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PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 1. CONTEXTUALIZAÇÕES HISTÓRICA, CONCEPTUAL E

1.2. Contextualização Conceptual

A forma como os comportamentos suicidas são definidos é fundamental para facilitar a comunicação e aumentar o rigor terminológico na comunidade académica, clínica e científica, bem como para o registo estatístico do número de casos oficiais (Silverman, Berman, Sanddal, O'Carroll, & Joiner, 2007a).

As definições dos comportamentos suicidas propostas, ao longo do último século, têm variado sobretudo em função das orientações teóricas (e.g., psicológica, sociológica) e culturais (sistema de valores) dos respetivos autores (Silverman, 2006). Por conseguinte, essas definições têm problematizado diferentes aspetos inerentes aos comportamentos suicidas, como sejam a causalidade, a finalidade, a intencionalidade, o estado psicológico individual ou as condições do meio social.

Consoante os critérios subjacentes, apesar da especificidade do comportamento suicida, existe um conjunto de termos que surgem comummente associados ao mesmo, designadamente suicídio, tentativa de suicídio, para-suicídio, comportamentos autolesivos, ideação suicida, entre outros.

A inexistência de nomenclaturas estandardizadas, sistemas de classificação consensuais e taxonomias unânimes coloca dificuldades na comparação dos resultados de diferentes investigações (McKeon, 2009; Silverman, 2011), nos estudos epidemiológicos, na comparação das taxas em termos nacionais e internacionais, na divulgação da eficácia das intervenções clínicas e nas atividades de prevenção (Silverman, 2011).

Neste capítulo propomo-nos fazer uma revisão da evolução das definições dos comportamentos suicidas por parte dos autores mais influentes ou que representaram um contributo significativo, por ordem cronológica, salientando as novidades conceptuais acrescentadas pelos mesmos.

Durkheim (1897/2001) foi pioneiro na definição científica/formal de suicídio, considerando-o como “todo o caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo praticado pela própria vítima, ato que a vítima sabia dever produzir esse resultado” (p. 23). Esta definição integra os elementos essenciais que caracterizam o suicídio, isto é, um ato positivo (que exemplifica com os casos de envenenamento) ou negativo (que ilustra com os casos de greve de fome), praticado pelo próprio indivíduo e que lhe provoca a morte de forma intencional. Stekel, em 1910, no simpósio da Sociedade Psicanalítica de Viena, corrobora a finalidade do ato autolesivo referida por Durkheim e acrescenta a possibilidade de uma dimensão heteroagressiva no ato suicida, ao explanar que “ninguém se mata se não desejar ao mesmo tempo matar um outro ou, pelo menos, se não desejar a sua morte” (Stekel, 1910, cit in Martins, 1990, p. 28).

Halbwachs (1930) salienta também a importância da intencionalidade de morrer através do ato autoprovocado e refuta a categoria de suicídio altruísta (suicídio como sacrifício por algo ou alguém) proposta por Durkheim (1897/2001), definindo o suicídio como “todo o caso de morte que resulta de um ato realizado pela vítima a si própria, com a intenção de se matar ou tendo em vista matar-se e que não é um sacrifício” (p.170).

Conforme refere o estudo de O'Carroll et al. (1998), aproximadamente em meados do século XX, autores como Raines, em 1950, Farrar, em 1951, Schmidt, O’Neal e

Robins, em 1954, e Dorpat e Boswell, em 1963, também se terão pronunciado pontualmente sobre o fenómeno suicídio.

A discussão em torno da definição de suicídio é reavivada por Stengel (1964) que entende o suicídio como “o ato de pôr termo à própria vida”, sendo o suicida aquele que “morre por suas próprias mãos” ou que “tenta ou tem tendência para tentar o suicídio” (Stengel, 1964/1980, p. 18). Esta definição não se pronuncia sobre a intenção do indivíduo, o que não o permite distinguir, por exemplo, de uma morte acidental; no entanto, no decurso da sua obra, o autor assume que o único objetivo desse ato será a própria morte.

