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Encruzilhada dos modelos teóricos para o estudo dos sentidos da participação no

deste trabalho.

3.3 Encruzilhada dos modelos teóricos para o estudo dos sentidos da participação no voluntariado

Dentre alguns estudos científicos brasileiros identificados, que têm como tema a questão da participação no trabalho voluntário incentivado pelas organizações privadas, foram detectados

alguns modelos teóricos estrangeiros voltados para a compreensão da motivação no voluntariado.

Entretanto, estes modelos apresentam alguns limites dentro do referencial teórico e epistemológico em que este trabalho se fundamenta e, portanto, considera-se que os mesmos são inadequados à compreensão do objeto de estudo em questão.

Por exemplo, alguns estudos (Souza; Carvalho, 2006; Madruga; Oliveira; Régis, 2007). fundamentam-se na Teoria da Expectância de Vroom para a análise da motivação no trabalho voluntário. Esses trabalhos esclarecem que na teoria de Vroom (1964), a motivação está vinculada aos resultados que as pessoas buscam no trabalho a partir da estimativa subjetiva de que as ações implementadas conduzirão a resultados desejados. No cerne da teoria está o processo de motivar (e não exatamente o conteúdo da motivação), calcado na relação entre três variáveis – valência (o quanto se deseja uma recompensa), expectativa (estimativa de probabilidade de que o esforço resultará num desempenho bem-sucedido) e instrumentalidade (estimativa de que aquele desempenho será um meio para se chegar à recompensa). A multiplicação dessas variáveis é que permitem medir a força motivacional.

O estudo da motivação para o trabalho voluntário de Souza e Carvalho (2006) foi realizado com foco na motivação de lideranças comunitárias. Entretanto, os próprios autores fazem uma ressalva à teoria da expectância, porque a mesma é direcionada à compreensão do trabalho como sinônimo de emprego e renda – o que é incongruente com a atividade voluntária. Portanto, para desenvolver a pesquisa, fizeram adaptações conceituais. Já o estudo de Madruga, Oliveira e Régis (2007), que abrangeu a motivação de gerentes bancários atuantes no voluntariado empresarial, abrangeu também uma pesquisa qualitativa com vistas a superar a limitação dessa teoria (quantitativa).

Ora, a teoria da expectância de Vroom possui dois aspectos – caráter quantitativo e base em relações mediadas por remuneração financeira – que se confrontam diretamente com a perspectiva de análise em que este trabalho se baseia. Apesar de reconhecer o valor e complementaridade de análises quantitativas com qualitativas, o estudo dos sentidos subjetivos pressupõe a epistemologia qualitativa. Ademais, o trabalho voluntário – até no próprio aspecto conceitual, implica em atividade não remunerada e, sob este ponto, considera- se incongruente usar uma teoria “mercantil”, ainda que com adaptações.

Além destes, outros modelos teóricos estrangeiros são propostos por Penner e Finkelstein (1998) e Okun, Barr e Herzog (1998). Estes modelos, que também são quantitativos, visam identificar os motivos que levam as pessoas a atuar como voluntários e a dar continuidade a esse trabalho por longos períodos.

Penner e Finkelstein (1998) referem-se a dois modelos mais conhecidos, que se complementam: o modelo do processo voluntário e o modelo da identidade do papel. O primeiro modelo volta-se aos antecedentes do voluntariado e ao que acontece com os voluntários ao longo do tempo. De acordo com as argumentações de Penner e Finkelstein (1998), tem-se que no modelo do processo decisório voluntário, a decisão de voluntariar associa-se a fatores disposicionais, tais como experiências de vida, circunstâncias, motivos pessoais e necessidades sociais. Quanto a decisão de continuar voluntariando, apresentam como condicionantes fatores ligados à relação estabelecida entre o voluntário e a instituição, a saber, a satisfação com a organização, sentimentos positivos em relação a ser voluntário, comprometimento com a organização, além de variar conforme a experiência, personalidade e motivação social de cada indivíduo. Nesta proposta, a ação voluntária serve a diferentes (e múltiplas) funções para diferentes pessoas (e múltiplas funções para uma mesma pessoa). O modelo se sustenta na análise funcional do comportamento pró-social, ou seja, história de engajamento em ações de ajuda.

Por sua vez, o modelo da identidade do papel explica a ação voluntária com base na teoria do papel e na estrutura social na qual o voluntariado ocorre. Pressupõe que a atuação voluntária contínua leva as pessoas a um maior comprometimento organizacional, assim como aumenta a incidência de ações em prol da organização, a ponto do papel de voluntário tornar-se parte de sua própria identidade (Penner e Finkelstein, 1998).

Com base em Okun, Barr e Herzog (1998) são identificados três modelos analisados por estes autores, no que tange a motivação para o trabalho voluntário: o de um fator; o de dois fatores; e o de seis fatores. De forma sucinta, pode-se aferir que o primeiro concebe que os voluntários agem sob uma combinação de motivos; o segundo, postula que a motivação ao voluntariado se dá por motivos altruístas e egoístas; o terceiro considera as diferenças nos motivos que são satisfeitos, as necessidades que são encontradas e os objetivos que são

alcançados. Este identifica seis funções primárias para o trabalho voluntário, quais sejam: os valores, o aspecto social, a carreira, a aprendizagem, a estima e proteção.

