto anó- nimo, bombeiro, polícia e professora2 - acompanhados da seguinte indaga-

ção: (Q1) “E se for este médico (ou ladrão, etc.). O que é que te parece que ela(e) vai fazer? Vai repartir? Ou não vai repartir? Porquê?” A criança era então incentivada a colocar o respectivo cartão ao lado da figura estilizada que representava o comportamento altruísta ou egoísta que atribuíra ao per- sonagem-modelo. Após a criança ter posicionado todos os cartões e justifica- do as respostas, o experimentador questionava-a: (Q2) “Quem é que tu achas que se sente mais feliz, os que repartiram ou os que não repartiram? Por- quê?”; (Q3) “Quem é que achas que ganha mais? Os que repartiram ou os que não repartiram? Porquê?”. Na segunda sessão de treino repetia-se o pro- cedimento, embora a indagação se referisse ao dilema relativo à conduta aju- dar (Lourenço, 1991).

Codificação das Respostas

As respostas obtidas nas sessões de pré- e pós-teste foram classificadas por dois juizes independentes segundo os níveis de competência definidos no protocolo de aplicação da Prova da Macieira (Cf. Santo, 2004), obtendo-se 88% de acordo entre juizes.

As respostas obtidas nas sessões de treino foram classificadas de acordo com a abordagem da percepção de custos e construção de ganhos proposta por Lourenço (1991). No que respeita as respostas espontâneas, a questão 1 de ca- 2Para seleccionar os modelos sociais indagaram-se 60 crianças de 6/7 anos sobre personagens que “ajudam/não

ajudam as pessoas”. Verificámos que as figuras do médico, bombeiro e professora são habitualmente associadas a modelos de ajuda, o ladrão a um modelo anti-social e que o polícia permanece um modelo ambíguo, pois é associado, com frequência equivalente, a modelos de ajuda e não ajuda. A este grupo juntámos ainda um modelo neutro, de idade muito diferente das crianças inquiridas, ou seja, um adulto anónimo.

da dilema avalia o conteúdo do raciocínio pró-social e as questões 2 e 3 a per- cepção de custos/construção de ganhos pela criança, respectivamente de modo indirecto e directo. A escolha do personagem altruísta na questão 1 (e.g., “vai repartir porque o outro tem fome”) e, particularmente a opção altruísta nas questões 2 e 3 correspondem a respostas de construção de ganhos, indirectas (e.g., ”quando reparte porque gosta da amiga”) e directas (e.g., “quando re- parte porque assim arranja mais amigos e fica mais feliz”). A escolha do perso- nagem egoísta na questão 1 (e.g., ”não reparte, senão fica cheia de fome”) e, particularmente a opção egoísta nas questões 2 e 3 consideram-se respostas de percepção de custos, indirectas (e.g. “quando não reparte porque tem muita fo-