Nos anos seguintes, a comunidade científica registou um avanço determinante nesta matéria. Em 1972-73, o National Institute of Mental Health Center for the Studies of Suicide Prevention numa comissão presidida por Aaron Beck, nos Estados Unidos da América (EUA), propôs um esquema de classificação e nomenclatura para os comportamentos suicidas. Este sistema distinguia três grandes grupos: suicídio consumado, tentativa de suicídio e ideias de suicídio (preocupações, ameaças, intenções, planos), os quais, por sua vez, seriam especificados com base em cinco critérios: certeza do avaliador (0-100%), letalidade (zero, baixo, médio, alto), intenção (zero, baixo, médio, alto), circunstâncias mitigantes (zero, baixo, médio, alto) e método suicida (cit in Maris, 1992a; Saraiva, 1999)8.

Este sistema foi, posteriormente, adotado e revisto por vários autores, sendo de notar a apreciação de Maris (1992a) que sistematiza como pontos positivos o facto de ser um sistema parcimonioso e diferenciar os principais tipos de comportamentos suicidas e como aspetos negativos a ausência de dados sobre as diferenças demográficas, a omissão de alguns comportamentos autolesivos indiretos e a inclusão da intenção como um dos critérios básicos, por considerar que a medição da mesma não é direta e dificulta a classificação dos atos.

Em 1975, Baechler, numa visão mais compreensiva, entende que o suicídio é percecionado como uma solução para os problemas do indivíduo e, por isso, para compreender um caso específico é necessário identificar o problema que o indivíduo está a tentar resolver (cit in Shneidman, 1992). O autor desenvolve quatro categorias de

8 Beck foi também autor ou coautor de vários instrumentos psicométricos, como por exemplo a

Beck Suicide Ideation Scale (Beck, Steer, & Ranieri, 1988), a Beck Suicide Intent Scale (Beck & Lester,

suicídio conforme o objetivo do mesmo: escapista (o objetivo é fugir de algo), agressivo (o objetivo é atingir alguém), oblativo (o objetivo é ser altruísta) e lúdico (o objetivo é testar prazerosamente os limites da vida) (cit in Saraiva, 2006a).

Jobes et al. (1987) focam-se unicamente na classificação dos suicídios consumados no âmbito dos certificados de morte médico-legais/autópsias e retomam a ideia de que o suicídio consumado deve ser caracterizado pela presença de intenção de morrer e que as ações que levam à morte devem ser protagonizadas pelo próprio de forma voluntária. Os autores estabelecem um conjunto de onze critérios para avaliar a intenção de morrer quando as evidências não são diretas (Jobes, Berman, & Josselson, 1987).

No início da década de 90, Jobes, Casey, Berman e Wright (1991) construíram um instrumento que permite ajudar os médicos-legistas a classificar as mortes por suicídio e, mais facilmente, discriminá-las das mortes por acidente, tendo em consideração as autolesões e a intenção.

Ellis (1988) propôs uma classificação do que designou por “dimensões do comportamento autodestrutivo”. A classificação de Ellis engloba dimensões descritivas (e.g., suicídio, para-suicídio), situacionais (e.g., perdas, conflitos interpessoais), psicológicas/comportamentais (e.g., perturbações do humor, abuso de substâncias) e teleológicas (e.g., instrumentais, cessação). Estas dimensões, porém, são questionadas por autores como Maris (1992a), que as classifica como causas e não como dimensões do comportamento suicida.

Também em 1988, o US Centers for Disease Control publicou o documento Operational Criteria for the Determination of Suicide elaborado por um grupo de trabalho multidisciplinar, representativo das principais organizações interessadas no tema9, com o objetivo de promover a eficácia, a consistência e a uniformidade nos certificados e relatórios de morte. A aplicação deste sistema destinava-se exclusivamente a profissionais treinados para determinar a causa de morte. Os autores definem o suicídio como uma “morte decorrente de um ato infligido sobre si próprio com a intenção de se matar” (M. L. Rosenberg et al., 1988, p. 1451). Desta definição

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American Academy of Forensic Sciences (AAFS), American Association of Suicidology (AAS), Association of Vital Records and Health Statistics (AVRHS), Centers for Disease Control (CDC), International Association of Coroners and Medical Examiners (IACME), National

Association of Counties (NACO), National Association of Medical Examiners (NAME) e National Center for Health Statistics (NCHS).

derivam duas questões essenciais: (a) se a lesão foi ou não autoinfligida e (b) se o falecido tencionava ou não matar-se (M. L. Rosenberg et al., 1988). A validade de conteúdo destas questões foi considerada relativamente elevada; contudo, não se pode considerar que se trate de um sistema de classificação – apesar de a designação induzir nesse sentido – uma vez que os autores definem o suicídio, mas não o operacionalizam (Silverman, 2011).