O tipo de recorte dos modelos discutidos por Penner e Finkelstein (1998) e Okun, Barr e Herzog (1998), ao contrário da teoria da expectância de Vroom, permitem uma análise mais adequada por serem teorias fundamentadas no voluntariado. Outro fator importante nos mesmos é que se observa um esforço inicial em ir além de uma visão ingênua das motivações que configuram a ação voluntária no contexto atual. No caso do modelo do processo voluntário, vale notar também um aspecto importante em relação a consideração de que a ação voluntária integra sentidos subjetivos de diferentes procedências e variam de pessoa para pessoa. O modelo da identidade do papel, por sua vez, é determinista, não considera que o sentido associado a uma ação (no caso, a continuidade da realização do trabalho voluntário) integra elementos de sentido que aparecem no curso da ação e, portanto, não detém motivos específicos universais que atuarão como sua causa. Da mesma fora, os modelos trazidos por Okun, Barr e Herzog (1998), ao estabelecer categorias, terminam por “encaixar" as pessoas dentro das mesmas. Ademais, todos estes modelos também são de natureza quantitativa.

Outro estudo encontrado na literatura analisada refere-se a uma pesquisa de Mascarenhas e Zambaldi (2002), que abordam a motivação em programas de voluntariado de acordo com a vertente teórica proposta por Fischer e Schaffer (1993), fundamentada no debate sobre razões altruístas e egoístas para o trabalho voluntário. Essa teoria traz alguns argumentos relevantes com relação às razões apresentadas para a atuação voluntária, alegando que para além das razões altruístas, as reais motivações dos indivíduos são muito mais complexas.

Entretanto, a partir de resultados de estudos sobre motivação para o voluntariado, Fischer e Schaffer (1993) sintetizam em oito categorias conceituais de análise as razões alegadas para a participação neste tipo de atividade, quais sejam altruístas, ideológicas, egoístas, materiais, status, sociais, lazer e crescimento pessoal.

Desta forma, além dos limites já colocados sobre a categorização (própria do uso de modelos) dos sentidos inerentes a atividade voluntária, a pesquisa realizada por Mascarenhas e Zambaldi (2002) a partir desse esquema se detém ao discurso explícito dos sujeitos (motivos alegados) e torna-se, portanto, superficial. Os sentidos subjetivos não correspondem linearmente às representações dos sujeitos.

Por fim, vale destacar o esforço acadêmico empreendido por Souza, Medeiros e Fernandes (2006), que com base no entendimento de que a decisão espontânea para o exercício do trabalho voluntário envolve diferentes motivos, criaram uma tipologia para essa atividade.

Para tanto, os autores fundamentaram-se nas discussões e modelos de dois autores modelos estrangeiros McCurley e Lynch (1998) e Mostyn (1993). De forma sucinta, os primeiros, indicam três categorias de motivos para o engajamento em ações voluntárias (altruísta, interesse próprio e familiar). Por sua vez, Mostyn (1993) esboça cinco categorias de organizações voluntárias: altruísta (auto-sacrifício); afetivo (para ajudar pessoas em situação de aflição); amigável (para fornecer ajuda aos menos afortunados); ajustado (para melhorar a sociedade) e ajuizado (por interesse próprio). Este modelo considera que “não apenas motivos subjetivos distintos estão vinculados à tipologia do trabalho voluntário, mas, graus diferenciados e complementares de racionalidade substantiva e instrumental” (SOUZA; MEDEIROS; FERNANDES, 2006, p. 7).

A partir desses modelos, Souza, Medeiros e Fernandes (2006) sintetizam uma tipologia do trabalho voluntário, ressalvando que necessita de averiguação empírica:

Quadro 1 – Síntese da tipologia do trabalho voluntário

Fonte: Mostyn (1993), apud Souza, Medeiros e Fernandes (2006)

A tipologia trazida pelos autores é relevante ao reconhecer a existência de sentidos subjetivos distintos (para além do puro altruísmo) e graus de racionalidade diferenciados na ação voluntária dos sujeitos, entretanto, à tipologia nos traz categorias heurísticas que, se de um lado facilita o entendimento da argumentação teórica defendida pelos autores, por outro implica numa simplificação extrema ao fenômeno da participação no voluntariado, reduzindo a sua compreensão a tipos pré-definidos.

Estas abordagens constituem-se em importantes parâmetros para a análise da decisão de participar do voluntário empresarial e as motivações implicadas, mas possuem em geral contornos positivistas, centrados em variáveis e categorizações que criam uma espécie de padronização e universalidade que se consideram inapropriadas para esta investigação.

González Rey (2004) assevera a importância de superarmos a forma fragmentada e estática pela qual se estuda, usualmente, as diferentes atividades humanas e seus processos de motivação correspondentes. Para o autor, a motivação é uma configuração única de sentido que participa da produção de sentidos de uma atividade concreta, sem ser alheia aos outros sentidos produzidos de forma simultânea nas demais esferas da vida do sujeito.

Portanto, este estudo se balizará num esforço eminentemente qualitativo, em conformidade com a concepção epistemológica de González Rey (destacada mais detalhadamente no próximo capítulo), que se considera mais adequada para a compreensão do fenômeno da participação no voluntariado e seus sentidos subjetivos.

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: OS CAMINHOS DA PESQUISA QUALITATIVA

O voluntariado empresarial se constitui em um fenômeno novo e complexo. Compreender os sentidos que a participação em ações voluntárias assume no cenário organizacional implica, portanto, desafios e responsabilidades metodológicas intrínsecas.

Tal questão norteou a escolha da abordagem metodológica que se apresenta como mais adequada ao objeto e objetivos desta pesquisa, conforme segue.