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Contextualização ao voluntariado empresarial

3.1 Voluntariado empresarial como estratégia de responsabilidade social

3.2.1 Contextualização ao voluntariado empresarial

Se por um lado a atuação voluntária (pessoa física) é remota22, é a partir dos anos 90 que ocorre uma maior articulação, por parte do Estado23, com intuito de convocar a sociedade civil ao exercício do trabalho voluntário. Também com mais ênfase, após 2001, o voluntariado empresarial ganha notoriedade, juntamente com um maior crescimento da atuação social empresarial (Mascarenhas e Zambaldi, 2002; Vidal et all, 2004; Freitas e Ventura, 2004).

Para contextualizar esse fenômeno, as reflexões de Almeida (2006a; 2006b) nos traz algumas contribuições relevantes. Em primeiro lugar, é preciso atentar que no contexto político brasileiro, a aplicação das reformas orientadas para o mercado teve início exatamente no

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Traçando-se uma retrospectiva da prática de trabalho voluntário, verifica-se que corresponde a uma prática tradicional (PINHEIRO, 2002a), cujas iniciativas remontam à Idade Média, ligada a valores religiosos (LANDIM, 2000; LIMA, 2004). Fischer e Falconer (2001) também ratificam que este não é uma novidade no Brasil e que, ao longo de gerações, as pessoas têm dedicado seu tempo a atividades de beneficência social. Goldberg (2001), por sua vez, aponta que a prática de voluntariado no Brasil ocorre desde o período colonial, tendo suas primeiras manifestações através das Santas Casas de Misericórdia, baseadas em princípios da caridade cristã. A ação voluntária estava ligada às doações senhoriais de “beneméritos” e eram estimuladas por um “amplo campo para valorização de caridade, do altruísmo, da solidariedade personalizada, da abnegação, de envolvimento e da escolha pessoal na doação” (LANDIM, 1993, p. 43).

23Vale lembrar que o voluntariado sempre foi fomentado pelo Estado brasileiro, a partir da década de 1940, com

as iniciativas da então primeira-dama Darcy Vargas através da LBA – Legião Brasileira de Assistência Social (SILVA, 2004). Mais recentemente, Em 1979, o governo lança o Pronav – Programa Nacional de Voluntariado da LBA, que por meio da atuação de voluntários em mais de mil núcleos espalhados em todo o território nacional visam arrecadar recursos para organizações sociais e programas específicos (Centro de Voluntariado de São Paulo).

momento em que, como foi discutido anteriormente, as preocupações dessa agenda recaíram na necessidade de formular as condições que garantissem a sustentabilidade das políticas de ajuste e o controle dos níveis de pobreza.

No contexto político brasileiro, o movimento de reformas foi iniciado a partir do governo de Collor de Melo, que em 1992 sofreu um processo de impeachment e foi então substituído pelo seu vice Itamar Franco. A campanha pró impeachment, organizada a partir do MEP – Movimento pela Ética na Política, teve o engajamento de diversos atores sociais, dentre os quais alguns segmentos empresariais que reivindicavam a democracia e soluções para os problemas sociais brasileiros (ALMEIDA, 2006b).

Como um desdobramento deste movimento, em 1993 surge a “Ação da cidadania contra a miséria e pela vida”, que correspondeu a um movimento de voluntariado organizado, considerado como um marco (SILVA, 2006). De acordo com Almeida (2006b), ambos movimentos foram resultado, em grande parte, de um processo em que a sociedade civil fortaleceu suas articulações internas e emergiu na cena pública como sujeito político legítimo24.

A partir do governo de FHC (Fernando Henrique Cardoso)25, o movimento de reformas ganha um novo vigor. Almeida (2006a) acena que em consonância com o receituário do projeto neoliberal, os gastos públicos com a área social foram reduzidos. Argumentava-se que o problema da política social não estava no montante do investimento destinado, mas sim pela falta de focalização e devido a práticas corruptivas e clientelistas por parte da burocracia estatal.

Neste ínterim, desde o início do seu primeiro mandato, o governo FHC procurou articular parcerias entre o Estado, mercado e sociedade civil na promoção de programas e ações de combate à pobreza, assim como mobilizar segmentos da sociedade civil em torno do discurso participativo solidário, que inclui o voluntariado e a responsabilidade social das empresas.

24 Apesar da convergência de bandeiras entre estes movimentos, a autora ressalva que tal circunstância não

pressupunha uma homogeneidade de interesses e projetos políticos. Assim como destaca que a sociedade civil que emergiu neste contexto estava obviamente atravessada por interesses distintos e, portanto, os temas do combate à fome e da solidariedade foram se configurando como eixos de lutas comuns num terreno marcado por tensões e disputas políticas.

Assim, em 1995, o governo estabeleceu o “Comunidade Solidária” com vistas a desencadear ações de desenvolvimento comunitário/subsidiariedade. Dentre suas estratégias, foi criado em 1996 o Programa Voluntários, através de um convênio entre o Banco Interamericando de Desenvolvimento (BID), a Unesco e a Fundação Banco do Brasil (PINHEIRO, 2002b), tendo à frente a primeira dama Ruth Cardoso.

A partir desse programa, incentiva-se a implementação de Centros de Voluntários em várias regiões do país; promove-se uma rede de divulgação que inclui a realização de seminários e capacitações; e elege-se o setor privado empresarial como um dos atores privilegiados a ser envolvido nas ações.