O sistema de classificação de morte NASH, designação em formato de acrónimo, baseia-se na natureza da morte, categorizando-a em natural (não-intencional), acidental (não-intencional ou subintencional), suicídio (intencional) e homicídio (contra- intencional) (Shneidman, 1980, cit in Maris, 1992a).

Maris (1992a), inspirado no diagnóstico multiaxial estabelecido no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais da American Psychiatric Association, desenvolve uma nomenclatura também multiaxial em três eixos: o eixo I referente ao tipo primário; o eixo II dirigido às características secundárias e o eixo III referente aos comportamentos autolesivos indiretos. No eixo I, o comportamento deve ser categorizado como suicídio consumado (código I), tentativa de suicídio não-fatal (código II), ideação suicida (código III), situações mistas ou incertas (código IV). Estes tipos de fenómenos suicidas devem, de seguida, ser subcategorizados como escape (A), vingança (B), altruísta (C), jogo/risco (D) ou um misto dos anteriores (E). No eixo II, o fenómeno suicida deve ser classificado de acordo com o grau de certeza (0-100%), letalidade, intenção, circunstâncias de mitigação, método, sexo, idade, raça, estatuto marital e profissão. No eixo III, deve assinalar-se os comportamentos autodestrutivos indiretos, como o alcoolismo, abuso de outras drogas, abuso de tabaco, automutilação, anorexia-bulimia, sobre ou subpeso, promiscuidade sexual, problemas de saúde, desportos arriscados, stresse, propensão para acidentes ou outros. Em cada eixo é atribuído um código de acordo com o comportamento suicida manifestado, o que permite obter um código final alfanumérico com todas as características descritivas (Maris, 1992a). Por exemplo, ao classificar-se um suicídio como escape atribuir-se-á o código IA.

Mayo (1992) adota uma postura didática e perante a questão “o que é o suicídio?” responde que “cometer suicídio é terminar com a sua própria vida intencionalmente” (p.88). De seguida, o autor complementa que qualquer definição de suicídio deve contemplar quatro componentes fundamentais: (a) a fatalidade do suicídio; (b) a

reflexividade do suicídio; (c) o facto de a agência do suicídio poder ser ativa ou passiva e (d) a questão da intencionalidade.

A componente de fatalidade estipula que só pode considerar-se suicídio se ocorrer a morte do indivíduo, pois caso contrário trata-se de uma tentativa de suicídio. A refletividade postula que a morte do sujeito tem obrigatoriamente que ser planeada e executada pelo próprio. A terceira componente, referente à atividade ou passividade do sujeito, diz respeito aos meios adotados pelo sujeito, i.e., o sujeito pode optar por realizar uma ação física (como disparar um tiro contra si próprio com uma arma de fogo) ou por adotar uma atitude passiva que, em circunstâncias especiais, conduzirá à morte (como colocar-se na linha de comboio aguardando que o mesmo o atropele, recusar tratamentos essenciais para continuar a viver). Em último lugar temos a intencionalidade que consiste no propósito do ato e, por isso, é a característica que permite distinguir as mortes autoprovocadas acidentais (como uma pessoa que dispara contra si própria enquanto está a limpar a arma ou que se despista a alta velocidade enquanto tenta sintonizar o rádio) das mortes por suicídio (Mayo, 1992).

Para Shneidman (1993), na cultura ocidental, um suicídio consiste num “ato consciente de aniquilação autoprovocada, percebido como o resultado de um mal-estar multidimensional num indivíduo carente que perceciona este ato como a melhor solução para o seu problema” (p. 4). O autor explana uma definição causal, procurando colocar- se no lugar do suicida e compila dez características comuns a todos os atos suicidas: (a) o objetivo é a procura de uma solução; (b) a finalidade é a cessação do estado de consciência; (c) o estímulo é uma dor psicológica insuportável; (d) o stressor é a frustração de necessidades psicológicas, consideradas como vitais; (e) a emoção prevalente é a desesperança/desespero; (f) o estado cognitivo é caracterizado pela ambivalência; (g) ao nível da perceção existe uma constrição da consciência, i.e., o suicida perceciona aquele ato como a única via disponível; (h) a ação cinge-se à egressão; (i) em termos interpessoais há a comunicação de uma intenção e, finalmente, (l) a consistência dos padrões de coping adotados ao longo da vida (Shneidman, 1993).

Com base nestas dez características, Shneidman (1992, 1993) propõe um modelo cúbico mais sucinto, composto por cento e vinte e cinco cubinhos, vinte e cinco em cada uma das três faces visíveis que representam (a) a dor psicológica provocada pela frustração das necessidades tidas como vitais, (b) a perturbação do estado normal, provocando constrição percetual e tendência para a autolesão e (c) a pressão negativa de condições ou acontecimentos que ameaçam, stressam ou prejudicam o indivíduo

contribuindo para o suicídio. Cada uma destas dimensões evolui gradualmente ao longo de diferentes cubinhos na face do grande cubo, sendo que apenas um dos cubinhos regista a medida máxima de cada dimensão. De acordo com este modelo, um suicídio ocorre no momento em que o sujeito atinge simultaneamente a medida máxima nos três cubinhos representativos do estado extremo de dor psicológica, pressão e perturbação (Shneidman, 1993, p. 43).

Em 1995-96, sob os auspícios do National Institute of Mental Health e da American Association of Suicidology, um grupo de especialistas propôs uma nomenclatura uniforme para os pensamentos e comportamentos autolesivos, na qual distinguem dois grupos principais: (a) pensamentos e comportamentos de tomada de risco (de risco imediato, como praticar skydiving, ou de risco remoto, como fumar) e (b) comportamentos e pensamentos relacionados com o suicídio (O'Carroll et al., 1998).

Neste segundo grupo, os autores incluem a ideação suicida, que pode ser casual ou contínua, e os comportamentos relacionados com o suicídio. Os comportamentos relacionados com o suicídio, por sua vez, são subdivididos em (1) comportamentos instrumentais relacionados com o suicídio (como a ameaça de suicídio, a morte acidental resultante de um comportamento instrumental e outros comportamentos instrumentais relacionados com o suicídio) e em (2) atos suicidas, nos quais se integram as tentativas de suicídio (com ou sem lesões) bem como o suicídio consumado (O'Carroll et al., 1998).

O'Carroll et al. (1998), baseados no documento Operational Criteria for the Determination of Suicide propostos pelo US Centers for Disease Control (M. L. Rosenberg et al., 1988), apresentam como definição de suicídio ou suicídio consumado, termos que assumem como sinónimos, a “morte resultante de lesões, envenenamento ou asfixia, na qual existe evidência (explícita ou implícita) de que o dano foi autoinfligido e de que o falecido tencionava matar-se a si próprio” (O'Carroll et al., 1998, p. 32).

A American Psychiatric Association (APA) reconheceu a utilidade desta nomenclatura adotando-a no âmbito do estudo do suicídio, à semelhança de outros autores, embora esta não tenha sido universalmente aceite, em parte devido à introdução de termos e definições pouco familiares (Silverman, 2011; Silverman et al., 2007a).

A Organização Mundial de Saúde, em 1998, refere que “para o ato de se matar a si próprio ser classificado como suicídio, este deve ser deliberadamente iniciado e desempenhado pela própria pessoa com pleno conhecimento, ou expectativa, do seu resultado fatal” (Organização Mundial de Saúde, 1998, p. 75).

Ao longo da história da Suicidologia, alguns autores têm constatado que, por um lado, existe uma elevada quantidade e diversidade de definições propostas para o termo suicídio (Shneidman, Farberow, & Litman, 1994) mas, por outro, notam a inexistência de nomenclaturas consensuais, definições operacionais, medidas da intenção, medidas da letalidade assim como de instrumentos para avaliar os diferentes tipos de comportamentos suicidas (Silverman, 2006), o que desfavorece a evolução desta área de estudos. A inexistência destes conteúdos pode levar a um discurso ambíguo e a interpretações erróneas entre os profissionais, colocando em causa a utilidade clínica e científica do conceito, alertando para a necessidade primordial de definir não só critérios operacionais mas também nomenclaturas (Kidd, 2003; Shneidman et al., 1994). A constatação destas lacunas motiva Silverman, Berman, Sanddal, O'Carroll e Joiner (2007b) a formular uma nova nomenclatura, quer para os pensamentos, quer para os comportamentos suicidas (Tabela 1), tendo como base a nomenclatura anterior de O’Corroll et al., em 1996 (O'Carroll et al., 1998). A nova versão revista da nomenclatura proposta por Silverman et al. (2007b) mantém dois grandes grupos: (A) comportamentos e pensamentos de tomada de risco e (B) comportamentos e pensamentos relacionados com o suicídio. O primeiro grupo subdivide-se consoante o (1) risco imediato ou (2) remoto que, por sua vez, são categorizados consoante o resultado: (a) sem lesões; (b) com lesões ou (c) em morte.