Almeida (2006b) cita que o incentivo a participação individual recuperou a referência tradicional de voluntariado, mas recolocou-a, porém, em novas bases. É na esteira desse processo que os princípios constitutivos da participação solidária são sedimentados, vinculados às demandas advindas das políticas de ajuste.

Dentre estas, pode-se reiterar a questão das parcerias entre Estado, sociedade civil e mercado, que permitem pactos descentralizados e flexíveis, necessários ao processo de enxugamento do Estado e a transferência de suas responsabilidades sociais para execução pelo terceiro setor – que aparece como ator privilegiado para a execução das políticas públicas.

Assim, o Estado é chamado “a garantir o ambiente institucional regrado que permitisse o respaldo legal e parâmetros públicos para o engajamento ativista da sociedade civil e do mercado nas questões sociais, bem como para aquelas parcerias” (ALMEIDA, 2006b, p. 48).

Torna-se então necessário uma nova institucionalidade, correspondente ao marco legal do terceiro setor. Por conseguinte, em 1998, o trabalho voluntário é regulamentado com a promulgação da Lei Federal 9608 (PINTO; GUEDES; BARROS, 2006), que dispõe sobre as condições do exercício do trabalho voluntário e prevê um termo de adesão para essa ação, reduzindo possíveis problemas por causas trabalhistas. Da mesma forma, também nasceu desse processo a Lei nº 9.790/99, que qualifica as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), instituindo e disciplinando o Termo de Parceria, que impõe mecanismos de controle social e de responsabilização no uso de recursos públicos por parte das mesmas.

A publicidade que tem sido destinada a esta atividade acentuou-se a partir de 2001 – estabelecido pela Organização das Nações Unidas como o Ano do Voluntariado – e desde então passou a ser maciçamente incentivada. Como resultado desse esforço, há uma multiplicidade de ações propostas pelo Estado, pelas entidades que compõem o terceiro setor e pela iniciativa privada (TEODÓSIO, 2002). Conforme sinaliza Pinto, Guedes e Barros (2006, p. 118):

“... proliferam as iniciativas em prol do trabalho voluntário, ocupando lugar de destaque no cenário atual; multiplicam-se investimentos, encontros, seminários, sempre com o objetivo de capacitar voluntários e promover adesões. Basta uma consulta rápida na internet para se ter idéia da amplitude desse tema: são páginas e páginas de indicações de diferentes modalidades de voluntariado, de organizações não-governamentais, de organizações privadas voltadas para o social e de “empresas sociais”, buscando, oferecendo e preparando voluntários e voluntários em potencial para os mais diversos tipos de trabalho”.

Em conseqüência, nas empresas, ou através de suas respectivas fundações sociais, há uma profusão de programas de voluntariado empresarial26, que correspondem ao direcionamento, apoio e incentivo aos empregados para atuação voluntária na sociedade. Trata-se de uma tecnologia de gestão que pode se apresentar sob formas multivariadas, facilitando sua implantação por adequar-se à proposta de atuação de cada organização (FISCHER; FALCONER, 2001). Em alguns casos, o exercício de atividade voluntária é avaliado, inclusive, como quesito nos processos de recrutamento e seleção nas organizações (SARAIVA, 2006; TEODÓSIO, 2002).

Portanto, torna-se premente a análise dos sentidos da participação no voluntariado corporativo (estratégia que advém da instituição da responsabilidade social empresarial) no contexto sócio-histórico contemporâneo. Estudar este fenômeno e compreender suas configurações subjetivas se constitui um desafio científico atual.

A implementação de programas de voluntariado empresarial como estratégia de ação socialmente responsável das organizações privadas corresponde a uma nova maneira de se relacionar na sociedade, estritamente ligada ao imaginário que atribui ao capital papel

26 Em recente pesquisa realizada pelo Rio Voluntário (organização não-governamental criada em 1997), sobre o

perfil do voluntariado empresarial no Brasil, se identifica com precisão inúmeros programas de voluntariado criados por organizações privadas notadamente a partir de 2001. Através desta publicação, é possível averiguar

preponderante na sociedade, ainda que tal questão seja encoberta por motivações intrinsecamente altruístas.

Trata-se de uma tecnologia de gestão que se simboliza e se sanciona por regras (tais como a lei n° 9.608, que dispõe sobre o serviço voluntário e a discutida SA8000 – norma internacional de avaliação da responsabilidade social) e articula-se de maneira antagônica, como uma espécie de “contra-partida” do sistema de produção capitalista, cujos efeitos impactam e são sentidos diretamente no meio ambiente, além de compreender um contexto de precarização das relações de trabalho.

Assim, a atuação social mais compromissada por parte das empresas ganha relevância pelos benefícios e vantagens que passam a obter e vem acompanhada de toda uma valorização do universo simbólico, conforme destaca Garay (2003a; 2003b), com a busca de união dos membros em torno de uma missão e ideologia organizacional, acompanhada por um sistema de valores e comportamentos compartilhados.

Este fenômeno constitui então um campo fértil para pesquisas e trabalhos que visam melhor compreendê-lo, com destaque para a motivação e os sentidos da participação no trabalho voluntário. Aborda-se a seguir as bases conceituais deste fenômeno, com vistas a desmistificar conceitos que imprimem a ele uma concepção utópica.