O segundo grupo divide-se em (1) ideações relacionadas com o suicídio, (2) comunicações relacionadas com o suicídio e (3) comportamentos relacionados com o suicídio.

As ideações relacionadas com o suicídio são subcategorizadas de acordo com a intenção associada: (a) ausência de intenção; (b) grau indeterminado de intenção ou (c) presença de intenção.

As comunicações relacionadas com o suicídio, nova categoria proposta nesta versão revista, são classificadas de seguida com base na intenção: (a) ausência de intenção; (b) grau indeterminado de intenção ou (c) presença de intenção, as quais são, posteriormente, categorizadas em vários tipos, consoante a existência de (1) ameaça ou (2) plano suicidas.

Os comportamentos relacionados com o suicídio10 são igualmente categorizados, numa primeira fase, de acordo com a intenção, nomeadamente a (a) ausência de intenção (comportamentos autolesivo), (b) grau indeterminado de intenção (comportamento relacionado com o suicídio indeterminado) ou (c) presença de intenção. Numa segunda fase, são classificados de acordo com a (1) ausência de lesões, (2) presença de lesões ou (3) com lesões fatais.

Na categoria dos comportamentos relacionados com o suicídio, em que existe intenção de morrer, podemos estar perante (1) uma tentativa de suicídio sem lesões (tipo I), (2) uma tentativa de suicídio com lesões (tipo II) ou (3) um suicídio consumado, se as lesões forem fatais (Silverman et al., 2007b).

Comparando com a nomenclatura de O’Corroll, Silverman et al. (2007b) propõem que se acrescente a categoria comunicações relacionadas com o suicídio que definem como “qualquer ato interpessoal de partilhar, expressar ou transmitir pensamentos, vontades, desejos ou intenções para os quais existe evidência (explícita ou implícita) de que o ato de comunicação não é por si só um comportamento autolesivo (Silverman et al., 2007b, p. 268).

Esta categoria engloba as ameaças suicidas e os planos suicidas. Uma ameaça suicida consiste em “qualquer ação interpessoal, verbal ou não-verbal, com uma componente autolesiva direta, que, de forma razoável, se pode interpretar como uma comunicação ou sugestão de que um comportamento suicida pode ocorrer num futuro próximo (Silverman et al., 2007b, p. 268). Um plano suicida consiste na realização de um projeto com uma proposta de método que pode levar a um resultado potencialmente autolesivo; uma formulação sistemática de um programa de ação que tem o potencial de resultar numa autolesão (Silverman et al., 2007b, p. 268).

Outro ponto inovador desta nomenclatura foi a introdução da categoria “indeterminado”, a qual pode incluir, a título de exemplo, uma “morte autoinfligida com intenção indeterminada”.

Os investigadores do MIRECC em Denver, tendo como modelo esta nomenclatura de Silverman et al. (2007a, 2007b), desenvolveram um sistema de

10 Os comportamentos relacionados com o suicídio consistem num “comportamento autoinfligido, num comportamento lesivo para o qual existe evidência (explícita ou implícita) de que (a) a pessoa deseja aparentar a intenção de se matar de forma a conseguir outro fim ou (b) a pessoa tenta em algum grau matar-se” (Silverman et al., 2007b, p. 271).

classificação com utilidade clínica que está disponível no US Department of Defense and the Veterans Administration Hospital. Este sistema, atualmente, está a ser objeto de investigações (Silverman, 2011).

Tabela 1

Nomenclatura dos Pensamentos e Comportamentos Autolesivos (Versão Revista) (Silverman et al., 2007b, pp. 266-267)

Pensamentos e Comportamentos Autolesivos

A. Comportamentos e pensamentos de tomada de risco 1. Com risco imediato

a. Resultado sem lesões b. Resultado com lesões c. Resultado em morte 2. Com risco remoto a. Resultado sem lesões b. Resultado com lesões c. Resultado em morte

B. Comportamentos e pensamentos relacionados com o suicídio 1. Ideações relacionadas com o suicídio

a. Sem intenção suicida (1) Casual (2) Transitória (3) Passiva (4) Ativa (5) Persistente

b. Com um grau indeterminado de intenção suicida (1) Casual

(2) Transitória (3) Passiva (4) Ativa (5) Persistente

c. Com alguma intenção suicida (1) Casual

(2) Transitória (3) Passiva (4) Ativa (5) Persistente

2. Comunicações relacionadas com o suicídio a. Sem intenção suicida

(1) Verbal ou não-verbal; passiva ou ativa (Ameaça Suicida, Tipo I) (2) Escolha de um método suicida potencialmente autolesivo (Plano Suicida, Tipo I) b. Com um grau indeterminado de intenção suicida

(1) Verbal ou não-verbal; passiva ou encoberta” (Ameaça Suicida, Tipo II) (2) Escolha de um método suicida potencialmente autolesivo (Plano Suicida, Tipo II) c. Com algum grau de intenção suicida

(1) Verbal ou não-verbal; passiva ou encoberta (Ameaça Suicida, Tipo III)

(2) Escolha de um método suicida potencialmente autolesivo (Plano Suicida, Tipo III) 3. Comportamentos relacionados com o suicídio

a. Sem intenção suicida

(1) Sem lesões (Autolesivo, Tipo I) (2) Com lesões (Autolesivo, Tipo II)

(3) Com resultado fatal (Morte Intencional Autoinfligida) b. Com um grau indeterminado de intenção suicida

(1) Sem lesões (Comportamento indeterminado relacionado com o suicídio, Tipo I) (2) Com lesões (Comportamento indeterminado relacionado com o suicídio, Tipo II) (3) Com resultado fatal (Morte autoinfligida com intenção indeterminada)

c. Com algum grau de intenção suicida (1) Sem lesões (Tentativa de suicídio, Tipo I) (2) Com lesões (Tentativa de suicídio, Tipo II) (3) Com resultado fatal (Suicídio)

Também em 2007 foi publicado o resultado de um estudo realizado pelos suicidologistas da Columbia University, a pedido da US Food and Drug Administration, para identificarem os acontecimentos adversos inerentes ao consumo de medicamentos antidepressivos em crianças e adolescentes que estivessem relacionados com o comportamento suicida. Para tal, os suicidologistas descrevem um esquema de classificação da suicidalidade com uma nomenclatura de termos e definições – o Columbia Classification Algorithm for Suicide Assessment (C-CASA) – que levaria a uma avaliação mais sistemática da suicidalidade e à melhoria da identificação de grupos de alto risco para protocolos de investigação. O C-CASA distingue três tipos: acontecimentos suicidas; acontecimentos não-suicidas e potenciais atos suicidas ou indeterminados. O primeiro grupo – acontecimentos suicidas – inclui (a) o suicídio consumado, (b) a tentativa de suicídio, (c) atos preparatórios para um eminente suicídio e (d) ideação suicida. O segundo grupo – acontecimentos não-suicidas – abrange (a) comportamentos autolesivos sem intenção de morrer, (b) outros comportamentos sem atos autolesivos. O terceiro grupo – potenciais atos suicidas ou indeterminados – integra, por sua vez, (a) comportamentos autolesivos cuja intenção suicida é

desconhecida e (b) comportamentos cuja informação é insuficiente (Posner, Oquendo, Gould, Stanley, & Davies, 2007).

Este estudo levou à formulação do Columbia Suicidality Severity Rating Scale (C- SSRS) que mede o tipo e a intensidade da ideação suicida e o grau de letalidade dos atos.

A ideação suicida é medida numa escala de 1 a 5, desde o “desejo de morrer” até à “ideação suicida ativa com plano específico e intenção”, passando pela “ideação suicida ativa não-específica”, a “ideação suicida ativa com algum método sem intenção de agir” e pela “ideação suicida ativa com alguma intenção de agir, sem um plano específico”. O grau de intensidade do ato é medido com base na frequência, duração, controlabilidade, impedimentos (e.g., religião) e razões para a ideação suicida. O comportamento suicida é também avaliado nas seguintes categorias: (a) tentativa real; (b) tentativa interrompida; (c) tentativa abortada/cancelada/desistência; (d) comportamento ou ato de preparação e (e) se o comportamento suicida estava presente durante o período de avaliação (Posner et al., 2011).

A análise do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-IV-TR) publicado pela American Psychiatric Association, na sua atual versão